História – Regicídio de 1908
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Regicídio: Cerimónia dos cem anos da morte do Rei D. Carlos envolta em polémica
01.02.2008 – 19h07 PUBLICO.PT, com LusaCem anos depois do assassinato do Rei D. Carlos e do príncipe Luís Filipe, a 1 de Fevereiro de 1908, cerca de 500 pessoas juntaram-se hoje no Terreiro do Paço, em Lisboa, local da morte dos dois monarcas. Contudo, a polémica homenagem, que não contou com a presença do Exército, levou Duarte Pio, Duque de Bragança, a classificar o deputado do BE Fernando Rosas como um “talibã-carbonário”.Apesar de inicialmente ter sido anunciada a participação das forças militares, o ministro da Defesa, Nuno Severiano Teixeira, não autorizou a sua presença. No entanto, o titular da pasta diz que apenas procurou distinguir a participação das Forças Armadas em manifestações de natureza institucional das que possam ter alguma leitura de carácter político.
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Manifestando compreensão pela posição do ministro da Defesa, que quis evitar “polémicas em torno das Forças Armadas”, Duarte Pio disse que foi um “equívoco” e atribuiu a polémica a um deputado [Fernando Rosas, do Bloco de Esquerda] que levantou a questão na Comissão Parlamentar de Defesa, classificando-o como “talibã-carbonário” (organização alegadamente envolvida na morte do monarca).Apesar das divergências, entre bandeiras monárquicas azuis e brancas, o toque de silêncio foi dado por três trompetistas do Batalhão de Sapadores de Bombeiros de Lisboa e, depois de um minuto de silêncio, o padre José Quintela referiu-se a D. Carlos como “um rei nobre e valente” que foi morto por “balas de ódio, cegueira, injustiça e ressentimento”.Na cerimónia, onde a população gritou várias vezes “Viva o Rei!”, esteve também presente Duarte Pio, que considerou a evocação da morte de D. Carlos “um acto de justiça e de reconciliação do povo português com a sua História”. Em declarações recentes, o chefe da Casa Real Portuguesa disse ainda que se tem de “encarar a História como um passado de todos nós e evitar que sejam precisas revoluções para evoluir”.Casa Real pediu Dia de Luto NacionalA Casa Real chegou mesmo a pedir que fosse declarado Dia de Luto Nacional e reuniu mais de quatro mil assinaturas para que o Parlamento o decretasse, mas o acto acabou por ficar no papel.Na quinta-feira, cerca de vinte pessoas prestaram homenagem aos dois executores do regicídio no cemitério do Alto de São João, em Lisboa, que morreram também a 1 de Fevereiro. A iniciativa partiu da Associação Promotora do Livre Pensamento.D. Carlos e o seu filho primogénito foram assassinados há precisamente cem anos quando regressavam de uma estada em Vila Viçosa. Os atentados foram executados por Manuel Buiça e Alfredo Costa, a quem são atribuídas ligações ao movimento secreto Carbonária.A morte do rei, o primeiro do século XX e o penúltimo da monarquia portuguesa, foi visto como o derradeiro acontecimento para o derrube do regime monárquico, e a instauração da República, que acabou por acontecer dois anos depois, a 5 de Outubro de 1910.Hoje, em Cascais, o Presidente da República, Cavaco Silva, que inaugurou uma estátua de D. Carlos, da autoria do escultor Luís Valadares, caracterizou o Rei como alguém que foi “mais do que um homem culto, um praticante empenhado da arte e da ciência. Foi um rei, um sábio, mas também um fazedor”. Às 21h30, a Cinemateca exibirá um filme mudo, anónimo, que regista os funerais régios a 8 de Fevereiro de 1908, no começo de um ciclo intitulado “Regicídios”.
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“O regicídio não era o projecto dos republicanos”
O que sente no dia 1 de Fevereiro?Sempre vi esta data como uma data trágica para Portugal e para os portugueses. O Rei D. Carlos era um homem que estava a prestar um grande serviço a Portugal, um excelente Chefe do Estado. Além disso, um bom homem. O Príncipe Luís Filipe era um miúdo de 18 anos que já tinha dado a volta aos territórios ultramarinos portugueses. Ainda hoje em Angola, em Moçambique e em Goa fala-se na visita dele e há chefes tribais e de reinos que têm as medalhas de prata de D. Luís Filipe como símbolo de soberania.O regicídio acaba por ser trágico para a causa monárquica, porque o reinado de D. Manuel II é curto.O regicídio não era o projecto dos republicanos. Foi um acidente porque muitos líderes revolucionários estavam presos e de repente a carbonária ficou à solta. Esses terroristas radicais decidiram que o melhor era acabar logo com a família real toda.Um plano pacífico? Havia aquela propaganda toda…A propaganda contra o Rei e a família real era muito violenta, com muita calúnia e difamação. Estou convencido que se os regicidas tivessem conhecido o Rei não o tinham morto. Só o conheciam pela propaganda. Em 1910, quando tinham sido marcadas eleições e o Partido Republicano percebeu que não