Terras sem Sombra 2015 – O Magnum Misterium

PROGRAMA 2015

14 de Março ALMODÔVAR Igreja Matriz de Santo Ildefonso
Medievalia Ibérica: Monodias e Polifonias Hispano-Portuguesas dos Séculos X a XIV
Schola Antiqua
Miguel Ángel Asensio Palacios | Javier Blasco Blanco | Enrique de la Fuente Jarillo | Javier de la Fuente González | Miguel García Rodríguez | Jorge Luis Gómez Rios | Benjamín González García | Antonio Miguel Jiménez Serrano | Jesús María Román Ruiz del Moral | Federico Rubio García
Direcção musical de Juan Carlos Asensio Palacios

28 de Março ODEMIRA Igreja Matriz de São Salvador
Davide Perez: Nápoles-Lisboa
I Turchini
Soprano Valentina Varriale | Meio-soprano Daniela Salvo | Tenor Rosario Totaro | Baixo Giuseppe Naviglio | Violinos Paolo Cantamessa, Patrizio Focardi | Violeta Rosario Di Meglio | Violoncelo Alberto Guerrero | Violone Duncan Fox | Órgão Patrizia Varone
Direcção musical Antonio Florio

11 de Abril SINES Igreja Matriz do Santíssimo Salvador
O Século XVIII ao Piano em Portugal e Espanha: De Carlos de Seixas a Antonio Soler
Piano Iván Martín

18 de Abril GRÂNDOLA Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção
Vinho Velho em Odres Novos: Perspectivas das Novas Gerações sobre a Voz Humana
Soprano Patricia Janečková | Meio-soprano Celeste Shin Je Bang | Piano Júlia Grejtáková

9 de Maio SANTIAGO DO CACÉM Igreja Matriz de Santiago Maior
O Tempo e o Modo: Diálogos entre Guitarras
Guitarra António Chainho | Viola Carlos Silva | Guitarra Jürgen Ruck

23 de Maio CASTRO VERDE Basílica Real de Nossa Senhora da Conceição
Íntimo Misticismo: Música Espiritual Hispano-Portuguesa do Renascimento Central e Tardio
Capilla Santa María
Vihuela Juan Carlos Rivera | Orgão Carlos García-Bernalt
Contratenor e direcção musical Carlos Mena

6 de Junho MOURA Igreja Matriz de São João Baptista
O Canto do Sul de Itália: Sicília e Duas Calábrias (Séculos XVI-XVII)
Tenor Pino De Vittorio | Arquialaúde Ilaria Fantin | Harpa barroca Katerina Ghannudi
Tiorba, chitarra battente e direcção musical Franco Pavan

20 de Junho BEJA Igreja Matriz de São Salvador
A Força da Serenidade: Música para o Fim dos Tempos (Fragoso e Verdi)
Orquestra do Norte | Coro do Teatro Nacional de São Carlos
Soprano Cristiana Oliveira | Meio-soprano Ana Ferro | Tenor Vicente Valls | Baixo Rui Silva
Direcção musical José Ferreira Lobo

4 de Julho SINES
Entrega do Prémio Internacional Terras sem Sombra

cartazA3 FTSS 2015

Da Música e dos seus Diálogos, em Terras de Fraternidade
JUAN ÁNGEL VELA DEL CAMPO
Director Artístico do Festival Terras sem Sombra

Juan Ángel Vela del CampoOs traços característicos (e diferenciadores) de um festival, como o Terras sem Sombra, predispõem a uma programação artística de invulgar cumplicidade afectiva. A que traços me refiro? Tentarei justificar-me. A componente musical é reforçada pela força do património artístico – todos os concertos têm lugar em igrejas – e pela envolvente vitalidade de um conjunto de iniciativas de assumida reivindicação ecológica, que se repercutem, logo à partida, na procura de uma maior qualidade de vida ou, se quisermos, numa comunicação fecunda e sã entre Arte e Natureza. Além disso, cada um dos concertos ocorre numa povoação diferente, o que redunda num conceito territorial muito específico, traduzindo, de imediato, uma visão solidária da região e dos seus habitantes.

Quanto a nós, a resposta musical a estes estímulos culturais e sociológicos passa por uma planificação que valorize a aspiração ao conhecimento a partir da simplicidade-planificação que se contemple a si mesma no espelho da História e que, custe o que custar, nunca renuncie a um sentimento e a uma paixão em consonância com o nosso tempo. Parece óbvio lembrar que os critérios interpretativos devem estar de acordo com as criações de origem. A música deve incidir numa dimensão racional e, ao mesmo tempo, afável e jovial, mas, acima de tudo, deve ter a oportunidade de dialogar consigo mesma e com as suas “companheiras de viagem”, tanto artísticas como ambientais. O factor humano impõe-se com naturalidade.

