Arquivo de Agosto, 2007

Para renascer, é preciso morrer…

Em 1995, Max Roach esteve entre nós. Ontem, deixou-nos.
A sua good vibe é eterna. Até jazz…


Nova Iorque, 17 Ago (Lusa) – O baterista Max Roach, virtuoso da percussão e um dos pioneiros do jazz moderno, morreu quinta-feira em Nova York aos 83 anos, após doença prolongada, anunciou hoje a editora discográfica Blue Note.

Roach, nascido na Carolina do Norte em 1924 e criado no bairro nova-iorquino de Brooklyn, fica na história como um dos reinventores do jazz, a que dedicou toda a sua vida e com o qual quebrou numerosas barreiras musicais graças ao seu estilo peculiar de tocar bateria.

As suas improvisações e as inovações rítmicas que introduzia nas suas composições e que ajudaram a definir o som sofisticado do “bepop jazz” granjearam-lhe um lugar importante na história da música.

Génio autodidacta, destacou-se desde a adolescência, nos anos 40, como uno dos aventureiros que fizeram evoluir o jazz e desafiaram os ouvidos mais conservadores.

A sua atitude aventureira marcaria toda uma carreira, em que ultrapassou as fronteiras do jazz, ao colaborar com coros de gospel, grupos de hip-hop, artistas visuais e todo o tipo de iniciativas musicais.

Actuou pela primeira vez aos 16 anos, em 1940, quando conseguiu encher durante três noites um clube de jazz nova-iorquino como substituto de um baterista.

Essa actuação viria a abriu-lhe as portas do mítico Milton’s Playhouse, no bairro de Harlem, onde conheceria o saxofonista Charlie Parker e o trompetista Dizzy Gillespie.

Em 1944, Roach protagonizou uma das primeiras sessões de gravação de “bepop jazz” ao lado de Gillespie e do também lendário saxofonista Coleman Hawkins.

Com a sua rápida batida na bateria, Roach também colaborou com Miles Davis e a Capitol Orchestra em várias sessões de gravação.

Nos anos 60, 70 e 80, graças à sua imaginação, conseguiu manter-se no topo com inúmeras colaborações musicais e a formação de várias bandas que ele próprio dirigia.

Na década de 70, Roach fez história ao tornar-se o primeiro músico de jazz a dar lições de música como professor titular na Universidade de Massachusetts.

Deixou a actividade docente no final dos anos 90, mas continuou activo e fez digressões com o seu quarteto até 2000.

A sua última colaboração como compositor foi en 2002, quando escreveu e interpretou a música do documentário “How to fraw a bunny”, sobre o artista Ray Johnson.

CM

Não há bela sem senão… e vice-versa

As leoas Marisa e Isabel mudaram-se para Braga para seguirem as carreiras dos respectivos maridos.
Coincidência ou talvez não, o clube teve uma bela prestação na época passada e a SAD muito bons resultados.
Bem podia a instituição que contratou Rosa Mota (até pode ser boa senhora, mas tem um senão…) trocá-la por uma destas musas, já que a Fernanda assinou por várias épocas com um rival.
Quem sabe, sabe…
E o professor Miguel Beleza é que sabe.

vidas interrompidas

Foi bonito
O meu sonho de amor.
Floriram em redor
Todos os campos em pousio.
Um sol de Abril brilhou em pleno estio,
Lavado e promissor.
Só que não houve frutos
Dessa primavera.
A vida disse que era
Tarde demais.
E que as paixões tardias
São ironias
Dos deuses desleais.

O Tempo dos Sonhos

“Com Mário Rita as diferentes qualidades/características espaciais tornam-se evidentes através das subtis manipulações dos corpos e linhas geométricas: as casas prolongam-se indefinidamente até aos limites da tela, os corpos (como em Alice) chegam aos confins, para lá do olho.
O corpo surge não só como modo de ocupação dos espaços pictóricos que Mário Rita desenha, mas como prolongamentos naturais de todas as formas geométricas: lembrem-se as passagens na Alice de Lewis Carrol em que o corpo de transforma em casa e a casa no corpo.
Não é o caso em que a minha casa é o meu corpo, mas o paradigma é o de a minha casa ter de ser feita à medida do meu corpo, para o meu corpo habitar: um princípio fisionómico em que o homem é a medida padrão de todas as grandezas.
Em última instância, trata-se da descoberta da coincidência do corpo humano com a génese da ocupação/utilização que as formas fazem no espaço, isto é, com a própria arquitectura”.


