Archive for the ‘ Poesia ’ Category

‘A Córdoba’, de Luis de Góngora

Poema A Córdoba (1585) de Luis de Góngora [1561-1627], um dos expoentes máximos da literatura do Siglo de Oro, nascido em Córdova a 11 de Julho.

¡Oh excelso muro, oh torres coronadas
De honor, de majestad, de gallardía!
¡Oh gran río, gran rey de Andalucía,
De arenas nobles, ya que no doradas!

¡Oh fértil llano, oh sierras levantadas,
Que privilegia el cielo y dora el día!
¡Oh siempre glorïosa patria mía,
Tanto por plumas cuanto por espadas!

Si entre aquellas rüinas y despojos
Que enriquece Genil y Dauro baña
Tu memoria no fue alimento mío,

Nunca merezcan mis ausentes ojos
Ver tu muro, tus torres y tu río,
Tu llano y sierra, ¡oh patria, oh flor de España!

RECERCADA VII SOBRE LA ROMANESCA – Diego Ortiz (ca. 1510 – ca. 1570) | Tratado de Glosas, 1533
Intérpretes: Jordi Savall , Christophe Coin – Violas de gamba | Hopkinson Smith – Vihuela de mano.

Muralha excelsa! Torres coroadas
de honra, de majestade, de galhardia!
Oh grande rio, rei da Andaluzia,
de areias nobres, bem que não douradas!
Oh fértil chão, oh serras levantadas,
que favorecem o céu e douram o dia!
Pátria minha, que sempre se gloria,
tanto por plumas quanto por espadas!
Se entre aquelas ruínas e despojos
que enriquece o Genil e o Dauro banha,
o lembrar-te não foi meu alimento,
nunca mereçam meus ausentes olhos
tuas muralhas, torres entre o vento,
teu plaino e serra, oh pátria, oh flor de Espanha!

Tradução de José Bento

‘Auto da Barca da Glória’, de Gil Vicente

Musica Aeterna de 2 Jun 2019
Os 500 anos sobre a estreia do ‘Auto da Barca da Glória’ de Gil Vicente e a música de Damião de Góis, Pedro de Escobar, Nicolas Gombert, Fernão Gomes Correia, Cristóbal de Morales, Hildegard von Bingen, de autores anónimos e das Matinas do Ofício de São Geraldo de Braga, festividade anualmente celebrada a 5 de Dezembro de harmonia com o Breviário local de 1494.

‘Nossa Senhora de Paris’, de Mário de Sá-Carneiro

Mário de Sá-Carneiro [19 Mai 1890 – 26 Abr 1916]
Imagem – Les vitraux du cloître, Catedral de Notre-Dame
Música de Magister Leoninus [1150-1219], Mestre da Escola de Notre-Dame – Organum a duas vozes


Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir… Onde acoitar-me?…
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar…

Um cheiro a maresia
Vem-me refrescar,
Longínqua melodia
Toda saudosa a Mar…
Mirtos e tamarindos
Odoram a lonjura;
Resvalam sonhos lindos…
Mas o Oiro não perdura,
E a noite cresce agora a desabar catedrais…
Fico sepulto sob círios–
Escureço-me em delírios,
Mas ressurjo de Ideais…

– Os meus sentidos a escoarem-se…
Altares e velas…
Orgulho… Estrelas…
Vitrais! Vitrais!

Flores de Liz…

Manchas de cor a ogivarem-se…
As grandes naves a sagrarem-se…
– Nossa Senhora de Paris!…

Paris, 15 de Junho de 1913


Les vitraux du cloître, Catedral de Notre-Dame

Rainer Maria Rilke – dar vida à matéria

Torso arcaico de Apolo

Não sabemos como era a cabeça, que falta,
De pupilas amadurecidas, porém
O torso arde ainda como um candelabro e tem,
Só que meio apagada, a luz do olhar, que salta

E brilha. Se não fosse assim, a curva rara
Do peito não deslumbraria, nem achar
Caminho poderia um sorriso e baixar
Da anca suave ao centro onde o sexo se alteara.

Não fosse assim, seria essa estátua uma mera
Pedra, um desfigurado mármore, e nem já
Resplandecera mais como pele de fera.

Seus limites não transporia desmedida
Como uma estrela; pois ali ponto não há
Que não te mire. Força é mudares de vida.

Rainer Maria Rilke [4 Dez 1875 – 29 Dez 1926] – Tradução de Manuel Bandeira
Piero della Francesca - Resurrection, 1463Piero della Francesca [c.1415-1492] – Resurrection, 1463

 

Natal

Um anjo imaginado, 
Um anjo diabético, atual, 
Ergueu a mão e disse: — É noite de Natal, 
Paz à imaginação! 
E todo o ritual 
Que antecede o milagre habitual 
Perdeu a exaltação. 

Em vez de excelsos hinos de confiança 
No mistério divino, 
E de mirra, e de incenso e ouro 
Derramados 
No presépio vazio, 
Duas perguntas brancas, regeladas 
Como a neve que cai, 
E breve como o vento 
Que entra por uma fresta, quizilento, 
Redemoinha e sai: 

A volta da lareira 
Quantas almas se aquecem 
Fraternalmente? 
Quantas desejam que o Menino venha 
Ouvir humanamente 
O lancinante crepitar da lenha? 