teria mais de 7% ou 8% dos votos, então aí precipitou a revolução, com a cena do navio a bombardear Lisboa e os galegos a serem contratados para fazer uma manifestação na Rotunda, como diz o Raul Rego. Que é insuspeito…O Raul Rego até agradeceu à Galiza porque os galegos é que fizeram a manifestação e a revolução da República. E havia dinheiro espanhol metido na revolução do 5 de Outubro.Dos republicanos espanhóis.Sim, queriam fazer a Federação das Repúblicas Ibéricas. Um livro do Jorge Morais conta isso. De resto, a coisa pior é a bandeira. A bandeira da República é o símbolo da União Ibérica: o vermelho representa Espanha e o verde representa Portugal, por isso o vermelho é maior que o verde. Mas a primeira bandeira que a carbonária exigiu era um rectângulo vermelho com um losango verde lá dentro Portugal integrado na Espanha. A comissão oficial que propôs a bandeira – e foi a bandeira que ficou em 1910 – ainda era a bandeira azul e branca sem coroa. A nossa Constituição diz que a bandeira da República é a bandeira escolhida em 1910. Portanto, é a bandeira azul e branca. A verde e vermelha só foi adoptada em 1911. Quase todos os países europeus preservaram as cores das bandeiras quando passaram a ser repúblicas. Por outro lado, e isso é simpático para mim, somos a única república que mantém as armas da casa real na bandeira…Gostava de contar com o actual Chefe do Estado em alguma cerimónia dos 100 anos do regicídio?O Presidente da República foi convidado para a missa por alma do Rei D. Carlos e provavelmente vai fazer-se representar. Do ponto de vista simbólico, e muito digno, há a inauguração da estatátua de D. Carlos em Cascais. Sabe, uma boa parte dos membros da Comissão D. Carlos 100 anos, é assumidamente republicana…Há a vontade de contar outra história? É por isso que fala num acto de Justiça perante D. Carlos?O nosso País tem que reconciliar-se com a sua História. Não é possível continuar hoje a ensinar-se coisas completamente erradas sobre o Rei D. Carlos, quase que a justificar que o assassinato dele foi político. Vai haver uma homenagem ao Buíça e ao Costa, o que acho muito perigoso porque está-se a dizer à geração actual e aos mais jovens que matar um Chefe do Estado, porque não se gosta dele, é legítimo e até merece uma homenagem. Já foi o Aquilo Ribeiro para o Panteão, não tanto por ser um escritor (porque há outros melhores que não estão no Panteão).Acha que o Estado não se deve envolver nessas homenagens, como no caso de Aquilino?É muito perigoso, porque passa-se uma mensagem errada.No outro dia ouvi-o dizer que acha as revoluções nocivas para o desenvolvimento do País e até fez comparações. Portugal estaria mais desenvolvido sem o 5 de Outubro?Na Europa, os países que mais se desenvolveram foram os que não tiveram revoluções e, de entre eles, todas as monarquias e a Suíça, uma república “medieval”. Há a excepção, a Alemanha, que não serve de comparação.Para si, o dia 1 de Fevereiro quebrou um ciclo que podia levar o País a um nível de desenvolvimento superior?Comparando com os outros países europeus na época, éramos um país de desenvolvimento médio. Comparando hoje, somos um país dos últimos lugares da Europa. Hoje estaríamos a meio da tabela europeia ou acima. Porque, com a monarquia, a descolonização não teria sido feita como foi, teria havido a formação de uma Commonwealth portuguesa, de uma União Lusófona, um Reino Unido, não teria havido a revolução de 1926, que levou à segunda república, e não teria sido preciso o 25 de Abril que atrasou a economia portuguesa de uma maneira gravíssima. As três revoluções que a República nos trouxe foram altamente negativas para o País. A primeira e a última são celebradas com um feriado nacional, não faz sentido. Ao celebrarmos as revoluções, estamos a dizer que na próxima crise venha um militar que tome conta disto. É o caminho errado. Devíamos era insistir que no respeito pelas instituições democráticas. A nossa Constituição devia dizer que é inalterável a forma democrática de governo. Não diz isso, diz que é inalterável a forma republicana de governo.Já se solidarizou com a petição que defende que 1 de Fevereiro seja considerado dia de luto nacional?Neste momento o que deve ter ênfase são os aspectos positivos do reinado de D. Carlos. Mas justificava-se que este ano o dia fosse de luto, mas sem feriado nem nada, com bandeiras a meia haste. Prestava-se homenagem ao único Chefe do Estado que foi assassinado por portugueses. Também houve o Sidónio Pais, com um mandato curto que não se pode comparar…
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Alfredo Costa, o operacional
“Alto, desengonçado de corpo, duma fisionomia séria, quase triste“. Alfredo Luís da Costa foi um dos assassinos do rei.
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Manuel Buíça, o atirador
A sua pontaria ganhou fama após ter morto o rei D. Carlos com um tiro certeira na nuca.