Há de entrada, nesta 11.ª edição do Festival Terras sem Sombra, três concertos que mantêm entre si uma unidade de aproximação ou, se preferirmos, uma continuidade temporal: os que decorrerão em Almodôvar, Castro Verde e Sines. Ocorre, em todos eles, uma correspondência hispano-lusa, um convite a contemplar a evolução da música a partir de um olhar comum ibérico: o primeiro centra-se nos séculos X a XV; o segundo, no período renascentista do século XVI e nos princípios do século XVII; e o terceiro, no luminoso e racional século XVII. Uma tentativa didáctica de encontrar um apoio nas raízes? Sem dúvida, mas com uma panóplia de sugestões adicionais, que primam pela abertura.

As épocas do canto visigótico foram comuns ao que hoje denominamos Espanha e Portugal. O Schola Antiqua, grupo de canto medieval respaldado por trinta anos de experiência, desenhou, para o concerto de inauguração, um programa que podemos classificar como de “geminação” entre liturgias já por si muito próximas. Manuscritos de instituições do Sul da Galiza, vizinhas da fronteira portuguesa, alternarão com obras de códices pertencentes à Ordem de Cister. Das abundantes fontes medievais portuguesas, o Schola Antiqua seleccionou vários tipos de canto: do tardio canto misto ou fratto a um hino polifónico recentemente descoberto por Manuel Pedro Ferreira no Museu de Arte Sacra de Arouca, passando pelos sugestivos textos do Cântico dos Cânticos, musicalizados para a liturgia no Psalterium Catenatum, de Coimbra. Juan Carlos Asensio, colaborador, entre outras actividades, da oficina de Paleografia Musical da Abadia de Solesmes, referência mundial da música medieval, e autor de um imponente livro sobre El Canto Gregoriano. Historia, Liturgia, Formas, editado por Alianza Musica, dirige um concerto em que a espiritualidade e o prazer sensorial andam de mãos dadas.

Uma segunda etapa deste percurso cronológico em que confluem as tradições musicais de Espanha e Portugal leva-nos ao concerto de Castro Verde, focado num período deveras brilhante da História da Música na Península Ibérica. 2015 é um ano de especial significado, quanto a afinidades temporais, pois comemora-se o quinto centenário do nascimento da escritora mística Teresa de Ávila – Santa Teresa de Jesus –, tão fundamental na dimensão poético-literária e vital do “Século de Ouro”. Os espanhóis Tomás Luis de Victoria e Cristóbal de Morales têm as suas obras partilhadas, na mesma sessão, com as dos portugueses António Carreira, Manuel Rodrigues Coelho ou Fr. Manuel Cardoso, em versões que realçam o misticismo e a intimidade, num formato camerístico, sustentado pela voz do contratenor Carlos Mena, acompanhado à vihuela por Juan Carlos Rivera e ao órgão por Carlos García-Bernalt. Não falta a emblemática O magnum mysterium, de Victoria. A este “mistério” da música e da vida, alude precisa mente o título com que se baptizou a vertente edição de Terras sem Sombra.

A trilogia básica de aproximações hispano-lusas encontra a completude no concerto de Sines, a cargo de um dos melhores pianistas espanhóis da actualidade, o canário Iván Martín, cujo disco monográfico dedicado a Antonio Soler [1729-1783] constituiu toda uma revelação para a crítica e o público. Depois, viriam a sua incursões nas obras de Mozart ou Beethoven e, também, os primeiros passos como aclamado director de orquestra, mas a lembrança da gravação de Soler, alvo de relevantes prémios interna cionais, vem sempre à memória. A admiração de Martín pela música de Carlos de Seixas [1704-1742] situa-se a uma altura em tudo idêntica à que professa por Soler. Seis sonatas do autor português e outras seis do autor espanhol ilustram um admirável jogo de correspondências. Cada compositor possui a sua indiscutível personalidade. Um ao lado do outro, reflectem o espírito musical de uma época, a do chamado “Século das Luzes”, no quadro da Península Ibérica.

Duas sessões de procedência interpretativa italiana enriquecem este ciclo ibérico, oferecendo, por assim dizer, uma extensãonatural dele. O concerto de Sines tem um complemento perfeito no de Odemira. Ambos são votados ao século XVIII, mas, em Odemira, o grupo I Turchini, de Nápoles, dirigido por Antonio Florio, explora três obras sacras do compositor napolitano Davide Perez que, durante 26 anos, trabalhou em Lisboa. Com um conjunto instrumental de dois violinos, viola, violoncelo, contrabaixo e órgão a 415 hz, o grupo é reforçado por quatro vozes (entre as quais se destaca a soprano Valentina Variale) para executar esta aventura emocional de homenagem a um músico de extraordinária qualidade, cuja “recuperação” europeia é, cada vez mais, evidente. Na verdade, não se torna necessário repisar o tema: basta escutar a música de Perez para se comprovar de imediato a sua importância. Chama a atenção a oportuna presença, no programa de I Turchini, da Missa brevis, de Girolamo Abos, um compositor de Malta, vinculado à escola napolitana, cujo terceiro centenário do nascimento se celebra este ano. Graças a esta incorporação, os diálogos musicais do Festival avançam, um pouco mais, pelo Sul da Europa.

