Archive for the ‘ Leituras ’ Category

‘Antídoto contra la pestilente poesía de las «soledades»’, de Juan de Jáuregui

Juan de Jáuregui nasceu em Sevilha em 1583, de pais nobres. Sobre a sua formação pouco se sabe, excepto que esteve em Itália, provavelmente a estudar pintura. Na verdade, no seu tempo teve fama como pintor, de cuja obra não restam senão algumas gravuras em livros de época, pois o retrato de Cervantes que lhe foi atribuído já não se considera seu.


Retrato de Miguel de Cervantes (?) de Juan de Jáuregui.
Alonso Zamora Vicente, Historia de la Real Academia Española, Madrid, Espasa, 1999, p. 12.

Em Roma, publicou em 1607 a tradução de Aminta de Torquato Tasso.
Em Sevilha, Jáuregui participou na tertúlia que se realizava no atelier do pintor Francisco Pacheco (mestre e sogro de Velásquez); pelo que é geralmente incluído no grupo que, a partir do século XIX, se tem autodenominado impropriamente escola sevilhana.
Em 1614 começou a escrever o Antídoto contra la pestilente poesía de las «Soledades», aplicado a su autor para defenderle de si mesmo, […]
Em 1618, Jáuregui publicou um volume de Rimas com uma tradução do Aminta (em que muito alterou face à saída em 1607). A Introdução às Rimas é um texto importante para conhecer a poesia de Jáuregui e o que ele pensava da poesia do seu tempo.
Jáuregui fixou-se em Madrid em 1619, sendo censor de novelas a partir de 1621 até à sua morte, em 11 de Janeiro de 1641.
Em 1624 publicou em Madrid o poema Orfeo e o Discurso poético, em que expõe as suas ideias sobre poesia. Estes dois livros foram então julgados contraditórios: enquanto o Discurso poético é um ataque ao gongorismo extremo dessa altura, o Orfeo foi lido como um poema que segue os grandes poemas de Luis de Góngora [1561-1627], saídos uns anos antes. O Orfeo é um poema dividido em cinco cantos, com 186 oitavas, que segue o tema de Orfeu e Eurídice exposto nas Metamorfoses de Ovídio, valendo-se também das Geórgicas de Virgílio, da Eneida e de fontes italianas, nomeadamente Poliziano e Marino. […]

E Já que a lira, em afinadas vozes,
precursora do canto se adianta,
e em mui lentos acordes ou velozes
soa a constante ou trémula garganta,
feras vorazes, áspides atrozes
amansa terno, sonoroso encanta;
chega essa voz, em rochas e montanhas,
a infundir vidas, a humanar entranhas.

Fragmento do Canto IV de Orfeo

A publicação de Orfeo provocou o aparecimento do Orfeo en lengua castellana, assinado por Juan Pérez Montalbán, amigo de Lope de Vega, que tem sido considerado pela crítica como o verdadeiro autor desta obra, mas que não quis aparecer descoberto contra Jáuregui, que, com o seu Antídoto, se tornara um dos maiores inimigos de Góngora. […]
Jáuregui é uma interessante figura da primeira metade do século XVII em Espanha, tanto pela sua poesia como pelas suas ideias, que mantinha com independência frente aos grandes poetas do seu tempo. Seguiu a evolução da poesia espanhola desde Garcilaso de la Vega [1498? – 1536], sendo um cultista que possivelmente aprendeu com Góngora mas não se alistou no grupo que se formou em torno do autor das Soledades; Seguindo a lição de Garcilaso e Herrera, teve a preocupação de ser claro, como se depreende dos seus escritos teóricos. A sua poesia, sobretudo o Orfeo, distingue-se pela capacidade descritiva, pela movimentação e colorido próprio do pintor que ele foi.

in Antologia da Poesia Espanhola do Siglo de Oro, segundo volume – Barroco
selecção e tradução de José Bento

Os Jesuítas e a Ciência em Portugal (séculos XIX e XX)

Apresentação do livro de Francisco Malta Romeiras “Ciência, Prestígio e Devoção” – Os Jesuítas e a Ciência em Portugal [séculos XIX e XX], com a presença do Professor Henrique Leitão (Prémio Pessoa 2014) e da Professora Ana Simões. | 10 de Fevereiro, às 18h30 na Livraria Ferin.