Manuel dos Reis da Silva Buíça, filho do abade de Vinhais, nasceu em Bouçais (concelho de Valpaços) a 24/11/1883. Chegou a fazer o serviço militar, como sargento, e foi instrutor na carreira de tiro de Bragança. A sua pontaria ganhou fama – tudo indica ter sido da carabina Winchester que usou no Terreiro do Paço que partiram os dois tiros fatais para D. Carlos e D. Luís Filipe, na tarde de 1 de Fevereiro de 1908. Dele temos a descrição feita por Aquilino Ribeiro em “Um Escritor Confessa-se”. Este escritor foi dos que mais informação deixou sobre os regicidas, até porque os conheceu, tendo sido compadre de Buíça: “De corpo era de estatura meã, rosto fino, tez branca a que dava realce a barba preta, em tons de fogo (…) as linhas fisionómicas duma delicadeza que, fora das mulheres, desagrada. A aparência, toda ela de franzino, mascarava-lhe inteiramente o génio assomadiço e a coragem (…) Só os olhos, muito imóveis e azuis, mas sem crueza, traíam nele o ânimo expedito e a índole, que além de resoluta, era exaltada. (…) Galante, franco, liberal, corajoso, blasonador, incoerente muitas vezes, parlapatão mais de uma, sem equilíbrio na vida, sem disciplina moral”. Esta última descrição contrasta com a imagem que deixou como professor no Colégio Nacional, uma escola privada, do ensino primário que chegara a pertencer aos jesuítas e na altura era propriedade da família Ary dos Santos (Almada Negreiros terá sido o seu aluno mais famoso, chegando a elogiar as qualidades do mestre). Diversos actos seus na preparação do regicídio – para além da participação fundamental que teve – contradizem outra apreciação de Aquilino, segundo o qual Buíça era republicano, “menos por convicção profunda que por ‘flanerie’ de espírito”. Era assíduo frequentador do Café Gelo, no Rossio de Lisboa, ponto de encontro de revolucionários e conspiradores (décadas mais tarde, viria a sê-lo dos surrealistas). Bebia ali o seu cálice de conhaque, rodeado de amigos e conhecidos. Tinha a perfeita convicção de que ia morrer no atentado que se preparava. Tanto, que, a 28 de Janeiro de 1908 (data do abortado levantamento republicano em Lisboa que ficou conhecido como Conspiração do Elevador) redigiu um testamento: “Minha família vive em Vinhais para onde se deve participar a minha morte ou o meu desaparecimento caso se dêem. Meus filhos ficam pobríssimos; não tenho nada que lhes legar senão o meu nome (…). Peço que os eduquem nos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade que eu comungo e por causa dos quais ficarão, porventura, em breve, órfãos”. Viúvo e pai de duas crianças, Buíça tinha uma amante, Maria, a quem escreve, à mesa do Café Gelo, uma última carta, a alvitrar uma iminente morte. Será aí que, no próprio dia 1, almoçará com Alfredo Costa. Ambos comerão omeletas e beberão cerveja. Do café descerão para o Terreiro do Paço. Um informador da polícia desconfia daqueles homens e pergunta ao Buíça ao que vai. Resposta: “O mesmo que o amigo faz, desejo ver passar o nosso rei e saudá-lo como ele merece”.
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D. Carlos, o mal-amado
D. Carlos foi amado e odiado, quase com a mesma paixão. A maior parte dos políticos viam-no como um homem distante, imune às lisonjas do poder. Para outros, não passava de um “bon vivant“, delapidando em caçadas e banquetes o erário público.
Margarida Magalhães RamalhoFilho primogénito do rei D. Luís I e da rainha D. Maria Pia de Sabóia, D. Carlos nasceu no palácio da Ajuda, a 28 de Setembro de 1863. Sobre este acontecimento escreveu Rodrigues Sampaio no “Revolução de Setembro”: “É muito o regozijo de uma família, o contentamento dos paes, a alegria dos parentes mas, é mais ainda, a fiança da paz, a tranquilidade do futuro de um povo, o hino no meio das tormentas, fechado o abismo da monarquia, mortas as ambições. Não nasceu só um Príncipe mas a segurança da paz. Desaparece a incerteza, o receio o terror; renasce a confiança.”. Para o ilustre defensor do liberalismo, o novo príncipe era, então, a esperança no futuro e o garante contra as pretensões absolutistas de D. Miguel, que, com algum apoio em Portugal, continuava a reivindicar a coroa. 44 anos mais tarde, já rei, “estava pronto para o matadouro” como ridicularizou Leal da Câmara numa capa da revista humorística francesa “l’Assiette au Beurre“. Educado nos cânones do constitucionalismo, D. Carlos manter-se-á fiel a estes princípios, apesar da a turbulência que marcou o seu reinado. Em 1883, assume, pela primeira vez, a regência do reino, durante uma visita dos pais a Madrid. Em Maio de 1886 casa com a princesa Amélia de Orleães, filha do conde de Paris, chefe da casa real francesa. No ano seguinte nasce o primeiro filho, o príncipe Luís Filipe. Um ano mais tarde, em Vila Viçosa nasce, prematuramente, a segunda filha do casal, a princesa Maria Ana, que viverá, apenas, duas horas. Em Novembro de 1889, nasce o príncipe D. Manuel que virá a ser o último monarca português.Com a morte de D. Luís, a 19 de Outubro desse ano, D. Carlos é aclamado rei, num ambiente de grandes esperanças. Contudo, pouco dias depois, o país é varrido pelo terramoto político-diplomático do Ultimato Inglês. O rei e a própria monarquia são associados à cedência aos britânicos, quando, na verdade, o ultimato resultara de anos de fuga para a frente da diplomacia portuguesa. Um ano depois, a 31 de Janeiro, na cidade do Porto, dá-se o primeiro ensaio de implantação da república pela força das armas. Apesar de sufocada, esta revolta dava o mote para o resto do reinado. Bode expiatório de um sistema político inoperante e corrupto, a monarquia é contestada até ao limite. Pela primeira vez na história portuguesa, as figuras do rei e da família real são ridicularizadas na imprensa, em panfletos, livros e caricaturas. Levada ao rubro por discursos inflamados e uma campanha orquestrada de boatos, a população das cidades começa a ver na monarquia a fonte de todos os males. Mesmo assim, o rei vai levar a cabo algumas reformas, consolidar a soberania sobre os territórios africanos e estreitar ligações diplomáticas com os principais Estados europeus. Em 1907, o debate parlamentar torna-se impossível, com desacatos quase sempre instigados pelos republicanos. Dissolve o parlamento e autoriza João Franco a governar temporariamente por decreto. É a “ditadura” franquista. São impostas restrições à liberdade de imprensa. A 28 de Janeiro de 1908, em Lisboa, nova tentativa republicana falhada leva à prisão ou fuga de alguns dos mais populares tribunos, bem como de monárquicos dissidentes. Um decreto, assinado pelo rei dois dias depois, permitia expulsar do reino os implicados no golpe levou os ânimos dos círculos oposicionistas ao rubro. Um comando de elementos da Carbonária, sociedade radical secreta, mata o monarca e opríncipe herdeiro, a 1 de Fevereiro no Terreiro do Paço. Nesse dia, o país perdeu, também, um pintor de qualidade, um fotógrafo e um homem de ciência. D. Carlos foi amado e odiado, quase com a mesma paixão. A maior parte dos políticos viam-no como um homem distante, que parecia, desprezá-los e ser imune às lisonjas do poder. Para outros, não passava de um “bon vivant”, delapidando em caçadas e banquetes o erário público. Os seus admiradores retratavam-no como um homem afável e humano para com os mais humildes, referindo episódios como este: tendo estado a trabalhar até tarde, tirou as botas e foi descalço para o quarto, para não acordar o criado, adormecido na cadeira.
