Archive for the ‘ Poesia ’ Category

“Para Botticelli”, nos 500 anos da sua morte

Para Botticelli

Pressinto que o mundo cresce de teus dedos
quando num clarão mortal se rasgam asas
e faces lívidas de anjos
choram suas raízes arrancadas do chão.

Quando o vento grita em teus cabelos
que não é o mar a seara que se ondula.

Quando um perfil destrói em si a noite
e o teu peito,
onde límpida era a sua côr.

Quando uma árvore frutifica a sua solidão
e se ilumina
com um súbito canto
ou um vulto quase irreal de ser tão breve.

Quando, de olhos sangrentos,
sentes nitidamente o anoitecer
e exausto abandonas a cabeça a mãos ausentes:
náufrago de veias que prolongam a terra,
transfigurado no rosto
onde a manhã te anuncia o seu regresso.

in Silabário, de José Bento

Conversa de elevador

Qualquer caminho leva a toda a parte
Qualquer caminho
Em qualquer ponto seu em dois se parte
E um leva a onde indica a estrada
Outro é sozinho.
Uma leva ao fim da mera estrada. Pára
Onde acabou.
Outra é a abstracta margem

……

No inútil desfilar de sensações
Chamado a vida.
No cambalear coerente de visões
Do […]

Ah! os caminhos estão todos em mim.
Qualquer distância ou direcção, ou fim
Pertence-me, sou eu. O resto é a parte
De mim que chamo o mundo exterior.
Mas o caminho Deus eis se biparte
Em o que eu sou e o alheio a mim
[…]

Fernando Pessoa

Siglo de Oro – Lope de Vega

Romancero viejo
España experimentó una gran ola de italianismo que invadió la literatura y las artes plásticas durante el siglo XVI y que es uno de los rasgos de identidad del Renacimiento: Garcilaso de la Vega, Juan Boscán y
Diego Hurtado de Mendoza introdujeron el verso endecasílabo italiano y el estrofismo y los temas del Petrarquismo; Boscán escribió el manifiesto de la nueva escuela en la Epístola a la duquesa de Soma y tradujo El cortesano de Baltasar de Castiglione en perfecta prosa castellana; contra estos se levantaron nacionalistas como Cristóbal de Castillejo o Fray Ambrosio Montesino, partidarios del octosílabo y de las coplas castellanas, pero igualmente renacentistas.
Romancero nuevo
En la segunda mitad del siglo XVI ambas tendencias coexistieron y se desarrolló la ascética y la mística, alcanzándose cumbres como las que representan San Juan de la Cruz, Santa Teresa y Fray Luis de León; el petrarquismo siguió siendo cultivado por autores como Fernando de Herrera, y un grupo de jóvenes nuevos autores comenzó a desarrollar un Romancero nuevo, a veces de tema morisco: Lope de Vega, Luis de Góngora y Miguel de Cervantes. Via.

En sus últimos años de vida Lope de Vega se enamoró de Marta de Nevares, en lo que puede considerarse “sacrilegio” dada su condición de sacerdote; era una mujer muy bella y de ojos verdes, como declara Lope en los poemas que le compuso llamándola “Amarilis” o “Marcia Leonarda”, como en las Novelas que le destinó.

Canta Amarilis, y su voz levanta
mi alma desde el orbe de la luna
a las inteligencias, que ninguna
la suya imita con dulzura tanta.

De su número luego me trasplanta
a la unidad, que por sí misma es una,
y cual si fuera de su coro alguna,
alaba su grandeza cuando canta.

Apártame del mundo tal distancia,
que el pensamiento en su Hacedor termina,
mano, destreza, voz y consonancia.

Y es argumento que su voz divina
algo tiene de angélica sustancia,
pues a contemplación tan alta inclina.

 

