As Idades do Mundo #2

O segundo programa da série As Idades do Mundo, de  Ana Mântua e João Chambers, é dedicado a Jheronimus Bosch. Quem não puder ouvir a emissão de domingo às 10h00 na Antena 2, tem a possibilidade de aceder ao  Arquivo a partir de segunda-feira.

As “Imagens do Mundo” e da Humanidade através das visões de Jheronimus Bosch (?-1516) e da música de Joachimus de Monte, Cristianus Hollander, Jean Richafort, Nicolas Gombert e de autores anónimos, extraída dos “Livros de Coro do Colégio das Sete Horas Litúrgicas” da Igreja de São Pedro, na cidade de Leiden, nos Países Baixos, sobrevivente da fúria iconoclasta e destruidora, dos dias 25 e 26 de agosto de 1566, que discordava da existência, não particularmente devota, de alguns membros da ordem religiosa local.

O Universo numa Casca de Noz

Fechado numa casca de noz

Eu poderia julgar-me rei

de um espaço infinito…

– Shakespeare, Hamlet, acto 2, cena 2
(tradução de Sophia de Mello Breyner Andresen)

As Idades do Mundo

A rubrica Caleidoscópio da Antena 2 difunde desde ontem uma série de 12 programas de audição obrigatória. Domingo às 10h00 | Ana Mântua/João Chambers

“Tomando como ponto de partida a obra-prima do pintor português Francisco de Holanda De Aetatibus Mundi Imagines, ou Imagens das Idades do Mundo, realizada no triénio 1545-1547, onde, numa linguagem totalmente inovadora e através de mais de centena e meia de ilustrações, se narra a história do mundo a partir do primeiro dia da Criação, concebemos uma série de doze programas que toma como denominação parte daquele título.
As características cíclicas da história da Humanidade, aliadas à permanente influência e contaminação de vários tipos de linguagens e de imagéticas, proporcionaram o eterno retorno às concepções do passado, nem que fosse apenas para as renegar, sendo os mesmos temas, por diversas vezes e ao longo dos tempos, retomados e apreendidos de diferentes formas pelos seus autores.
Tal como afirma o filósofo francês Gilles Deleuze ao caracterizar a cultura universal como “a civilização da imagem”, o tema principal destas emissões será o da sua força e a poderosa capacidade de arrebatamento, deleite ou, simplesmente, horror.
Privilegiando a música e a palavra que lhe está associada, abordaremos, ao longo dos próximos domingos, personalidades ímpares do génio artístico universal, as quais contribuíram, de forma indelével, para a renovação da imagem do mundo em diferentes momentos da História.”
Por Luís Ramos.

Musica Aeterna – seis séculos do nascimento de Joana d’Arc

Dias 07 e 14 de Janeiro, na Antena 2.

Considerando a documentação, toda de uma excepcional riqueza histórica, a sobreviver até aos nossos dias, constituída pelos vários volumes dos dois processos que lhe instauraram – o de condenação em 1431 e o de reabilitação em 1456 –, Joana d’Arc mantém-se como uma das personagens mais conhecidas e enigmáticas do século XV. Na verdade, esta circunstância refere-se, em primeiro lugar, ao contraste que tornou a sua acção, a par das fontes históricas que a documentam, profundamente desconcertante. Desde camponesa iletrada, ou seja, a parca instrução limitava-se a pouco mais do que saber recitar de cor várias orações, aos ecos de sermões escutados ou até às conversas com personalidades influentes, foi guindada a uma posição de grande destaque na História de França.
João Chambers