“Natal”, de Miguel Torga
“Adoração dos magos” (painel da esquerda – detalhe), de Hieronymus Bosch

Evocação de Mário Cesariny [9 Agosto 1923 – 26 Novembro 2006]

Para prestar homenagem ao poeta, autor dramático, ficcionista, crítico, ensaísta, artista plástico e expoente do surrealismo português, deixo aqui um excerto do filme Autografia – Mário Cesariny que o realizador Miguel Gonçalves Mendes apresentou em 2004 no doclisboa, e um poema que Manuel António Pina [18 Novembro 1943 – 19 Outubro 2012] lhe dedicou.

Hoje soube-se uma coisa extraordinária,
que morreste. Talvez já to tenham dito,
embora o caso verdadeiramente não
te diga respeito, e seja assunto nossos, vivo.
Algo, de facto, deve ter acontecido
porque nada acontece, a não ser o costume,
amor e estrume; quanto ao resto
tudo prossegue de acordo com o Plano.
Há apenas agora um buraco aqui,
não sei onde, uma espécie de
falta de alguma coisa insolente e amável,
de qualquer modo, aliás, altamente improvável.
Depois, de gato para baixo, mortos
(lembrei-me disto de repente
agora que voltaste malevolamente a ti)
estamos todos. A gente vê-se um dia destes por Aí.

Lope de Vega – 450 anos do nascimento

Comemoram-se hoje os quatrocentos e cinquenta anos do nascimento de Lope de Vega [1562-1635].
A emissão desta semana do Musica Aeterna, dedicada ao poeta, dramaturgo, fundador da comédia espanhola e um dos mais prolíficos autores da literatura universal, inclúi, para além da leitura de vários poemas seus traduzidos pelo meu amigo José Bento, que acabou de completar oitenta primaveras, uma passagem do “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes e repertório de Alonso Mudarra, Pedro Rimonte, Francisco Guerrero, Sebastián de Vivanco, Luys de Narváez, Diego Ortiz, Tomás Luis de Victoria, Antonio de Cabezón, Rodrigo de Ceballos, Antonio Martín y Coll e de autores anónimos, todos contemporâneos de Lope de Vega na Espanha dos séculos XVI e XVII.
O link para o podcast será aqui colocado logo que seja disponibilizado pela Antena 2.
    Atada al mar Andrómeda lloraba,
los nácares abriéndose al rocío,
que en sus conchas cuajado en cristal frío,
en cándidos aljófares trocaba.
    Besaba el pie, las peñas ablandaba
humilde el mar, como pequeño río,
volviendo el sol la primavera estío,
parado en su cénit la contemplaba.
    Los cabellos al viento bullicioso,
que la cubra con ellos le rogaban,
ya que testigo fue de iguales dichas,
    y celosas de ver su cuerpo hermoso,
las nereidas su fin solicitaban,
que aún hay quien tenga envidia en las desdichas.
    Atada ao mar, Andrómeda chorava,
os nácares abrindo-se ao rocio,
que em conchas coalhado em cristal frio,
em cândidos aljófares tornava.
    Beijava o pé, as rochas abrandava
humilde o mar, como um pequeno rio;
o sol tornando a primavera estio,
parado em seu zénite a contemplava.
    Os cabelos ao vento buliçoso,
que a cobrisse com eles lhe rogavam,
já que foi testemunha de iguais ditas;
    ciosas de ver seu corpo tão formoso,
as Nereidas seu fim solicitavam,
que até há quem tenha inveja nas desditas.

A Aguadeira

Hoje deitei-me junto a uma jovem pura
como se na margem de um oceano branco,
como se no centro de uma ardente estrela
de lento espaço.
Do seu olhar largamente verde
a luz caía como uma água seca,
em transparentes e profundos círculos
de fresca força.
Seu peito como um fogo de duas chamas
ardía em duas regiões levantado,
e num duplo rio chegava a seus pés,
grandes e claros.
Um clima de ouro madrugava apenas
as diurnas longitudes do seu corpo
enchendo-o de frutas extendidas
e oculto fogo.

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Poema Angela Adonica, de Pablo Neruda.
Composição A Aguadeira,de Miguel Ângelo Lupi, séc. XIX – CMAG

Celebração da vida


Soneto del vino

¿En qué reino, en qué siglo, bajo qué silenciosa
conjunción de los astros, en qué secreto día
que el mármol no ha salvado, surgió la valerosa
y singular idea de inventar la alegría?

Con otoños de oro la inventaron. El vino
fluye rojo a lo largo de las generaciones
como el río del tiempo y en el arduo camino
nos prodiga su música, su fuego y sus leones.

En la noche del júbilo o en la jornada adversa
exalta la alegría o mitiga el espanto
y el ditirambo nuevo que este día le canto

otrora lo cantaron el árabe y el persa.
Vino, enséñame el arte de ver mi propia historia
como si ésta ya fuera ceniza en la memoria.

Jorge Luis Borges (24 Agosto 1899 – 14 Junho 1986)

Rómulo de Carvalho / António Gedeão

Na passagem do décimo quinto aniversário da morte do homem de ciência e poeta, destaco a homenagem que a Casa das Letras, dos ilustres Pedro Foyos e Maria Augusta Silva, presta à pessoa partida ao meio.

Outras ligações úteis:
Entrevista de Maria Augusta Silva em 1995
Páginas da Biblioteca Nacional  e do Instituto Camões.

«A vida nunca me seduziu. Entre o viver e o morrer
sempre preferi o morrer.
Se não tivesse nascido, ninguém daria pela minha falta.
Reconheço que estou a ser indelicado com todos aqueles
que gostam de mim, mas peço-lhes que me desculpem.» (…)
«O mundo é repugnante e a vida não tem sentido. É uma luta
permanente e feroz em que cada um busca a
satisfação dos seus interesses exactamente como outros
seres vivos, animais ou plantas, que se atacam.»

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