Musica Aeterna – Siglo de Oro

Constituindo a etapa mais fecunda e gloriosa das Artes e das Letras em Espanha, o período compreendido entre o Renascimento e o Barroco, isto é, o Siglo de Oro, estendeu-se ao longo de quinhentos e seiscentos. Nessa época a ficção do país vizinho alcançaria o apogeu de universalidade e expressão com o “Dom Quixote”, a obra-prima de Miguel de Cervantes, e outros géneros literários onde sobressaem as obras picarescas Lazarillo de Tormes, de autor anónimo, cuja edição mais antiga data de 1554, concebida em forma de autobiografia e num estilo epistolar como se de uma longa missiva se tratasse, e Guzmán de Alfarache, publicada, em duas partes, na viragem do século, da autoria de Mateo Alemán, escritor que estabeleceu e consolidou as suas tipologias características. Além disso, foi também a época dourada da poesia, visto Juan Boscán e Garcilaso de la Vega terem adaptado o género lírico transalpino ao castelhano e proporcionado que a sua expressão máxima fosse conseguida na prosa de Santa Teresa de Ávila e na poesia mística de Frei Luis de León e São João da Cruz.
João Chambers. Para ouvir no Musica Aeterna de hoje. Link do ficheiro áudio em formato Windows Media Áudio
Em 1521, vive-se o início perturbado dum grande império que abre à Espanha as portas da Europa renascentista e impregnada pelas ideias da Reforma, em guerra com a França, por rivalidade na disputa do trono da Alemanha.
Com o poeta Juan Boscán, a quem ficará ligado na sua vida e na sua obra, desde o seu desenvolvimento até à sua publicação póstuma, Garcilaso participou na defesa da ilha de Rodas, atacada pelos turcos, em 1522.
O período mais fecundo da sua obra corresponde aos anos de 1533-36, quando Garcilaso, em Nápoles e relacionado com poetas e humanistas italianos, tinha assimilado por completo o espírito e o sentido artístico do Renascimento.
No verão de 1535, Garcilaso tomou parte na expedição do Imperador carlos V a Tunes: foi ferido em combate, o que não o impediu de participar no ataque a fortaleza da Goleta.

In “Garcilaso de la Vega – Antologia Poética”, de José Bento

SONETO XXXIII – A BOSCÁN DESDE LA GOLETA

Boscán, las armas y el furor de Marte,
que con su propria fuerza el africano
suelo regando, hacen que el romano
imperio reverdezca en esta parte,

han reducido a la memoria el arte
y el antiguo valor italïano,
por cuya fuerza y valerosa mano
África se aterró de parte a parte.

Aquí donde el romano encendimiento,
donde el fuego y la llama licenciosa
solo el nombre dejaron a Cartago,

vuelve y revuelve amor mi pensamiento,
hiere y enciende el alma temerosa,
y en llanto y en ceniza me deshago.

L’Albatros

Souvent, pour s’amuser, les hommes d’équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.

À peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l’azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d’eux.

Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu’il est comique et laid!
L’un agace son bec avec un brûle-gueule,
L’autre mime, en boitant, l’infirme qui volait!

Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l’archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l’empêchent de marcher.

Charles Baudelaire

O enterro do senhor de Orgaz

O enterro do senhor de Orgaz - El Greco - 1586

O enterro do senhor de Orgaz - El Greco - 1586

O enterro do senhor de Orgaz

 

“Vê, meu filho: estes olhos sem fundo
fitando o caminhante que este quadro contempla
enquanto apontas aquele corpo alado,
o nobre corpo alado entre rostos e mãos,
são os teus.
Tu és este menino
senhoril e assombrado diante dos senhores.

No teu lenço, minha firma e uma data;
na língua antiga dessa ilha secreta
que me sagrou na luz que não virá ungir-me
escrevi claramente:
“domeniko theotokópoli o fez
1578”.
Não este quadro mas a ti, nesse ano.
Proclamo assim no rigor desta linguagem,
pertença minha como de ninguém,
que te amo sobre todas as coisas:
és a obra mais sonhada e mais gerada
em mim, que existo para minhas obras.

És tão pequeno, não sei quem irás ser,
talvez não te distingas entre quem é turba
e de ti falem só por seres meu filho,
tenham tua face porque segunda vez
te dou a vida neste painel sem preço,
sustendo aí tua carne e sua graça
quando nem se suspeite o lugar de tuas cinzas.

Estes traços e cores, o vasto alento
que de mim pus neste espaço fugaz
irão levar-me longe, onde serei falado
por gentes de hoje que jamais verei,
por outras que o futuro há-de trazer-me.
Mas tu és o meu júbilo íntimo,
a mão que estreito, o corpo que adormeço
enquanto eu vivo for, corpo de mim.

Que me importa a minha obra,
importando-me muito mais que tudo, sempre,
que me dá o meu génio, dando tanto,
– se valores vãos contigo comparados,
embora os louve para dourar meu vazio?

Minha sombra ir-se-á puindo como sombra,
de nada servirá minha ambição
de querer permanecer e eternizar-me
contra o tempo feroz, dissimulado.

Alguns séculos que resistam minhas telas
ante a erosão dos juízos e dos astros
serão apenas um soluço irremível.
Mas em ti continuarei, no testemunho
que entregarás aos filhos dos teus filhos,
que o perpetuem de geração em geração:

em sua palavra em sangue a ansiar vida,
no que de ínfimo façam, pois o homem
– seja quem for – só faz coisas mesquinhas,
estarei, então um nome, ou já nem isso.