Os Jesuítas e a Ciência em Portugal

Quando a Companhia de Jesus foi restaurada em Portugal, em meados do século XIX, permanecia ainda a memória da forte campanha ideológica que o Marquês de Pombal lançara no século XVIII, segundo a qual os jesuítas teriam sido os principais responsáveis pelo atraso científico no nosso país. Conscientes da longevidade, da influência e da transversalidade absolutamente invulgares dos argumentos pombalinos, os jesuítas compreenderam que tinham de ultrapassar as acusações de obscurantismo para se estabelecerem com alicerces firmes em Portugal e, assim, reconquistarem a influência e o raio de acção que tinham tido nos séculos anteriores. Da vontade de recuperar a sua credibilidade científica acabaria por nascer um grande investimento no ensino e na prática das ciências naturais nos seus colégios, nomeadamente no Colégio de Campolide (1858-1910) e no Colégio de São Fiel (1863-1910). São Fiel foi ainda o berço da revista Brotéria (1902-2002), uma das mais importantes publicações científicas portugueses do século XX. Baseado nas histórias do Colégio de Campolide, do Colégio de São Fiel, e da revista Brotéria, este livro centra-se nas razões que levaram uma ordem religiosa como a Companhia de Jesus a empenhar-se tão ativamente no ensino e na prática das ciências, bem como no impacto profundo que esse empreendimento teve para a ciência e para a educação científica nos séculos XIX e XX. [Fonte]

Rainer Maria Rilke – dar vida à matéria

Torso arcaico de Apolo

Não sabemos como era a cabeça, que falta,
De pupilas amadurecidas, porém
O torso arde ainda como um candelabro e tem,
Só que meio apagada, a luz do olhar, que salta

E brilha. Se não fosse assim, a curva rara
Do peito não deslumbraria, nem achar
Caminho poderia um sorriso e baixar
Da anca suave ao centro onde o sexo se alteara.

Não fosse assim, seria essa estátua uma mera
Pedra, um desfigurado mármore, e nem já
Resplandecera mais como pele de fera.

Seus limites não transporia desmedida
Como uma estrela; pois ali ponto não há
Que não te mire. Força é mudares de vida.

Rainer Maria Rilke [4 Dez 1875 – 29 Dez 1926] – Tradução de Manuel Bandeira
Piero della Francesca - Resurrection, 1463Piero della Francesca [c.1415-1492] – Resurrection, 1463

 

Camões no Texas

O centro de investigação Harry Ransom da Universidade do Texas, em Austin, possui um dos raros exemplares da primeira edição de Os Lusíadas, impressa em 1572, em Lisboa. Camonianos defendem que o exemplar pertenceu ao poeta português, sendo por isso conhecido como o “de Camões”.
O artigo completo de Cláudia Silva no Público de 27-11-2013 pode ser lido aqui.

350 Anos do Sermão de Santa Catarina: Homenagem a Padre António Vieira

A Universidade de Coimbra honra a memória do Padre António Vieira [1608-1697] esta segunda-feira, 350 anos depois de o padre jesuíta ter pregado o seu único sermão em Coimbra, a 25 de Novembro de 1653. Do programa das comemorações promovidas pela UC, um destaque especial para a apresentação da obra completa do Padre António Vieira, “Vieira Global”.
Para ouvir na Antena 2, a partir das 17h00, ou para ver em livestream na UCV. Via.

350 Anos do Sermão de Santa Catarina

© Aguarela de João Alvim – cortesia Círculo de Leitores
Em 1663, o Padre António Vieira é chamado a Coimbra para comparecer diante do Tribunal do Santo Ofício, a terrível Inquisição. As intrigas da corte e uma desgraça passageira enfraqueceram a sua posição de célebre pregador jesuíta e amigo íntimo do falecido rei D. João IV. Perante os juízes, o Padre António Vieira revê o seu passado: a juventude no Brasil e os anos de noviciado na Bahia, a sua ligação à causa dos índios e os seus primeiros sucessos no púlpito. Impedido de falar pela Inquisição, o pregador refugia-se em Roma, onde a sua reputação e êxito são tão grandes que o Papa concorda em não o retirar da sua jurisdição. A rainha Cristina da Suécia, que vive em Roma desde a abdicação do trono, prende-o na corte e insiste em torná-lo seu confessor. Mas as saudades do seu país são mais fortes e Vieira regressa a Portugal. Só que a frieza do acolhimento do novo rei, D. Pedro, fazem-no partir de novo para o Brasil onde passa os últimos anos da sua vida. – Guilherme d’Oliveira Martins