Alice significa, em termos filosóficos, que a percepção que se tem das coisas está sempre a sofrer alterações: atribuem-se significados e qualidades às coisas não com base num critério objectivo, físico, verificável, mas porque o nosso aparelho sensitivo vai estabelecendo com essas coisas diferentes relações.
Sendo esta a base das qualidades do mundo, tudo passa a inscrever-se num horizonte de instabilidade.

Textos de Nuno Crespo

A Exposição de Mário Rita pode ser visitada no Museu da Cidade até 2 de Setembro

Jazz em Agosto, ou O Regresso das Estrelas

O regresso de Coleman a Portugal deu o mote para o regresso aos posts no Aqui Jazz o Fado, incompreensivelmente abandonado desde Abril.
A imaginada parceria para alimentar este espaço e que até agora não teve lugar levou-me a pensar em acabar com o blog, mas decidi-me por lhe dar um novo fôlego.
Vamos ver o que vai acontecer…

Numa sala esgotada e com o bonito cenário natural do jardim da Gulbenkian por trás do palco, era enorme a expectativa sobre a actuação de um dos monstros do jazz, a fechar o Jazz em Agosto 2007.

A abrir
O ritmo imposto por Coleman na meia dúzia de temas que alimentaram o concerto ao longo de pouco mais de uma hora, empurrou Tony falanga e Charnett Moffett ( contrabaixos) para registos frenéticos, enquanto Al MacDowell (baixo eléctrico) foi quase sempre a ordem no meio do aparente caos dos temas apresentados. O resultado final foi sempre brilhante.
Coleman é um bom ditador em palco. Como que espartilha a criatividade dos restantes músicos, obrigando-os a segui-lo nas mudanças de tom imprimidas ao longo dos temas.
Quanto a Denardo Coleman (bateria), é um óptimo exemplo do que distingue os bateristas americanos dos europeus. Mais enérgico que ele é difícil, mesmo nos temas com mais swing.


Soube a pouco
Mesmo tendo ficado com a sensação de um público pouco entusiasmado com este jazz que, convenhamos, não é de ouvido fácil, só no final do espectáculo mostrou o merecido reconhecimento a Coleman, com a sala de pé a aplaudir.
Após ter voltado uma única vez, Coleman foi à plateia buscar uma criança, talvez a única na sala, para, num simbólico encontro de gerações, dizer que o menino se chamava Jerôme e que não tinha nada para dizer… 🙂

O Reino que será dos que queiram merecê-lo…

No centenário do seu nascimento (no próximo dia 12), impõe-se uma visita ao Reino que Torga testemunhou, embora muitas pessoas digam que não.
Para percorrer as terras por si enaltecidas, tentei que os meus olhos não perdessem a virgindade original diante desta realidade. Foi sem hesitação que lá deixei o coração, o que quase me ia sendo fatal. A 27, dia do nascimento de meu pai, espero voltar ao Vale Encantado.
Os textos em itálico pertencem a Um Reino Maravilhoso, os restantes textos foram retirados daqui. As imagens são minhas.

Os sabores da terra

A oferta gastronómica não se assume como simples curiosidade regional, mas como verdadeira expressão dos hábitos e costumes transmontanos, que brota da força fertilizante da terra e do viço das árvores.

Mas a terra é a própria generosidade ao natural. Como num paraíso, basta estender a mão. Produz batata, azeite, cortiça e linho. Batata farinhuda, que se desfaz na boca; azeite loiro, que sai em luz da almotolia; cortiça que deixa os sobreiros nus para agasalhar os enxames; e linho fresco, fino, que, tecido em lençóis, faz o bragal das noivas.
De figos, nozes, amêndoas, maçãs, pêras, cerejas e laranjas nem vale a pena falar. São mimos dum pomar variegado, que nenhuma imaginação descreve quando a primavera estala nos ramos.

O pão é o alimento apreciado na mesa transmontana, mas que, desde o lançamento da semente à terra, da sua colheita, da malhada até ao ritual da cozedura, revela o trabalho árduo do homem feito camponês:

Não se vê por que maneira este solo é capaz de dar pão e vinho. Mas dá. Pão de milho, de centeio, de cevada e de trigo. Pão integral. Por ser pão e por ser amassado com o suor do rosto. Sabe a trabalho. Mas é por isso que os naturais o beijam quando ele cai no chão…

Festas/S. Martinho

Algumas festividades implicam manjares próprios das comemorações dos respectivos oragos ou patronos. É o caso do dia de S. Martinho, cujas celebrações são festejadas com “magustos” de castanhas e vinho.