Tudo o que não sejas tu agora é nada.

in Silabário, de José Bento – Relógio D’Água, 1992

Camões e a Astronomia

Celebramos hoje o Príncipe dos Poetas. No dia em que passam quatrocentos e vinte e nove anos sobre a sua morte, vale a pena recordar dois conjuntos de textos que analisam as referências astronómicas utilizadas por Camões em “Os Lusíadas”:

Em primeiro lugar, a Professora Carlota Simões desenvolveu no Portal do Astrónomo oito temas (A viagem de Vasco da Gama – A LuaO SolAs UrsasO Cruzeiro do SulAs dez esferasO firmamentoOs céusO movimento dos auges e estrelas fixas ) que permitem conhecer um pouco da obra de Luciano Pereira da Silva – A Astronomia de “Os Lusíadas”.
Numa série de artigos publicados entre 1913 e 1915 na Revista da Universidade de Coimbra, LPS mostra que “Camões tinha um conhecimento claro e seguro dos princípios da astronomia, como ela se professava no seu tempo” e deduz que as ideias astronómicas de Camões decorrem das anotações de Pedro Nunes sobre os textos de Johannes de Sacrobosco, cuja obra Camões mostra conhecer com rigor, quando no Canto X coloca na voz da Deusa Tethis a descrição do mundo tal como esta é descrita no “Tratado da Sphera” , considerada a principal fonte astronómica de “Os Lusíadas”, a par da informação recolhida nos diários de bordo da viagem de Vasco da Gama e nas tábuas náuticas.

Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assim foi do Saber, alto e profundo,
Quem é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus; mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.

Canto X – 80

Em segundo lugar, as Palestras do professor Félix Rodrigues, subordinadas ao tema A astronomia na obra de Camões – partes I – II – III –, no âmbito das comemorações do Ano Internacional da Astronomia.

Giovanni Battista Tiepolo – Thetis Consoling Achilles, 1757

Transcendência Improvável

Da árvore solitária imana o sentimento de melancolia do poeta. 

Piet Mondrian – Avond (Evening); Red Tree, 1908.
Haags Gemeentemuseum, The Hague

O Homem que Contempla 

Vejo que as tempestades vêm aí
pelas árvores que, à medida que os dias se tomam mornos,
batem nas minhas janelas assustadas
e ouço as distâncias dizerem coisas
que não sei suportar sem um amigo,
que não posso amar sem uma irmã.
 

E a tempestade rodopia, e transforma tudo,
atravessa a floresta e o tempo
e tudo parece sem idade:
a paisagem, como um verso do saltério,
é pujança, ardor, eternidade.

Que pequeno é aquilo contra que lutamos,
como é imenso, o que contra nós luta;
se nos deixássemos, como fazem as coisas,
assaltar assim pela grande tempestade, —
chegaríamos longe e seríamos anónimos.

Triunfamos sobre o que é Pequeno
e o próprio êxito torna-nos pequenos.
Nem o Eterno nem o Extraordinário
serão derrotados por nós.
Este é o anjo que aparecia
aos lutadores do Antigo Testamento:
quando os nervos dos seus adversários
na luta ficavam tensos e como metal,
sentia-os ele debaixo dos seus dedos
como cordas tocando profundas melodias.

Aquele que venceu este anjo
que tantas vezes renunciou à luta.
esse caminha erecto, justificado,
e sai grande daquela dura mão
que, como se o esculpisse, se estreitou à sua volta.
Os triunfos já não o tentam.
O seu crescimento é: ser o profundamente vencido
por algo cada vez maior.

 

Rainer Maria Rilke, in Das Buch der Bilder O Livro das Imagens, 1902
Tradução de Maria João Costa Pereira

Emília

 Criar-me, recriar-me, esvaziar-me, até
que o que de mim um dia, morto, vá
para a terra, não seja eu; enganar honradamente,
plenamente, com vontade firme,
o crime, e deixar-lhe este espantalho negro
do meu corpo, como sendo eu!
                                                                     E esconder-me,
a sorrir, imortal, nas margens puras
do rio eterno, árvore
– num poente imarcescível –
da imaginação mágica e divina!

Ruan Ramón Jimenez, 1923?
Benjamín Palencia - Las edades de la vida, 1932

Benjamín Palencia - Las edades de la vida, 1932

Darwin: A Life in Poems

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‘Plankton’

The deck is dazzle, fish-stink, gauze-covered buckets.
  Gelatinous ingots, rainbows of wet flinching amethyst
  and flubbed, iridescent cream. All this
means he’s better; and working on a haul of lumpen light:

polyps, plankton, jellyfish and sea butterflies, the pteropods.
  “So low in the scale of nature, so exquisite in their forms!
  You wonder at so much beauty — created,
apparently, for such little purpose!” They lower his creel

to blue pores of subtropical ocean. Wave-flicker, white
  like a gun-flash over the blown heart of sapphire.
  Peacock eyes, beaten and swollen,
tossing on lazuline steel.

in Darwin: a life in poems (2009), de Ruth Padel – descendente de Darwin

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