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Aquilino, a banda e outras polémicas
Enquanto alguns monárquicos chamam assassino a Aquilino, há quem faça romagens aos túmulos dos regicidas. O Exército afasta-se da efeméride.
Mário RobaloNo seu diário de 21 de Maio de 1908, escrito três meses depois do assassinato de seu pai, D. Carlos, e de D. Luís Filipe, seu irmão, D. Manuel II nunca responsabiliza, directa ou indirectamente, Aquilino Ribeiro por aquele “horroroso atentado”. O nome do escritor nunca surge entre os diversos conspiradores, republicanos e monárquicos dissidentes, citados nas “notas absolutamente íntimas” do último monarca português. Mas hoje, um século depois, a Aliança Internacional Monárquica Portuguesa – promotora de um conjunto de iniciativas no centenário do regicídio – sustenta a acusação de regicida ao escritor. Esta colagem de Aquilino ao regicídio já fora intentada por movimentos monárquicos logo após a aprovação pela Assembleia da República da sua trasladação para o Panteão Nacional, em Setembro de 2007. Numa petição enviada ao presidente da Assembleia da República, solicitava-se a Jaime Gama que deveria atender ao facto “historicamente provado” de Aquilino Ribeiro “ter participado na conspiração para o assassinato do Chefe de Estado de Portugal”. Um dos subscritores, Mendo Castro Henriques, acaba de publicar “Dossier Regicídio – o processo desaparecido”, no qual volta a incriminar, sem provas documentais, o autorde “Quando os lobos uivam” como um dos autores do assassínio de D. Carlos e do príncipe herdeiro… Aquilino, de facto, havia sido detido a 17 de Novembro de 1907, por envolvimento no movimento revolucionário, em consequência de um rebentamento de engenhos de fabrico artesanal na sua casa em Lisboa, na Rua do Carrião – episódio que ele descreve em pormenor no seu livro “Um escritor confessa-se”, publicado postumamente em 1974 pela Bertrand que agora o reedita em Fevereiro. É, aliás, naquele livro autobiográfico que Aquilino assume a sua simpatia pela causa republicana que o leva a evadir-se da prisão e a esconder-se na Rua Nova do Almada, não longe do Terreiro do Paço, e onde se encontrava no dia do regicídio. Naquele livro autobiográfico, Aquilino revela a conversa que tivera, no próprio 1 de Fevereiro, com Alfredo da Costa (companheiro de Manuel Buíça na acção armada contra o rei), na qual lhe o militante anarquista lhe dá conta que havia mobilizado um conjunto de cinco homens para aniquilar João Franco, o presidente do Governo… e não o rei. Mas o escritor “guardava um pouco de cepticismo sobre aquele empreendimento”. E quando, horas depois de ver pela vidraça do quarto clandestino multiplicarem-se “golfadas de gente” pelas ruas, lhe entra porta um redactor do “Vanguarda”, Tavares de Melo, a anunciar: “Mataram o rei e não se sabe quem mais da família real”, Aquilino respondeu: “Mataram o rei? Que grande desacerto!”. Henrique Almeida, director dos “Cadernos Aquilinianos”, do Centro de Estudos Aquilino Ribeiro, em Viseu, reconhece que o escritor não se furtou a denunciar “as fragilidades e abusos do poder régio”, desde que se começou a integrar, aos 22 anos, “na ala mais revolucionária do partido republicano”. Por outro lado este investigador da Universidade Católica não menospreza os argumentos monárquicos que também fundamentam as acusações no romance “Lápides partidas” (Bertrand Editora), considerado um texto autobiográfico. Nele também se relata o atentado contra D. Carlos. E é o facto de a figura de Libório Barradas, a quem se atribui representar Aquilino, afirmar: “…eu ajudei a matar o rei…” que leva Mendo Castro Henriques e os monárquicos a sustentarem que Aquilino foi um dos que atirou contra D. Carlos e a indignarem-se com a sua presença no Panteão Nacional. Henrique Almeida, porém, refere que há que ter em conta o “registo ficcional” daquele texto, e comenta: “Os que pretendem implicar Aquilino no regicídio teriam de associar a esse acto umas largas dezenas de conspiradores que comungavam da disposição de derrubar o regime monárquico”. Versão integral do artigo publicado na edição do Expresso de 2 de Fevereiro de 2008, 1º caderno, página 24.
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D. Luís Filipe, a promessa
Sentado no landau à frente de seu pai, viu-o ser atingido mortalmente, pelas costas. Por breves momentos, D. Luís Filipe foi rei de Portugal.
