Arquivo de Março, 2010

Os dias são iguais às noites

O Equinócio da Primavera!

ESPECTÁCULO DE SAUDAÇÃO AO NASCER DO SOL EM HONRA À DEUSA MÃE -TERRA
O SANTUÁRIO DA PEDRA DA CABELEIRA É UMA DAS PORTAS DA TERRA, ONDE O ANTIGO DEUS DO SOL, ESPELHO DO DEUS SUPREMO, REGRESSA DO ALTO DA SUA MORADA E FAZ A SUA ENTRADA TRIUNFAL!

Aldeia de Chãs – Maciço dos Tambores – Vila Nova de Foz Côa
Sábado, 20 de Março – 07.00 – 07.30 Horas

A entrada da estação mais florida do ano, momento em que a Terra é iluminada de igual forma no hemisfério sul e no hemisfério norte, vai ser celebrada no recinto amuralhado do Santuário Sacrificial da Pedra da Cabeleira, com um ritual de danças, música, poesia e cânticos, apresentado pela Amálgama – Companhia de Dança.

Devido à instabilidade do tempo, o espectáulo da Amalga Companhia de Dança, será apresentado à mesma hora( 07.00- 07.30) de Domingo. Porém, a organização não deixará de lá estar, frente à Pedra da Cabeleira (com sol ou tempo cinzento) para saudar a entrada da Primavera

O templo sacrificial está orientado no sentido nascente-poente, possui uma gruta em forma de semi-arco, com cerca da 4,5 metros de comprimento, que é iluminada no seu eixo no momento em que o Sol se ergue no horizonte, proporcionando uma imagem deslumbrante!

O enorme penedo, eleva-se no topo de um amuralhamento circular, num planalto rochoso, próximo de um antigo castro, no perímetro do Parque Arqueológico. Tem, no interior da cripta que o atravessa, um nicho com uma pintura que sugere uma cabeleira negra e, na face frontal, perfeitamente lisa e em forma de leque, sobressai, incrustado, um pequeno círculo solar. Porém, visto por detrás do seu altar e da laje em que assenta, num claro desafio às leis da gravidade, configura um gigantesco crânio humano.

Adriano Vasco Rodrigues, o primeiro estudioso a debruçar-se sobre o referido templo, classificou a pedra e o recinto como “um local de sacrifícios ou de culto do crânio”, remontando ao período “de transição do paleolítico para o neolítico”. Hoje, o investigador, profundo conhecedor do passado histórico da região, não tem dúvida que:

“A identificação com uma entidade feminina, em consagração à Virgem Maria, acompanhada de lenda popular, sugere um culto inicial à Deusa-Mãe, símbolo da fertilidade, trazido do Médio Oriente para o Ocidente peninsular pelos primeiros povos agricultores”, e que “o culto do sol é fundamental nas sociedades primitivas e o conhecimento do calendário das estações para poderem fazer as sementeiras”.

Por sua vez, o autor da Sociologia das Religiões, Moisés Espírito Santo, num levantamento à toponímia da área envolvente, encontrou nos nomes dos vários sítios fortes associações ao culto solar. Num levantamento que fez sobre a toponímia da área envolvente, mostrou-se deslumbrado com a beleza e a singularidade da herança histórica que pôde testemunha

A curta distância do Santuário da Pedra da Cabeleira situa-se a imponente Pedra do Solstício, orientada com o pôr-do-sol, no Solstício de Verão, onde é saudado o dia mais longo do ano, ergue-se na vertente de uma vasta depressão rochosa, sobranceira à falha sísmica de Longroiva – um fértil vale que desemboca na Ribeira de Piscos, em cujo curso se situam um dos principais núcleos de gravuras rupestres classificadas como Património da Humanidade. O astrónomo Máximo Ferreira assistiu a uma dessas observações e pôde testemunhar o perfeito alinhamento solsticial.

Jorge Trabulo Marques, dinamizador do evento e autor da descoberta do fenómeno solar, acredita que:

“O altar sacrificial existente naquele local é um verdadeiro observatório astronómico primitivo, que os antigos povos sabiamente teriam aproveitado não só como calendário, mas também para ali realizarem os seus cultos, festividades e rituais, com uma forte ligação à agricultura, à fertilidade e às estações do ano. Trata-se de um local mágico, pleno de história e de misticismo, dos poucos lugares da terra onde a beleza e o esplendor solar se podem repetir à mesma hora e com a mesma imagem contemplativa de há vários milénios pelos povos que habitaram a área”.