Mas o fruto dos frutos, o único que ao mesmo tempo alimenta e simboliza, cai dumas árvores altas, imensas centenárias, que, puras como vestais, parecem encarnar a virgindade da própria paisagem. […] a castanha. Assada, no S. Martinho, serve de lastro à prova do vinho novo. Cozida, no Janeiro glacial, aquece as mãos e a boca de pobres e ricos. Crua, engorda os porcos, com a vossa licença…

O Vinho e a Vinha

O vinho de moscatel, de alvarelhão, de penaguiota, de malvasia fina, o “vinho do Porto”, que seguia, em tempos idos, em barcos rabelos até à zona ribeirinha do Porto e de Gaia, tem a sua expressão máxima nas encostas xistosas do Douro.

Nas margens de um rio de oiro , crucificado entre o calor do céu que de cima o bebe e a sede do leito que de baixo o seca, erguem-se os muros do milagre. Em íngremes socalcos , varandins que nenhum palácio aveza, crescem as cepas como os manjericos às janelas. No Setembro, os homens deixam as eiras da Terra-Fria e descem, em rogas, a escadaria do lagar de xisto. Cantam, dançam e e trabalham. Depois sobem. E daí a pouco há sol engarrafado a embebedar os quatro cantos do mundo.


Matança do porco

A matança do porco e o fumeiro, como uma festividade doméstica, encontram-se entre os costumes que Miguel Torga mais vezes relata. Não apenas como espectador, mas como participante activo dessa tradição secular da sua aldeia.

É destes que se tem de partir para chegar à trindade tradicional do reino: os presuntos, as alheiras e os salpicões.
Por alturas do Natal, começa a matança. Ao romper da manhã, a paz de cada povoado é subitamente alarmada. Um grito esfaqueado irrompe do silêncio. Dias depois desmancha-se a bisarma, e um pálio de fumeiro cobre a lareira.
Quem não comeu ainda desses manjares ensacados, prove… E há-de encontrar neles o sabor das invernadas passadas ao borralho enquanto a neve cai, o perfume das graças dadas por alma daqueles que Deus tem, a magia da história de João de Calais contada aos filhos, e uma ciência infusa de temperar, que vem desde que a primeira nau chegou à Índia.

A Paisagem Humana

A realidade transmontana está associada a factores que exercem influência na singularidade das atitudes e da cultura do homem montanhês. Este, tal como Miguel Torga o canta, está habituado ao isolamento morfogeológico e crente só em si na luta pela sobrevivência, assume-se como entidade autóctone, dotada de notável robustez, de grande coragem, de sentimento granítico e de espírito aberto, franco e solidário com seus irmãos.

Homens de uma só peça , inteiriços, altos e espadaúdos, que olham de frente e têm no rosto as mesmas rugas do chão. Castiços nos usos e costumes, cobrem-se com varinos, croças e mais roupas de serrobeco ou de colmo, e nas grandes ocasiões ostentam uma capa de honras, que nenhum rei! […] Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde:
–Entre quem é!
Sem ninguém a perguntar mais nada, sem ninguém vir à janela espreitar, escancara-se a intimidade duma família inteira. O que é preciso agora é merecer a magnificência da dádiva.

Trás-os-Montes

O território torguiano, como o poeta tão bem trasladou em forma de letra para a sua obra, é todo o Portugal, e é ainda a Ibéria. Neste roteiro é, no entanto, obrigatório delimitar, nesta vastidão espacial, as principais fronteiras. Eis Trás-os-Montes.

A autoridade emana da força interior que cada qual traz do berço. Dum berço que oficialmente vai de Vila Real a Montalegre, de Vinhais a Bragança, de Bragança a Miranda, de Miranda a Freixo, de Freixo à Barca de Alva, da Barca à Régua e da Régua novamente a Vila Real, mas a que pertencem Foz Côa, Meda, Moimenta e Lamego – toda a vertente esquerda do Doiro até aos contrafortes do Montemuro, carne administrativamente enxertada num corpo alheio, que através do Côa, do Távora, do Torto, do Varosa e do Balsemão desagua na grande veia cava materna as lágrimas do exílio.
Um mundo! Um nunca acabar de terra grossa, fragosa, bravia, que tanto se levanta a pino num ímpeto de subir ao céu, como se afunda nuns abismos de angústia, não se sabe por que telúrica contrição.

Terra-Quente e Terra-Fria. Léguas e léguas de chão raivoso, contorcido, queimado por um sol de fogo ou por um frio de neve. Serras sobrepostas a serras. Montanhas paralelas a montanhas. Nos intervalos, apertados entre os lapedos, rios de água cristalina, cantantes, a matar a sede de tanta aridez. E de quando em quando, oásis da inquietação que fez tais rugas geológicas, um vale imenso, dum húmus puro, onde a vista descansa da agressão das penedias.