O príncipe D. Luís Filipe nasceu no palácio de Belém, a 21 de Março de 1887. Foi o primeiro filho de D. Carlos e D. Amélia, que eram, então, duque e a duquesa de Bragança. Como príncipe real, a sua educação (bem como a de seu irmão, D. Manuel, embora com outra intensidade) foi muito cuidada. Como se pode ler na revista “Brasil-Portugal”, a vida de príncipe não era, propriamente, fácil: “Levantam-se às 6 horas, trabalham até ao meio-dia, almoçam e pouco depois trabalham com os professores até às 3 horas, saem em passeio, preferindo os passeios a pé pelos campos, até às 51/2 da tarde, regressam ao paço a esta hora e trabalham nas lições até às 7 e meia, hora a que jantam”. Assim, entre um apertado plano de estudos, obrigações sociais e alguns desportos próprios de um aristocrata (tiro, equitação, lawn tennis, etc), foi correndo a adolescência de D. Luís Filipe. A 20 de Maio de 1901, um mês depois de ter completado 14 anos, prestou juramento à constituição, tornando-se o legítimo e presuntivo herdeiro da coroa. Em 1903 parte em viagem com a mãe e o irmão a bordo do iate Amélia para um cruzeiro pelo Mediterrâneo. Visitaram diversos países do sul da Europa e do norte de África, Egipto incluído. D. Luís Filipe, que à semelhança do pai, era um entusiasta da fotografia, aproveitou o périplo para tirar numerosos clichés. Três anos mais tarde, tal como estipulado na Carta Constitucional, toma posse no Conselho de Estado. Pouco tempo depois, preside a uma cerimónia organizada pelo governo de João franco que tinha como objectivo o enaltecimento das escolas. Nesse dia o presidente do conselho exorta-o: “Que vossa Alteza escolha, para objecto do seu particular interesse, o ensino e a educação do seu país porque nele está o futuro de Portugal e toda a razão teem aqueles que dizem que as nações valem, hoje em dia, o que valer a instrução dada aos seus filhos”.Em 1907, D. Luís Filipe protagonizou uma importante acção diplomática, cujo objectivo era reforçar a posição portuguesa em África. Seguindo uma ideia da rainha D. Amélia, visitou oficialmente, entre 1 de Julho e 27 de Setembro, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Cabo Verde, bem como as colónias britânicas Rodésia e África do Sul. Era a primeira vez que um membro da família real visitava as colónias. Uma viagem que reforçou a autoridade portuguesa naqueles territórios, ajudando a desfazer a má imagem deixada por uma campanha de produtores de cacau britânicos que acusavam os portugueses de esclavagistas. Independentemente de os métodos coloniais portugueses da época não serem dos mais humanos (coisa que os métodos ingleses também não eram), o verdadeiro objectivo desta campanha era tirar fama ao cacau de São Tomé que inundava os mercados internacionais e retirava espaço à produção britânica de cacau. No dia 1 de Fevereiro de 1908, D. Luís Filipe será, por alguns minutos, rei de Portugal. Sentado no landau à frente de seu pai, viu-o ser atingido mortalmente, pelas costas, pela carabina disparada por Buíça. Quando Alfredo Costa se pendura no estribo da carruagem para balear o rei já morto, D. Luís Filipe levanta-se e atinge-o com o seu revólver. De pé, tornou-se um alvo fácil para Buiça que, a 10 metros, fez novamente fogo e lhe acertou no rosto. Alguns minutos depois, já à chegada ao Arsenal da Marinha, não resistirá aos ferimentos.
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A sociedade portuguesa responsável pelo atentado à família real
Mitos carbonários
Das origens antigas da Carbonária até aos valores da sociedade secreta que esteve por detrás do regicídio.
José Gabriel ViegasPoucas organizações políticas, secretas ou não, terão sido tão ricas em fantasmas e mitos. Apesar da notoriedade de que gozou no Ocidente, ao longo de todo o século XIX e, mesmo, até aos nossos dias, as suas verdadeiras origens, estruturas e objectivos permanecem envoltos numa vasta nebulosa de suposições e contradições. E, se se conhece bem a gestação e métodos da Carbonária Portuguesa de Luz de Almeida, responsável pelo regicídio de 2007, o mesmo não sucede quanto à história da sociedade a que foi buscar o nome. Vilipendiados por uns, exaltados por outros, os “carbonari” ficaram na história como os grandes protagonistas da epopeia dos nacionalismos republicanos da Europa do Sul e da América Latina. Na realidade, essa fama é sobretudo criada pelos “restauracionistas”, na ressaca da Revolução Francesa e da aventura napoleónica, que classificam com uma etiqueta única a imensa nebulosa das sociedades secretas revolucionárias que vão agitar todo século XIX.Por outro lado, é também importante notar que só recentemente metodologias históricas são de facto aplicadas nos estudos sobre este tipo de sociedades secretas, até agora vistas sobretudo à luz de textos apologéticos ou da propaganda adversa.Foram atribuídas à Carbonária múltiplas origens míticas, algumas das quais ainda hoje são aceites como boas, indo dos “carbonari” do século XIII (os Guelfos, que defendiam o poder pontifical contra os Gibelinos, partidários do Império), até aos Druidas celtas e a Salomão. Outras teses fazem-na descender das sociedades dos “Bons Cousins Charbonniers”, lenhadores e “carvoeiros” franceses, das florestas do Jura e da Franche-Comté, organizados à semelhança de muitas outras guildas e confrarias de ofícios medievais e que tinham como padroeiro S. Teobaldo. Mas essas sociedades são muito anteriores ao fenómeno político do “carbonarismo” italiano ou francês de novecentos.Embora muitos autores considerem que a Carbonária tinha as suas origens remotas em Itália, de onde teria passado a França e Espanha, mais tarde a Portugal, parece mais credível a tese de que se trata de uma criação política, em 1808, de Felippo de Buonarroti – admirador da República das Virtudes de Robespierre, exilado de França depois de ter participado na tentativa da chamada Revolução dos Iguais, contra