Na Sombra das Colecções

A Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, que visitei há pouco mais de um mês, apresenta até 17 de Setembro de 2010 a Exposição “Na Sombra das Colecções – Proveniências Europeias nas Reservas da Casa-Museu”. A par de peças de mobiliário inglês e holandês dos séculos XVII e XVIII, serão pela primeira vez expostas obras como as de Jacob Jordaens (1593-1678),  Eugène Delacroix (1798-1863), uma tábua da oficina veneziana dos Guardi, século XVIII, um óleo atribuído ao mestre do realismo Gustave Courbet (1819-1877) e um Eugène Boudin (1824-1898), percursor do Impressionismo.

Mensageiro das Estrelas

Em simultâneo com o fim do Ano Internacional da Astronomia, o evento de maior importância em 2009 no terceiro calhau a contar do Sol, é hoje lançado em língua portuguesa o primeiro livro de Galileu Galilei – Sidereus Nuncius (Mensageiro das Estrelas), quatrocentos anos depois de ter sido publicado.

Com tradução e notas do Professor Henrique Leitão, investigador e professor de História da Ciência na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, esta obra fundamental do pensamento científico ocidental relata as primeiras observações  que Galileu fez através do seu telescópio, entre finais de 1609 e março de 1610. Integra ainda um facsimile integral da edição original do Sidereus Nuncius.

Creio pois ser oportuno recuperar a aula do Professor Henrique Leitão – Galileu na China, à qual tive o prazer de assistir em Agosto do ano passado no Museu do Oriente.

Relacionado: artigo no Público sobre o lançamento do livro na Gulbenkian.

Rodrigo Leão – Os Pássaros de Pangim

Fundação Museu do Oriente | Auditório | Concertos | 13, 14, 19, 20, 21, 26 e 27 de Março de 2010

A melhor música sempre evocou viagens: interiores, geográficas ou simplesmente emocionais, mas sempre com uma ideia de movimento associada, de transporte de sentimentos e imagens. É assim com Rodrigo Leão, cuja carreira pode ser entendida como uma viagem. E as viagens, claro, apresentam sempre desafios a quem as empreende, como nas odisseias clássicas. Rodrigo Leão prepara-se para enfrentar novo desafio, a convite do Museu do Oriente, onde o celebrado compositor português apresentará uma temporada especial de Os Pássaros de Pangim. Foram estes os pássaros que Rodrigo gravou em Goa e que, depois, inspiraram o título de um dos temas do álbum A Mãe, mais um marco vitorioso numa carreira que só tem conhecido sentido ascendente: liderou o top em Portugal e recolheu os mais efusivos elogios da crítica. Viagem A Goa é outro dos temas incluídos nesse álbum que também terá lugar especial neste espectáculo de evocação de outras cores, sabores e sons.

«As viagens sempre me inspiraram: os sons, as cores, a atmosfera dos diversos locais por onde fui passando sempre afectaram a minha música. E o Oriente tem esse fascínio acrescido, um mistério…», explica Rodrigo Leão. O espectáculo que o autor de A Mãe vai trazer ao auditório do Museu do Oriente tem vindo a ser preparado com cuidado especial – novo contexto, nova sala. Terá imagens, que o próprio Rodrigo Leão foi recolhendo em viagens que o levaram de Goa ao Alentejo. Para este espectáculo, o Cinema Ensemble será redimensionado, adaptado ao espaço e a uma vontade mais exploratória da música que numa primeira parte terá uma abordagem mais experimental, mais acústica, com sabores do Oriente e com alguns inéditos a surgirem em palco. Na segunda parte, Rodrigo percorrerá alguns dos temas mais conhecidos do seu repertório, numa roupagem mais íntima e despida, que lançará diferente luz sobre temas bem conhecidos do seu público.

Rodrigo Leão parte, uma vez mais, de viagem. Uma viagem ao Oriente desconhecido, mas também e, sobretudo, a um lado menos visível de uma obra que tem recolhido efusivos aplausos em todo o Mundo.

