O Espelho de Cristina

CONCEITO
Impressa, em Portugal, no ano de 1518, a mando da Rainha D. Leonor, a obra “O Espelho de Cristina” corresponde à versão portuguesa do texto escrito, em 1405, por Cristina de Pisano sob o título original de “Livro das Três Virtudes”. Consiste numa espécie de manual educativo para o feminino, preconizando-se, deste modo, uma representação do ideal de mulher na transição da Idade Média para o Renascimento que granjeou enorme sucesso ainda em vida da autora.
Tendo por referência o título do mais famoso trabalho de de Pisano legado para as gerações posteriores, o conceito do programa pretende abordar as várias vertentes do reflexo mulíebre patente em diferentes manuscritos literários desde o medievo até ao século XX, altura em que a mulher adquire um estatuto social, político e cultural mais vincado e se assume, abertamente, como entidade criadora de pleno direito.
Longe de qualquer tipo de conotação sexista, os temas pretendem traçar o seu múltiplo perfil, exibindo tanto uma faceta divinizante como o lado mais diabólico, afinal a dualidade que transformou as descendentes de Eva na maior fonte artística inspiradora da arte ocidental de tradição judaico-cristã.
Optando por uma lógica nem sempre diacrónica, as emissões serão organizadas seguindo uma ordem que se prende com as várias etapas de uma existência – desde a infância até à velhice – considerada, à luz hodierna, nada fácil. Nesse sentido, não esquecendo escritores como William Shakespeare ou Eça de Queirós, passarão, entre outras, pelas personagens de peças do dramaturgo Gil Vicente, pela “Carta de Guia de Casados” de Francisco Manuel de Melo, pelas jovens dos contos de encantar dos irmãos Grimm e pela figura da Rainha D. Leonor, exemplo do comportamento esperado na viuvez.
Tendo em conta a imagem do feminino ter sido, durante séculos, construída sob a perspectiva, quase única, do olhar do homem, os programas serão acompanhados por uma criteriosa escolha musical, onde se privilegiarão os compositores coevos, por forma a ilustrarem a dualidade de visões que subsistiu ao longo dos tempos.
Assim sendo, cada emissão propõe ser um pedaço reflector de uma realidade artística e literária que pretende cruzar a visão masculina – historicamente dominante – com a feminina – tradicionalmente mais fraca – porquanto bastante mais inspiradora.
Ana Margarida Flor/João Chambers

Programas
| A mulher donzela |
Prog. 1 | 9 Outubro
“O Espelho de Cristina”: uma visão do feminino no dealbar do Renascimento
Música de Johannes Ciconia, Johannes Ockeghem, Guillaume de Machaut, Damião de Góis, Jacopo da Bologna, Guillaume Dufay, do “Códice Faenza” e de um autor anónimo, quase todos contemporâneos de Cristina de Pisano na Itália e na França dos séculos XIV e XV.
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Prog. 2 | 14 Outubro
Os contos maravilhosos e alguns modelos didácticos na construção da figura feminina
Música de François Couperin, Andrea Gabrieli, Marc-Antoine Charpentier, Johann Caspar Kerll, Félix Mendelssohn, Johann Nepomuk Hummel, Ludwig van Beethoven, Wolfgang Amadeus Mozart e Gioseffo Zarlino.
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Prog. 3 | 21 Outubro
“Auto de Mofina Mendes” de Gil Vicente: singularidades de uma pastora nos antípodas da Virgem Maria
Música de Gil Vicente, Juan del Encina, Juan Urrede, Garcia Alves de Toledo, Antonio de Cabezón, Juan Pérez de Gijón e de autores anónimos.
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Prog.4 | 28 Outubro
“Medida por Medida” de William Shakespeare ou um exemplo de persistência na defesa do valor da castidade
Música de William Byrd, Alfonso Ferrabosco, William Lawes, Thomas Tomkins, Christopher Tye, Thomas Ford, Robert White, Henry Lawes, John Dowland, Peter Philips e Christopher Simpson.
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Prog. 5 | 4 Novembro
Natureza no feminino: a madrugada testemunha o encontro dos amantes
Poesia de John Donne e repertório de Ricardo, “Coração de Leão”, Oswald von Wolkenstein, Giraut de Bornelh, Nuno Fernandes Torneol, Hector Berlioz, Henry Lawes e de autores anónimos.
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| A mulher casada |
Prog. 6 | 11 Novembro
“Carta de Guia de Casados” de D. Francisco Manuel de Melo: um modelo de subalternidade matrimonial
Música de Manuel Cardoso, Duarte Lobo, Diogo Dias Melgás, Tomás Luis de Victoria, Estêvão Lopes Morago, Filipe de Magalhães, Estêvão de Brito, Fernando de Almeida e Pedro de Cristo, todos contemporâneos no Portugal e na Espanha do século XVII.
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Prog. 7 | 18 Novembro
“Lady Godiva” de Alfred Tennyson: a esposa virtuosa sacrifica-se pelo seu povo
Repertório de Charles Hubert Hastings Parry e Charles Villiers Stanford, contemporâneos na Inglaterra do século XIX.
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Prog. 8 | 25 Novembro
“A Aia” de Eça de Queirós: um exemplo de sacrifício maternal
Repertório de José Viana da Mota, coevo no Portugal do século XIX.
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Prog. 9 | 2 Dezembro
Belas e Monstros: o reverso da beleza feminina
Repertório oriundo da antiga Grécia do poeta lírico Anacreonte e de Jacques Duphly, Heinrich Ignaz Franz von Biber, Hildegard von Bingen, Pedro de Escobar, Johann Sebastian Bach, Matthew Locke, Cristóbal de Morales, Jaikes de Cambrai, Jacques Arcadelt e John Dowland.
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Prog. 10 | 9 Dezembro
Não há bela sem senão: a mulher adúltera em “O Primo Basílio”, “Os Maias” e “No moinho” de Eça de Queirós
Música de Gaetano Donizetti e Johann Strauss, mencionados em “Uma Campanha Alegre”, e de José Viana da Mota, contemporâneo no Portugal do século XIX.
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| A mulher idosa |
Prog. 11 | 16 Dezembro
“A Feira de S. Bartolomeu” de Ben Jonson e o “Auto da Feira” de Gil Vicente: mercados de luxúria e virtude
Repertório de Joan Cererols, William Byrd, Pedro de Escobar, Orlando Gibbons, Juan Urrede, John Coprario, Diego Ortiz e de autores anónimos.
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Prog. 12 | 23 Dezembro
“O Auto de Sibila Cassandra” de Gil Vicente: espelho do modelo vidual da Rainha D. Leonor 
Música de Miguel da Fonseca, António de Cabezón, Fernão Gomes Correia, Damião de Góis, Pedro de Escobar e de um autor anónimo.
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Prog. 13 | 30 Dezembro
A “máquina” ou a substituição da mulher em dois textos de Álvaro de Campos
Repertório de João Arroyo, Júlio Neuparth, Alfredo Keil, Pedro Blanco e Artur Napoleão.
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