Também podemos considerar complementares os concertos de Castro Verde e Moura. Ao fim e ao cabo, ambos contemplam os dois mesmos séculos – o XVI e o XVII –, embora sob perspectivas diferentes. Em Moura, o Laboratório ‘600, dirigido por Franco Pavan, com o carismático tenor Pino De Vittorio, consagra o seu programa ao canto do Sul da Itália e, mais concretamente, da Sicília e das duas Calábrias, estabelecendo-se, desta forma, uma correspondência dialéctica entre o popular e o erudito. Chitarra battente, arquialaúde e harpa acompanham as tarantelas e outras canções tradicionais de regiões meridionais de Itália em que alguns investigadores vêem correspondências subtis com a paisagem e os costumes do Alentejo. É a cultura do Sul da Europa, com essa grande riqueza de manifestações artísticas que revelavam os séculos XVI e XVII. O que se se vai ouvir em Castro Verde e Moura é apenas uma amostra desse património, mas que amostra!

O popular e o erudito convivem igualmente, de uma maneira um tanto atrevida, em Santiago do Cacém, com o encontro entre a guitarra portuguesa e a guitarra “clássica”. António Chainho dispensa apresentações. Alentejano, tem 76 anos e vai evocar, neste concerto alusivo a meio século de carreira, na sede do concelho onde nasceu, o que bem singulariza, do ponto de vista musical, o sentimento interior de um país e dos seus habitantes: o fado, a melancolia, as emoções à flor da pele. Jürgen Ruck, um notável guitarrista alemão, admira a música popular portuguesa; prova disso é ter tocado, várias vezes, com Cristina Branco. Interpreta oito obras para guitarra baseadas nos Caprichos, de Goya, duas delas estreias mundiais: a do uruguaio Eduardo Fernández e da compositora portuguesa, a viver na Alemanha, Rita Torres. Fazem também parte do programa composições “caprichosas” de outros autores: os espanhóis Elena Mendoza e José María Sánchez Verdú, a australiana Cathy Milliken, os italianos Bruno Dozza e Maurizio Pisati e o alemão Bernd Franke. Em suma, o século XXI reclama o seu protagonismo. Com a novidade de novas criações e com a eternidade das de sempre. A experiência promete ser emocionante.

Nestes fluxos de inter-relações, há um concerto que, como se diz em castelhano, va por libre: o de Grândola. Explico porquê. Mercê de uma casualidade da vida profissional, integrei, no passado Outono, em Roma, o Júri do Concurso Vocal de Música Sacra da Academia Musical Europeia, ao lado de directores de casting de teatros líricos, como o La Scala, de Milão, ou a English National Opera, de Londres, de responsáveis das instituições musicais da Polónia ou intérpretes distinguidos de música barroca em Itália. Houve unanimidade nas deliberações, algo pouco frequente, e os dois primeiros prémios recaíram
em dois cantores nos antípodas estilísticos. A vencedora, de 16 anos, oriunda da Eslováquia, cantou um fragmento da Paixão segundo São Mateus, de Bach; parecia realmente um anjo descido do céu. O segundo prémio foi concedido a uma mezzo-soprano, da Coreia do Sul, que personificava a paixão terrestre em estado puro e, por isso, brilhou com Verdi e o seu Requiem. É difícil conseguir maior contraste entre duas cantoras. Juntá-las no seu primeiro recital, após o Concurso Internacional de Roma, afigurou-se-me uma oportunidade de ouro para o nosso Festival, além de uma primícia. Vamos ouvi-las, com o acompanhamento ao piano por outra grande artista, em obras de Rombi, Handel, Bach, Mozart, Vivaldi, Rossini e, claro está, Verdi.

O concerto de encerramento do Festival será, este ano, em Beja, capital da Diocese – e capital do Baixo Alentejo. Faltava-nos algo dos séculos XIX e o XX para completar esta imaginária viagem musical através do tempo. E faltava-nos, principalmente, como protagonista, uma instituição musical poderosa de Portugal. Daí a feliz escolha da Orquestra do Norte, que visitará pela primeira o Terras sem Sombra. O diálogo, aqui, não sai de casa, faz-se entre Norte e Sul. Além disso, o maestro José Ferreira Lobo é um director de fuste para estes mesteres. Numa ocasião deveras especial, interpretará um Nocturno do compositor português de princípios do século XX, António Fragoso, e a obra sacra mais próxima da ópera de toda a História da Música: Requiem, de Giuseppe Verdi. O Século do Romantismo está, assim, representado por uma das suas criações de profundo sentido humanista. E o olhar para Itália adquire um tom cálido, como inspira o seu compositor mais teatral. As sombras da História fazem-se terra. Algo muito lógico, aliás. Não estamos no Alentejo, terra de fraternidades?

 

PROGRAMA BIODIVERSIDADE

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