Stabat Mater no Olga Cadaval

Stabat Mater, de Giovanni Battista Pergolesi

Ensemble Vocal do Sintra Estúdio de Ópera | Ensemble Barroco de Sintra
Centro Cultural Olga Cadaval – Auditório Acácio Barreiros, Sintra
01 de Abril de 2010 | 21:30
Pergolesi é um dos mais famosos compositores do barroco e um dos nomes fundamentais do estilo napolitano. O seu Stabat Mater, escrito sobre um profundo e dramático poema medieval que narra o sofrimento da mãe de Cristo perante a morte do seu filho, é uma comovente obra plena de fervor religioso e que surpreende pela simplicidade. Quando a compôs, apenas com vinte seis anos de idade, Pergolesi antecipava já o seu próprio fim, o que veio a acontecer poucos dias depois da conclusão da obra.
Ficha Artística e Técnica
Ensemble Vocal do Sintra Estúdio de Ópera
Helena Carvalho Pereira | Margarida de Moura | Solistas
Ensemble Barroco de Sintra
Nélson Nogueira | Ana Patrícia Tomé | Violino
Teresa Fleming | Viola
Abel Gomes | Violoncelo
Pedro Barbosa | Contrabaixo
Sérgio Silva | Cravo
Miguel Anastácio | Direcção Musical

Jordi Savall: A dimensão espiritual da música vencerá a barbárie

O consagrado músico catalão, uma das figuras tutelares do universo da música antiga, esteve recentemente em Santiago do Cacém, na abertura do 6.º Festival Terras Sem Sombra. Antes de deixar falar a música, partilhou as convicções humanistas que guiam a sua arte.

Tranquilidade contagiante, a de Jordi Savall: de movimentos, da postura em palco, do verbo, do olhar. Talvez advenha da sabedoria que foi adquirindo ao longo de uma vida que em 2011 alcançará as sete décadas. E foi tranquilamente que nos deixou entrever algumas das coordenadas que guiam a sua prática de homem-artista no mundo, demiurgo entre a comunidade humana.
Nos últimos anos, Savall tem dedicado especial atenção aos encontros (e choques) de povos, tradições e culturas que espaços geográficos determinados corporizaram no passado. Por trás, está a crença de que “a música é sempre fonte de diálogo” e tem “um poder” que, “quando é profundo e pleno de emoção, pode mudar-nos”. Daí ser “responsabilidade” dos músicos “mostrar que épocas houve com uma herança comum a Oriente e Ocidente”, fruto de “um diálogo muito próximo de culturas”. Com esses seus discos, Savall quer “mostrar que o diálogo é possível, tal como foi ao longo de muitos séculos no passado”. A sustentar isto, a convicção de “música e cultura” serem “as únicas portas que podemos utilizar, pois todas as outras fracassaram”.
Exemplo maior desse propósito na sua discografia será Jerusalem, cidade das duas pazes (2008): “Quando iniciei esse projecto – recorda Savall – todos me diziam que era uma loucura, uma utopia. No princípio, foi, de facto; mas no final foi um exemplo para os políticos!” Esse projecto, que integrou músicos palestinianos, fê-lo dar-se conta das “muito baixas possibilidades de desenvolvimento humano” prevalecentes na Palestina, “impeditivas – considera – de esforços mais abrangentes e coordenados” no domínio musical. É isso que, observa, “limita o sucesso e o alcance” de iniciativas “importantes e difíceis” como a Orquestra do Divã Ocidental-Oriental de Daniel Barenboim.
Em Jerusalem, conta, “os conflitos entre músicos transmutaram- -se em crossovers: a tradição de cada um acabou por se mesclar e fundir com a do outro, porque há um fun- do comum”. Daí que o seu diagnóstico seja: “os problemas são mais mentais do que reais”.
Para Savall, “a música dá sentido ao ser humano” e “revela a sensibilidade que encerra a linguagem humana”, porquanto ela “dá sentido às palavras”. Detecta “tantas músicas como homens existem, com uma origem comum, tal como sucede na linguagem”. De que decorre ser a música “síntese de um povo e da sua experiência histórica”, razão para serem “as músicas populares as que melhor e com mais emoção definem essa história, já que são músicas sobreviventes”. E tal como um espelho, também “a música ajuda as comunidades a sobreviver”.
Virando-se para o nosso tempo, Savall detecta “uma degeneração da sensibilidade” que se revela “em quem pretende escutar só a parte estética da música”. Savall é taxativo: “por esse caminho, termina-se em Auschwitz!”, aludindo aos tantos carrascos nazis que eram melómanos dedicados e cultivados.
Daí ser “muito importante não esquecer, não perder nunca a dimensão, o referente espiritual da música, pois é ele que dá sentido ao todo e faz que se manifeste o sentido do sagrado”.
O seu mais recente disco é um exemplo da sua convicção de que “a música serve para entender a história” e de que esta “toma de novo vida através da música”, pois, “quando feita com seriedade e provida de força emocional e espiritual, a música faz com que reflictamos”.
Um outro reflexo entrevê-o no património, pois “o que nos faz ser reconhecidos no universo não são só os produtos que exportamos. É também a cultura, e nesta, a música tem enorme importância”. Lamenta não haver em geral “consciência da importância do património musical” e, entre a Europa latina, “só a França” tem política de preservação “positiva e eficaz”.
Bernardo Mariano | Diário de Notícias, 13 de Março de 2010