o Directório.Os primeiros carbonários teriam sido, assim, sobretudo antibonapartistas, na sua maioria italianos, que se opunham a Joachim Murat, imposto como rei de Nápoles por Napoleão. Inicialmente dominado por militares, incluindo oficiais de altas patentes, o movimento estende-se rapidamente a outras regiões de Itália, designadamente aos Estados Pontíficos, onde se implanta com sucesso. É de referir o caracter assumidamente cristão desse carbonarismo, com rituais muito sumariamente adaptados dos rituais maçónicos – em que, por exemplo, o termo “iniciação” é substituído por “baptismo”, o de “profano” por “pagão”, em que abundam os símbolos crísticos, como a coroa de espinhos e em que os “trabalhos” são conduzidos sob os auspícios de S. Teobaldo e à glória de Jesus Cristo.Esse carácter crístico é, aliás, salientado num documento atribuído a Joseph Briot, um dos fundadores da Carbonária italiana: “É impossível que em Itália as inclinações religiosas permaneçam inteiramente estranhas a uma instituição tal como a Carbonária. A descrença foi muitas vezes associada ao amor pela liberdade e ao ódio à opressão. Os Carbonários, ao contrário, mostram uma fé sincera na religião de Jesus, a que se encontra no Evangelho, liberta de todos os elementos estranhos que os teólogos têm introduzido em dezoito séculos”. É assim que vários autores encontram nas primeiras Carbonárias sinais dos diversos fundamentalismos medievais cristãos, associados a uma proposta política baseada no regresso aos valores essenciais do cristianismo primitivo – pondo em causa os retrocessos sociais do restauracionismo, assim como os faustos do Vaticano. Esse carácter cristão ir-se-á progressivamente esbatendo ao longo do século XIX na maioria da sociedades secretas ditas carbonárias, passando para certas formas de panteísmo nalguns casos, aceitando o agnosticismo e privilegiando cada vez mais a acção política radical – mas mantendo sempre, curiosamente, a simbologia crística introduzida por Buonarrotti de par e variando, segundo os casos, com enxertos da maçonaria dita “egípcia” de Cagliostro, alguns elementos de neo-pitagorismo e, mais tarde, de influências teosóficas.Grosso modo, esta foi a tendência observada em Portugal, onde a Carbonária Lusitana do General Joaquim Pereira Marinho, fundada em Coimbra em1842 (ou 1848), na linha dos “carbonari” italianos e sob a influência ideológica de Mazzini, “assume uma visão religiosa do mundo e da vida”, como salienta historiadora Maria Manuela Tavares Ribeiro. E que subsistirá ainda, 60 anos mais tarde, na Carbonária Portuguesa de Luz de Almeida e Machado Santos, com a exaltação do sacrifício e de uma certa forma de martírio pessoal, inclusive até à morte.Versão integral do artigo publicado na edição do Expresso de 2 de Fevereiro de 2008, Actual, página 18.
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Manifestações contra e a favor
A memória dividida
Enquanto o país cultural continua a evocar e a debater o atentado de há cem anos, monárquicos e republicanos recordam as respectivas visões dos acontecimentos.
Nair AlexandraO Regicídio continua a ser tema de acontecimentos em todo o país. Esta visão recente da História portuguesa é evocada hoje, dia exacto em que passa um século sobre o atentado do Terreiro do Paço. Na Hemeroteca Municipal de Lisboa decorre uma mostra documental e bibliográfica intitulada “O Regicídio na Imprensa da Época”, organizada a partir da colecção da instituição, e que o público pode visitar até 29 de Fevereiro.Nesta casa está também previsto um ciclo de conferências, semanal, a decorrer durante todo este mês. A primeira será no próximo dia 7, pelo especialista em História Contemporânea Eduardo Teixeira, com o título “O Regicídio de 1908, Impacto nos Jornais Portugueses”. Entretanto, a Hemeroteca já disponibilizou na Internet conteúdos informativos e documentos relacionados com o tema e a sua época.Ainda na capital, a Cinemateca dedica um ciclo ao tema durante o mês de Fevereiro. Na primeira sessão, hoje, 1, às 21 e 30, o prato-forte será um pequeno registo fílmico, anónimo, dos funerais de D. Carlos e de D. Luís Filipe. “Nicolau e Alexandra”, de Franklin J. Schaffner, “Maria Stuart, Rainha da Escócia”, de John Ford, “A Inglesa e o Duque“, de Eric Rohmer, “Frei Luís de Sousa” e “O Primo Basílio”, de António Lopes Ribeiro, “Marie Antoinette”, de Sofia Coppola, “La Marsellaise”, de Jean Renoir e “Júlio César”, de Joseph L. Mankiewicz, são alguns dos filmes deste ciclo intitulado “Regicídios”.Também Coimbra recorda o acontecimento: hoje, 1, e amanhã, sábado, no salão nobre da Câmara de Coimbra decorre o colóquio “O Rei D. Carlos e o Regicídio”, promovido pela Associação Cultural Alternativa. Além do seu presidente, o historiador Carvalho Homem, participam Miguel Pignatelli Queiroz, ex-presidente do directório nacional do Partido PopularMonárquico e António Reis, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano.Um pouco mais a norte, em Aveiro, uma exposição da imprensa local da época e outra, “D. Carlos, o Rei que Amava o Mar”, abrem as portas entre 1 e 10 de Fevereiro, no Museu da Cidade de Aveiro. Apresentações às escolas do 1º ciclo incluem-se nas actividades da Cidade da Ria.As homenagens ao rei e príncipe mortos a 1 de Fevereiro multiplicam-se, entre grupos monárquicos e associações que incluem elementos de tendências diferentes, como já foi referido no Expresso (26/1/08). Assim a Comissão D. Carlos 100 Anos tem um rol de actividades previstas para todo o ano de 2008. Mas também há homenagens aos regicidas Alfredo Costa e Manuel Buíça, hoje, dia 1: uma delas é promovida pela Associação Operária Natural, com uma concentração no Arco da Rua Augusta, às 18 horas. Para a mesma hora e local também houve um apelo à concentração, no sítio do movimento “Não Apaguem a Memória” – o que provocou mal-estar entre alguns membros daquele movimento.