Viagem musical pela Istambul de Orhan Pamuk

Segundo a Academia Sueca, o autor foi distinguido com o Prémio Nobel da Literatura 2006 porque, ‘na busca pela alma melancólica da sua cidade, descobriu novos símbolos para o confronto e o cruzamento de culturas’.
Alvo dos nacionalistas turcos pela sua defesa da causa arménia e curda, Pamuk é autor de uma obra que descreve as tensões da sociedade turca, entre o Oriente e o Ocidente, e tem-se, repetidamente, pronunciado contra os fundamentalismos e pelo entendimento entre as culturas.
Uma mensagem cuja importância é mais do que evidente na actual conjuntura e que vale para todos os fundamentalismos: religiosos, políticos, étnicos.
Via Agenda Cultural de Lisboa

“Diálogos sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo”, de Galileu

Início dos problemas com a Igreja Católica
[…] Em 1616, Galileu foi chamado a Roma, por ordem do Papa Paulo V, para ser advertido de que só poderia considerar o heliocentrismo (e a teoria de Copérnico) como mera hipótese académica (uma forma de facilitar cálculos), mas nunca como um facto. Tal advertência foi-lhe dada pelo cardeal Belarmino, que também o avisou de que o livro de Copérnico fora proibido. É de notar coragem e perseverança de Galileu, pois nesses tempos desafiar a Igreja era muito perigoso: em 1600, o monge Giordano Bruno fora queimado vivo, atado a um poste, por afirmar que o Universo podia ser infinito e que haveria muitos planetas habitados, além da própria Terra. O inquisidor foi precisamente… Roberto Belarmino, mais tarde beatificado (1923) e canonizado (1930), passando a ser Santo e conhecido como São Roberto Belarmino.

A vida continua
Galileu contém-se por algum tempo, mas por fim (c.1624) começa a escrever uma das suas maiores obras: os Diálogos sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo, onde compara os sistemas geocêntrico (de Ptolomeu) e heliocêntrico (de Copérnico). O Papa desse tempo, Urbano VIII, autoriza-o a escrever esse livro desde que fale dos dois sistemas sem tomar partido pelo sistema heliocêntrico, suposto como mera hipótese. O livro é publicado em 22 de Fevereiro de 1632, mas o Papa, anteriormente amigo e admirador do sábio italiano (quando era o cardeal Maffeo Barberini), sente-se ridicularizado numa personagem do livro, defensora do geocentrismo (os inimigos de Galileu tiveram a habilidade de convencê-lo nesse sentido). A fúria do Papa é imensa e o livro é proibido: em 1633 Galileu é chamado a Roma, acorrentado se se recusar, apesar de já velho (69 anos) e doente. Ao fim de muitos e extensos interrogatórios e depois de lhe terem mostrado os instrumentos de tortura da Inquisição (o temível Santo Ofício), é forçado a negar as suas convicções. Não é queimado vivo, devido ao apreço do Papa e à influência de muitos amigos poderosos que tinha. Em vez disso é condenado a prisão perpétua, mais tarde comutada em prisão na sua casa pessoal de Arcetri, nos arredores de Florença. Sempre vigiado pelos oficiais da Inquisição.
Fontes: Portal do Astrónomo e Wikipedia

O exílio de Rimbaud

Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (Charleville, 20 de Outubro de 1854 – Marselha, 10 de Novembro de 1891)
Extracto da única obra por si publicada – Une Saison en Enfer, 1873: Délires II, Alchimie du verbe
Ilustração “Portrait d’Arthur Rimbaud” de Pablo Picasso, 1960
À moi. L’histoire d’une de mes folies.
Depuis longtemps je me vantais de posséder tous les paysages possibles, et trouvais dérisoire les célébrités de la peinture et de la poésie moderne.
J’aimais les peintures idiotes, dessus de portes, décors, toiles de saltimbanques, enseignes, enluminures populaires ; la littérature démodée, latin d’église, livres érotiques sans orthographe, romans de nos aïeules, contes de fées, petits livres de l’enfance, opéras vieux, refrains niais, rythmes naïfs.
Je rêvais croisades, voyages de découvertes dont on n’a pas de relations, républiques sans histoires, guerres de religion étouffées, révolutions de mœurs, déplacements de races et de continents : je croyais à tous les enchantements.
J’inventai la couleur des voyelles ! — A noir, E blanc, I rouge, O bleu, U vert. — Je réglai la forme et le mouvement de chaque consonne, et, avec des rythmes instinctifs, je me flattai d’inventer un verbe poétique accessible, un jour ou l’autre, à tous les sens. Je réservais la traduction.
Ce fut d’abord une étude. J’écrivais des silences, des nuits, je notais l’inexprimable. Je fixais des vertiges.