Monstra 2010

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O CAFÉ | 2009 | 7 MINUTOS| JOÃO FAZENDA

Em co-autoria com Alexandre Gozblau, fala dos cafés dos bairros antigos de Lisboa, onde o tempo não passa ao mesmo ritmo que lá fora. O cenário mantém-se, mas as personagens vão mudando, tal como as roupas dos que permanecem.

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HISTÓRIA TRÁGICA COM FINAL FELIZ | 2005 | 7 MINUTOS | REGINA PESSOA

Um filme que joga muito nas ambiências, claro-escuro, dentro e fora. Uma menina que é diferente e uma comunidade que tarda em aceitá-la. A sua diferença torna-se inelutável e acaba por ter de abandonar a comunidade que a viu crescer. O espaço urbano e o quarto da menina é um desdobramento das vivências internas e externas das personagens

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Não me interessava espaços reais, mas nalguns elementos, o rio, o eléctrico, sem que fosse óbvio, a inspiração iria mais para o do trabalho de carlos Botelho, no que se refere aos traços da cidade. Daniel Lima, sobre “Um degrau pode ser um mundo”, de 2009.

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PÁSSAROS | 2009 ! 7 MINUTOS | FILIPE ABRANCHES

Tudo gira em volta de aves. Uma velha, torta e com um nariz em forma de bico, alimenta os seus pássaros no terraço. Na cozinha olha enternecida para a fotografia do filho. Em seguida prepara uma galinha que esquarteja para uma sopa. Senta-se e adormece com a panela ao lume. Lá em baixo no pátio interior, surge o filho. É esguio e sem pescoço como um pinguim. O seu nariz rivaliza com o da mãe. Sobe as escadas e toca à campainha. A velhota recebe-o numa festa. Leva-o para a cozinha onde lhe serve uma canja repleta de miudezas de galinha. Mostra-lhe os pássaros lá fora. São numerosas as gaiolas de todos os feitios e tamanhos. Ele observa atentamente as aves…

A Escala Pentatónica, segundo Bobby McFerrin

Bobby McFerrin demonstra o poder da escala pentatónica com a participação do público, no evento “Notes & Neurons: In Search of the Common Chorus” que se realizou em Junho do ano passado em Nova Iorque, integrado no  World Science Festival – 2009.

Relacionado: Sobre a escala pentatónica, um artigo de João Martins.

Joana Vasconcelos – Sem Rede

Com um percurso iniciado em meados da década de 1990, Joana Vasconcelos afirmou-se como a mais importante artista da sua geração, com uma prolífica carreira crescentemente reconhecida tanto em Portugal como no estrangeiro. Cruzando tradição e modernidade, identidade e história e sublime e simbólico, a artista interpreta o mundo contemporâneo através de uma singular apropriação das mentalidades, imagens e objectos da sociedade de consumo. Esta exposição reúne, pela primeira vez, um número significativo de obras realizadas nos últimos 15 anos, assim traçando uma panorâmica da sua produção e constituindo uma oportunidade única para conhecer ou redescobrir o seu especial universo.