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D. Carlos e a sua época
Sofia Miguel Rosa D. Carlos viveu 44 anos. Durante a sua vida foram assassinados dois presidentes dos EUA, um francês, as rainhas da Sérvia e da Coreia, um imperador russo e uma imperatriz austríaca, dois reis da Sérvia e o xá da Pérsia. Durante os 21 anos do seu reinado enfrentou um ultimato britânico, duas revoltas republicanas, insurreições nativas em África e deu posse a dez governos. Tudo isto num cenário de endividamento do Estado. A crise política é omnipresente.
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Factos históricos
Perguntas & Respostas
As respostas a todas as perguntas sobre o dia do regicídio.
D. Carlos tinha segurança pessoal?Não. Tal conceito não existia na época e o rei não tinha guarda-costas. Por vezes saía informalmente, apenas acompanhado por um ajudante-de-campo.Por que optou por uma carruagem aberta?Porque não queria mostrar medo e pretendia dar a ideia de a situação estar controlada. De automóvel, mesmo bons atiradores como Buíça não teriam pontos de referência para fazer pontaria, a madeira grossa travaria os projécteis e a velocidade dificultaria a precisão do tiro.Quantos atiradores intervieram?Os dois, cujo nome a história reteve (Buíça e Costa), integravam um comando que, segundo o historiador Sanches Baena, teria cinco a oito elementos. A função destes, armados de pistolas e, eventualmente, de outra carabina, seria lançar a confusão, fazendo fogo, escalonados dos dois lados da carruagem, de forma a desviar as atenções das forças de segurança e, sem prejuízo disto, atingir eventualmente algum membro da família real. Há marcas altas de balas na 13º coluna das arcadas do Terreiro do Paço (a contar da esquina com a Rua do Arsenal) que sugerem disparos a partir da placa central da praça feitos, pelo menos, por um atacante. A porta esquerda da carruagem conserva dois buracos de bala de revólver de pequeno calibre (diferente da pistola automática usada por Costa). Logo, isto indicia pelo menos mais um atirador do lado da arcada. Anos mais tarde, o operário José Maria Nunes confessou a Aquilino Ribeiro ter sido o terceiro regicida e acompanhou o escritor ao Terreiro do Paço para uma reconstituição.D. Carlos estava armado. Por que não reagiu?Logo ao primeiro tiro da carabina de Buíça terá sido atingido mortalmente na nuca.E os príncipes e a rainha?O revólver de D. Luís Filipe foi encontrado na carruagem, só com duas balas no tambor. O filho mais velho de D. Carlos ter-se-á levantado e trocado tiros com Costa, que saltara para o estribo esquerdo, tendo-o, provavelmente, atingido e feito cair da carruagem, sendo nessa altura um alvo perfeito para a carabina de Buíça que terá atingido o príncipe na cabeça. Depois disso, já ao virar para a Rua do Arsenal, D. Manuel foi ferido sem gravidade num braço, não se sabe por quem. D. Amelia não foi ferida e terá brandido o ramo de flores que tinha na mão na direcção de Costa.Que armas usaram os regicidas?Apenas foram recuperadas as de Buíça e Costa. Buíça usou uma carabina Winchester, modelo 1907, calibre .351. Era uma arma semi-automática, precisa, com um carregador de cinco tiros e mortal nas mãos de um bom atirador. Cara e sofisticada, era fácil de esconder, porque se separava em duas metades, instantaneamente remontáveis. Foi usada até mais tarde, equipando alguns dos agentes do FBI que mataram a famosa dupla de assaltantes Bonnie e Clyde, no começo dos anos 30. Costa usou uma pistola automática com carregador de sete tiros Browning FN, calibre 7,65, modelo 1900. Uma arma semelhante, leve, pequena e com grande poder de fogo, terá sido usada pelo(s) assassino(s) do presidente Sidónio Pais, em 1918, na estação do Rossio.Houve mais prisões?Sim mas apenas de transeuntes apanhados no meio da confusão e que foram espancados e ameaçados de morte nos Paços do Concelho e na 4ª esquadra, caso do tipógrafo Miguel Martins e do músico de S. Carlos, Irigoyen.E mortos?Além das duas vítimas e dos dois agressores, um quinto elemento, o caixeiro Sabino da Costa foi morto pela polícia. Uma versão que circulou na altura, referia ter levado o tiro de misericórdia já dentro da Câmara ou do Governo Civil. Nunca se provou qualquer envolvimento no atentado, a não ser uma frase, posteriormente atribuída por terceiros, sobre ir ao Terreiro do Paço “para ver matar o rei”. Mas os polícias que o balearam não tinham, à evidência, conhecimento de tal coisa.
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D. Carlos estava doente
Mesmo sem atentado, o rei não duraria muito mais
Mesmo que o rei sobrevivesse ao atentado, não teria muitos mais anos de vida. Diabético, estava à mercê de complicações, passíveis de o matar ou incapacitar.