Reflexos do Desassossego

Criar dentro de mim um estado com uma política, com partidos e revoluções, e ser eu isso tudo, ser eu Deus no panteísmo real desse povo-eu, essência e acção dos seus corpos, das suas almas, da terra que pisam e dos actos que fazem. Ser tudo, ser eles e não eles. Ai de mim! este ainda é um dos sonhos que não logro realizar. Se o realizasse morreria talvez, não sei porquê, mas não se deve poder viver depois disso, tamanho o sacrilégio cometido contra Deus, tamanha usurpação do poder divino de ser tudo.
O prazer que me daria criar um jesuitismo das sensações!
Há metáforas que são mais reais do que a gente que anda na rua. Há imagens nos recantos de livros que vivem mais nitidamente que muito homem e muita mulher. Há frases literárias que têm uma individualidade absolutamente humana. Passos de parágrafos meus há que me arrefecem de pavor, tão nitidamente gente eu os sinto, tão recortados de encontro aos muros do meu quarto, na noite, na sombra, (…). Tenho escrito frases cujo som, lidas alto ou baixo – é impossível ocultar-lhes o som – é absolutamente o de uma coisa que ganhou exterioridade absoluta e alma inteiramente.
Porque exponho eu de vez em quando processos contraditórios e inconciliáveis de sonhar e de aprender a sonhar? Porque, provavelmente, tanto me habituei a sentir o falso como o verdadeiro, o sonhado tão nitidamente como o visto, que perdi a distinção humana, falsa, creio, entre a verdade e a mentira.
Basta que eu veja nitidamente, com os olhos ou com os ouvidos, ou com outro sentido qualquer, para que eu sinta que aquilo é real. Pode ser mesmo que eu sinta duas coisas inconjugáveis ao mesmo tempo. Não importa.
Há criaturas que são capazes de sofrer longas horas por não lhes ser possível ser uma figura dum quadro ou dum naipe de baralho de cartas. Há almas sobre quem pesa como uma maldição o não lhes ser possível ser hoje gente da idade média. Aconteceu[-me] deste sofrimento em tempo. Hoje já me não acontece. Requintei para além disso. Mas dói-me, por exemplo, não me poder sonhar dois reis em reinos diversos, pertencentes, por exemplo, a universos com diversas espécies de espaços e de tempos. Não conseguir isso magoa-me verdadeiramente. Sabe-me a passar fome.
Poder sonhar o inconcebível visibilizando-o é um dos grandes triunfos que não eu, que sou tão grande, senão raras vezes atinjo. Sim, sonhar que sou por exemplo, simultaneamente, separadamente, inconfusamente, o homem e a mulher dum passeio que um homem e uma mulher dão à beira-rio. Ver-me, ao mesmo tempo, com igual nitidez, do mesmo modo, sem mistura, sendo as duas coisas com igual integração nelas, um navio consciente num mar do sul e uma página impressa dum livro antigo. Que absurdo que isto parece! Mas tudo é absurdo, e o sonho ainda é o que o é menos.
Bernardo Soares, Ajudante de Guarda Livros na Cidade de Liboa
in Livro do Desassossego, trecho 157.

Gustav Klimt (1862-1918) – Tragedy, 1897

Claude Monet (1840-1926) “Ramo de Girassóis”, 1881

Óleo sobre tela, 101 x 81,3 cm | Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque. Doação de Mrs. H.O. Havemeyer, 1929
Esta tela foi apresentada na sétima exposição ” impressionista “1882, obtendo uma excelente recepção dada a sua natureza enérgica e ousada. Neste momento da sua carreira, Monet começava a distanciar-se da sua anterior identidade enquanto uma das principais figuras do que então era o “movimento impressionista ” firmemente estabelecido, desenvolvendo uma técnica e explorando fromas de projecto artístico – em particular, variações seriais – de carácter marcadamente diferente.
Monet escolhia estes girassóis no seu próprio jardim em Vétheuil, representado aqui o aspecto fresco das flores, mas também o rápido definhar da folhagem. As flores encontram-se no que aparenta ser uma jarra chinesa ou japonesa de loiça azul e branca, que por sua vez assenta numa toalha ou num tapete de vibrante padrão vermelho. Os girassóis projectam-se em sentido ascendente, contorcendo-se e ultrapassando o limite da tela à direita e quase tocando à esquerda. Duas flores no alto e uma outra, em representação frontal, ao centro, formam um triângulo de três espécimes magníficos.
Após uma observação atenta, a sua vibração cromática deve-se a uma interacção de amarelos e vermelhos cuidadosamente construída , evidenciando-se graças ao opulento fundo de azuis e rosas difusos e aos intensos vermelhos, azuis e verdes da toalha. O recurso a contrastes de cores complementares aplicadas em pinceladas e retocadas diversas vezes é característico da alteração registada na técnica de Monet nesta fase. O que torna esta obra tão irresistível é o contraste estabelecido entre o notável efeito visual deste ramo selvagem e o fervilhar quase incoerente da superfície pintada da toalha ou da folhagem quando observada de perto.
Neil Cox, comissário da exposição A Perspectiva das Coisas. A Natureza-morta na Europa (1840-1955)
por: Teresa Pizarro, in
 Molduras – Antena 2