Joana Vasconcelos (Paris, 1971) estudou na escola Ar.Co, em Lisboa, e expõe regularmente desde meados da década de 1990. Crescentemente aclamada pela crítica e pelo público, tanto em Portugal como no estrangeiro, a sua trajectória afirma-a como uma das mais importantes artistas portuguesas da sua geração. A sua prolífica carreira inclui, por exemplo, exposições individuais em instituições como o Museu de Serralves (Porto, 2000), a participação em eventos como a Bienal de Veneza (2005), encomendas de intervenções no espaço público, como o recentemente inaugurado Jardim Bordallo Pinheiro (Museu da Cidade, Lisboa, 2010), e galardões como The Winner Takes It All (Museu Colecção Berardo, 2006). Promovida pelo Museu Colecção Berardo e comissariada por Miguel Amado, Sem Rede é a sua primeira exposição antológica. Reunindo cerca de trinta e cinco obras elaboradas nos últimos quinze anos, este projecto traça uma panorâmica do seu trabalho e constitui, assim, uma oportunidade única para o conhecer ou redescobrir aprofundadamente.

Vasconcelos interpreta o mundo actual através de uma singular leitura das mentalidades, mitologias e iconografias da sociedade de consumo. Inspirando-se no imaginário comum, a artista analisa distintas problemáticas da vida diária. Assim, sob um impulso alegórico e acto derrisório, desconstrói os valores, hábitos e costumes da civilização ocidental para comentar a existência do presente, enquadrar o legado do passado e perspectivar os caminhos do futuro. Cruzando tradição e modernidade, inconsciente colectivo e história e sublime e simbólico, Vasconcelos questiona a identidade, releve esta do género, da classe ou da nacionalidade. As suas obras combinam referências culturais (desde movimentos artísticos a expressões correntes), objectos quotidianos com valor sígnico (tais como espanadores, blisters de comprimidos, tampões higiénicos, utensílios domésticos, talheres de plástico e panelas e respectivas tampas) e materiais e técnicas populares (como a azulejaria e as faianças Bordalo Pinheiro ou o tricô e o croché). Engenhosamente manipulados, estes elementos mantêm o seu sentido mas compõem uma nova forma, cujo significado recontextualiza a instância original e, assim, reflecte a experiência entrópica característica da condição contemporânea.

Vasconcelos aproxima-se dos princípios do Nouveau Reálisme, movimento artístico francês fundado em 1960 que, adoptando as estratégias vanguardistas de Marcel Duchamp (especialmente a do ready-made), difundiu técnicas como a assemblage, baseada na justaposição de objets trouvés. Porém, equacionando a precariedade dos materiais professada pelo Nouveau Reálisme à luz de uma crítica do signo, a artista declina a estética pobre por este professada e propõe um retrato do quotidiano assente no simulacro da realidade. Este processo desenvolve-se através de vários efeitos estilísticos: a citação e a apropriação; a desfuncionalização de mercadorias; a representação, em grande escala, de imagens pré-existentes; a exploração da arquitectura ao nível da monumentalidade, da especificidade do lugar e da organização espacial; a mise-en-scène; a serialidade da produção; a qualidade cinética da obra; a sua activação pelo espectador; a acumulação e associação cromática dos seus componentes; a utilização de jogos de linguagem enquanto recurso expressivo.

Sem Rede contempla obras famosas como A Noiva (2001-2005), o conjunto Coração Independente (2004-2008) e Cinderela (2007). Estas obras debruçam-se sobre a condição feminina, tema transversal à actividade da artista. Efectivamente, de Flores do Meu Desejo (1996-2009) a Vista Interior (2000), passando pelo duo Sofá Aspirina (1997) e Cama Valium (1998), é o debate acerca do estatuto da mulher que estas obras exprimem. Contudo, a exposição inclui outras obras, menos mediatizadas, que articulam múltiplos assuntos com cunho político-económico. Refiram-se, por exemplo, a ideologia corporativa (Ponto de Encontro, 2000), a ostentação de classe (Menu do Dia, 2001), o exercício deslumbrado do poder (O Mundo a Seus Pés, 2001), a intolerância religiosa (Burka, 2002) e o estado securitário (Una Dirección, 2003). Obras recentes protagonizam reflexões com carácter social, como o conflito entre o progresso tecnológico e a conservação da natureza (Jardim do Éden [Labirinto], 2010) ou a doença enquanto metáfora da malaise global (Contaminação, 2008-2010). Em Sem Rede, a prática de Vasconcelos apresenta-se, pois, sob uma óptica inovadora, que não só desafia as abordagens dominantes da sua arte, mas também recria o seu especial universo como nenhuma outra exposição o fez até hoje.
Fonte dos textos: Museu Berardo