O demoníaco, na arte de Bosch

Enquanto se inicia a Reforma protestante, morre Hieronymus Bosch. Os seus seres infernais são híbridos que fazem pensar nas colagens diabólicas do Baldus, mas estão longe da iconografia anterior. Não nascem da mistura de pedaços de animais conhecidos, mas têm uma autonomia incubática própria e não se sabe se vêm do abismo ou habitam , indetectados, no nosso mundo. As criaturas que, no Tríptico das tentações de Santo Antão, assediam o eremita não são os demónios da tentação, demasiado maus para serem levados a sério. Quase divertidos, como personagens carnavalescas, são muito mais insinuantes. Em Bosch, disse-se que realizara «o demoníaco na arte», identificaram-se fermentos heréticos, referências ao mundo do inconsciente, alusões alquímicas e antecipações do surrealismo. Antonin Artaud fala dele pelo seu «teatro da crueldade» como um dos artistas que soube revelar-nos o lado obscuro da nossa psique.
Bosch era membro da Confraria de Nossa Senhora e de espírito conservador, mas, ao mesmo tempo, tão voltado para uma reforma dos costumes que as suas representações mais fazem pensar numa série de alegoria moralizantes sobre a decadência no seu tempo. No Jardim das Delícias ou no Carro de feno, não temos unicamente visões sulfúreas do além, mas igualmente cenas aparentemente delicadas, sensuais e idílicas, porém, terrivelmente inquietantes, do mundo dos prazeres terrenos que conduzirão ao inferno. Bosch quase parece antecipar o espírito do Theatrum diabolorum: fornece-nos não só visões de diabos existentes nos abismos da terra, como imagens dos vícios das sociedades em que vivia.
in História do Feio, de Umberto Eco

Hieronymus Bosch – Tríptico das tentações de Santo Antão, 1505-1506 – pormenor do painel central
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa

Bestiário

pormenor do Tríptico das tentações de Santo Antão, 1505-1506 – Hieronymus Bosch
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
Leviatã – Job, 41.1-27
Esperar vencer o crocodilo é um en­gano;
mal ele aparece, cai-se por terra.
Ninguém se atreve a provocá-lo;
quem lhe resistirá de frente?
Quem o pode acometer e sair com vida?
Ninguém, debaixo do céu!
Não deixarei de falar da forma dos seus
membros;
direi que o seu vigor é incom­pa­rável.
Quem jamais o despojou da sua couraça?
Quem penetrou na dupla fila dos seus
dentes?
Quem abriu as portas da sua boca?
Os seus dentes infundem terror!
O seu dorso está revestido de es­cudos,
cujas juntas estão estreitamente ligadas;
uma encaixa na outra; nem o ar passa
entre elas;
estão tão unidas entre si e tão bem
travejadas,
que não podem separar-se.
Os seus espirros relampejam fogo,
os seus olhos são como clarões
da aurora.
Da boca saem-lhe chamas como archotes
ardentes.
As narinas deitam fumo,
como uma panela que ferve ao fogo.
O seu hálito queima como brasa
e a sua boca lança chamas.
No seu pescoço reside a força
e, diante dele, tremem de espanto!
Os seus músculos estão bem li­ga­dos
e bem constituídos; nada os de­move.
O seu coração é duro como pedra,
e sólido como a mó fixa dum moi­nho.
Quando se levanta, tremem os heróis,
e cheios de medo, afastam-se.
A espada que investe contra ele
não resiste,
nem a lança, nem os dardos, nem as flechas.
O ferro para ele é como palha,
o bronze, como madeira carco­mida.
A flecha não o obriga a fugir,
as pedras da funda são como
pa­lhinhas para ele.
O martelo, para ele, é como pa­lha;
ri-se do sibilar dos dardos.
O seu ventre é coberto de escamas
pontiagudas
que deixam um rasto marcado so­bre a lama.
Faz ferver o abismo como uma marmita
e transforma o mar num caldei­rão.
Deixa atrás de si um caminho
lu­minoso,
como se o abismo tivesse uma ca­beleira branca.
Não há na terra quem lhe seja
semelhante,
pois foi feito para não ter medo.
Olha de frente tudo o que é grande,
é o rei de todos os animais fero­zes.