Margarida Magalhães RamalhoD. Carlos, pela sua figura rotunda, que tanta caricatura lhe valeu, devia ser “um bom garfo”. Ainda que fosse um desportista, as refeições incluíam sopa, entradas e vários pratos, cozinhados em azeite, margarina ou banha de porco. Fora vinho e sobremesas. A 25 de Janeiro de 1906, Thomaz de Mello Breyner, médico da Casa Real escrevia no seu diário: “Fui depois às Necessidades procurar a rainha para lhe dizer que o rei é um diabético. Com 22g 560 d’assucar por litro. É uma má notícia para todos, mas entendi que devia dal-a à rainha em primeiro lugar. Foi o Virgílio Machado que fez a analyse. Bem desconfiava eu cuando há menos de um mez lhe cahiram uns dentes mollares. Vamos a ver se conseguimos, pelo menos, um regímen.” Até à descoberta da insulina, nos anos 20, a diabetes não tinha tratamento. A pedido do Expresso, Luís Gardete Correia, médico endocrinologista da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (a primeira deste tipo do mundo) e presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia, analisou o caso. Perante os dados do médico assistente, o aspecto físico do rei (grande massa de gordura abdominal) e o teor de açúcar, D. Carlos teria uma diabetes tipo 2, provavelmente resultante do excesso de alimentação. Ao contrário do que sucede na diabetes do tipo 1, o problema não é falta de insulina. Esta hormona, produzida no pâncreas pelas células beta, não deixa a glucose chegar ao interior das células, devido a um fenómeno de resistência periférica. Aquele açúcar é, como diz o referido clínico, “a gasolina das células”. De difícil detecção precoce, a diabetes tipo 2 só se manifesta anos depois, com sintomas, às vezes, pouco valorizados (sonolência, cansaço, infecções recorrentes, etc.) D. Carlos teria antecedentes diabéticos, pois o seu pai, D. Luís, poderá ter morrido com diabetes avançada. A hipertensão, o colesterol e outras consequências do excesso de glucose no sangue desencadeariam, a prazo, um enfarte ou um acidente vascular, fatais ou incapacitadores. Mas se o rei pudesse escolher, provavelmente preferiria ter caído baleado a morrer na cama.
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Mistério 100 anos depois, o assassínio de D. Carlos I suscita mais perguntas que respostas
Intriga mortal
Quem organizou o crime que matou o rei e o príncipe herdeiro é uma questão que continua por desvendar.
O rei e o príncipe herdeiro foram mortos a 1 de Fevereiro de 1908, numa altura em que o avião e o automóvel ainda eram novidades. Mais de meio século depois (27 de Setembro de 1964), o presidente norte-americano John Kennedy era assassinado em Dallas, depois de proclamar que o espaço, onde soviéticos e norte-americanos já tinham dado os primeiros passos, era “a última fronteira”. Apesar da diferença de época, os pontos de contacto entre ambos os atentados são muitos: um atirador especial com uma arma sofisticada que morre pouco depois da(s) vítima(s), não sendo possível questionar as suas motivações em tribunal. Uma investigação que nunca é levada até ao fim e, em pano de fundo, um ambiente de intriga política, no qual todas as cumplicidades e traições são possíveis. A reconstituição dos acontecimentos (ver infografia e perguntas/respostas) sugere a existência de, pelo menos, mais dois atiradores no Terreiro do Paço. Diversos autores, a começar por Sanches de Baena (1990), Rui Ramos (2006), Jorge Morais (2007) e, agora, Mendo Castro Henriques, baseiam-se quer na análise da cena do crime quer em documentação e testemunhos da época (de Aquilino Ribeiro a Félix Correia ou Rocha Martins) para sustentar a ideia de um atentado bem preparado e levado a cabo por um comando de quatro a oito elementos. As armas dos dois regicidas conhecidos eram raras em Portugal, sofisticadas e caras. O capote vestido por Manuel Buíça para ocultar a carabina era pouco consentâneo com o salário de um professor primário da época. Ou seja, há uma conspiração e grandes meios logísticos e financeiros por detrás do atentado. Quando, em 1890, D. Carlos sobe ao trono, o sistema político está desgastado e manchado pela corrupção e pelo clientelismo. A crise acentua-se, os dois principais partidos (Regenerador e Progressista) fragmentam-se e os republicanos, embora minoritários, ganham protagonismo. Em 1906 o rei chama o dissidente regenerador João Franco para formar governo e dá-lhe todo o apoio para fazer reformas e, inclusive, governar com o Parlamento dissolvido até à realização de novas eleições (marcadas para Abril de 1908), que, tudo indica, iria ganhar. Isto aviva o ódio de sectores monárquicos, a começar pelo dissidente progressista José Alpoim ou o visconde de Ribeira Brava Francisco de Heredia, que se aproximam dos republicanos e, aparentemente, os financiam e armam. A 28 de Janeiro de 1908 há uma tentativa falhada de levantamento em Lisboa, na sequência da qual são presos, entre outros, Afonso Costa, Ribeira Brava e Egas Moniz. Alpoim foge para Espanha. Dois dias depois, o monarca assina um decreto prevendo a expulsão do reino dos principais implicados no golpe. Esta terá sido a causa próxima do regicídio. O filósofo Miguel de Unamuno estava com Alpoim em Salamanca quando chegou a notícia do atentado. Em artigo publicado no ‘El Liberal’ (1923), conta que Alpoim não só não pareceu surpreendido como disse, “olha, já morreu o canalha!”. O processo foi instruído durante dois anos. Extraviou-se com a República. D. Manuel levou uma cópia para o exílio, em Londres, mas foi roubada de casa. Reaparecerá algum dia?
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