“A persistência da imagem na retina”

O princípio, atribuído a Joseph-Antoine Plateau (1801-1883), traduz-se no fenómeno da velocidade de transmissão das imagens ao cérebro, que as interpreta como movimento se a sua sequência for animada. Foi essa ilusão que os Irmãos Lumière criaram através do seu Cinematógrafo com a projecção, em 28 de Dezembro de 1895, da Saída dos Trabalhadores da Fábrica Lumière. Nascia assim o cinema!

«Dream Lover»

«Odeio Valentino! Nós, os homens, todos os homens, odiamos Valentino! E estamos no direito de o odiar! Odeio o seu nariz clássico, a sua cara romana, odeio a ambiguidade do seu sorriso e o brilho dos seus dentes brancos; odeio o corte oriental dos seus olhos e esse olhar fixo e penetrante como o de Svengali; (…) odeio-o por ter feito amor no ecrã com belezas como as de Dorothy Dalton, Nita Naldi, Gloria Swanson, e porque muitas, muitas mais, dariam qualquer coisa para ter estado no lugar daquelas.»

Prenda da Melhor Filha do Mundo!

A fascinating document of Keith Jarrett’s solo concert in Rio de Janeiro on April 9, 2011. The pianist pulls a broad range of material from the ether: thoughtful/reflective pieces, abstract sound-structures, pieces that fairly vibrate with energy. The double album climaxes with a marvellous sequence of encores. 40 years ago Keith Jarrett recorded his first ECM disc, the solo piano “Facing You”. He has refined his approach to solo music many times since then, always finding new things to play. So it is here, in this engaging solo recording from Brazil.
Almost exactly forty years ago, Keith Jarrett’s association with ECM began with the recording of a solo piano album. “Facing You” (1971) was soon followed by the initiation of the solo concerts, evenings of piano improvisations, documented now on a range of influential live recordings which include “Solo Concerts (Bremen-Lausanne)”, “The Köln Concert”, “Sun Bear Concerts”, “Concerts (Bregenz-München”), “Dark Intervals”, “Paris Concert”, “Vienna Concert”, “La Scala”, “Radiance”, “The Carnegie Hall Concert” and “Testament, Paris-London”. The span of music addressed on these albums is vast, but they share a common genesis in improvisation, as well as a most remarkable artistic consistency. If it is no longer uncommon for improvisers to fill an evening’s music-making alone, Jarrett remains unrivalled in his capacity to uncover new forms in the moment: the concept of ‘spontaneous composition’ is more than an ideal here.
Latest in the series of ongoing solo concert recordings is “Rio”. Jarrett had played Brazil only once before, more than two decades ago, and said, before his South American concerts, that he felt he had “unfinished business” there: “I really had no idea what I meant, but this concert is it. Everything I played in Rio was improvised, and there is no way that I could have gotten to this particular musical place a second time, or in a different country: not even in a different hall or with a different audience, or on a different night.”
“Rio” documents the entire spontaneous concert at the Theatro Municipal, Rio de Janeiro on April 9, 2011. The music that emerges, on this instance, has an intensely lyrical core, reflected in the fifteen short pieces that make up the concert. There is an intimate quality, too, which draws the listener toward it, from the first moments. Jarrett feels the concert was one of his best: “jazzy, serious, sweet, playful, warm, economical, energetic, passionate, and connected with the Brazilian culture in a unique way. The sound in the hall was excellent and so was the enthusiastic audience.”
Via ecmrecords.com

O mecenato papal na Roma do século XVI, através do génio de Kapsberger

De Johannes Hieronymus Kapsberger, autor de génio veneziano de ascendência alemã (1580-1651) que desenvolveu em Roma o estilo dos instrumentos de corda dedilhada, sugiro a peça Passacaglia do Libro quarto d’intavolatura di chitarrone (1640), interpretada pelo norueguês Rolf Lislevand (alaúde e tiorba).
A escolha foi inspirada pela audição do Musica Aeterna de 10 de Dezembro de 2011.