Veigas que alegram Chaves, Vila Pouca, Vilariça, Mirandela, Bragança e Vinhais.
Mas novamente o granito protesta. Novamente nos acorda para a força medular de tudo. E são outra vez serras, até perder de vista.

Para que não esqueçamos

Isto de estar (mal) habituado a ter tudo à mão só porque se vive na capital do império…
Este ano, quem quiser ver a World Press Photo, tem até domingo para ir a Portimão. Hélàs!

A foto vencedora deste ano é do repórter fotográfico norte-americano Spencer Platt que, num artigo publicado na Visão da semana passada, nos deixa alguns tópicos para reflexão.

Qualquer boa foto deve contar uma história e ser universalmente compreendida pelas várias culturas. Platt chama a atenção para a dificuldade de – nos dias de hoje – as imagens fazerem as pessoas pensar; Não só pela facilidade com que hoje se faz um boneco, como também para a introdução do vídeo nos trabalhos de foto-reportagem.
E que devemos manter e alimentar a curiosidade pelo mundo.
Eu acrescentaria, a esperança na humanidade…

por falar em música* …

É curioso que, precisamente um ano depois de publicar um post sobre o Jazz em Agosto na Gulbenkian, o deste ano tenha o mesmo tema.
Deve-se ao destaque dado a Coleman no suplemento Ípsilon do Público de hoje, que teve o efeito de uma descarga eléctrica: não tinha bilhete. Mas isso é passado.


Ornette Coleman, saxofonista alto, gravou no princípio da sua carreira um álbum intitulado «The Shape of Jazz To Come». Correndo o risco de parecer uma manifestação de arrogância juvenil – Coleman tinha apenas 29 anos nessa altura – este título acabou, na verdade, por se revelar profético. Coleman é o criador do conceito musical «harmolodic», uma forma musical que pode igualmente ser vista como uma filosofia de vida. A riqueza da harmolodics advém da interacção única que ocorre entre os músicos.

Rompendo as barreiras de rítmos rígidos e de expectativas convencionais, harmónicas ou estruturais, os músicos harmolódicos improvisam juntos, dando origem ao que Coleman chama «improvisação composicional», enquanto se mantêm, invariavelmente, em sintonia com a fluência, o sentido e as necessidades dos seus parceiros. (…). Ornette descreve-o como: «Retirar ao som o sistema de castas.» A um nível mais abrangente, harmolodics proporciona o balanço entre a liberdade de se estar como se quer, desde que se ouça os outros, e se trabalhe com eles no desenvolvimento de uma harmonia própria e individual.

Pela sua visão fundamental e inovação, Coleman foi alvo de tributos que incluem o MacArthur «Genius» Award, a admissão à Academia Americana das Artes e das Letras, o doutoramento honoris causa pela Universidade da Pensilvânia, a Letter of Distinction do American Music Center e o Prémio das Artes do Governador do Estado de Nova Iorque. No entanto, o caminho para este seu reconhecimento universal nem sempre foi ameno.

Nascido a 9 de Março de 1930 em Fort Worth, Texas, num período de grande segregação, o seu pai morreu quando Coleman tinha apenas sete anos. A sua mãe, costureira de profissão, trabalhou muito para poder comprar a Coleman o seu primeiro saxofone quando este tinha 14 anos de idade. Tendo aprendido sozinho a tocar de ouvido a partir de um livro prático de piano, Coleman ficou à vontade com o instrumento e começou a tocar com bandas locais de rhythm & blues.

Coleman sabia que não estava só na sua busca de uma sonoridade que expressasse a realidade tal como ele a percepcionava. As competitivas sessões que aludiam ao bebop tinham que ver apenas com auto-expressão na sua forma mais elevada. «Eu podia tocar e soar, nota-a-nota, como Charlie Parker, mas estava apenas a tocar pela técnica. Tentei então perceber para onde devia ir a partir daqui», afirmou Coleman. Los Angeles provou ser o laboratório daquilo que veio a chamar-se jazz. Aí, começaram a juntar-se em torno de Coleman um grupo de músicos que viriam a ter grande expressão na sua vida: um trompetista adolescente e esguio chamado Don Cherry, e Charlie Haden, um contrabaixista de ar angélico com um estilo contemplativo e firme. Os bateristas Ed Blackwell e Billy Higgins também se juntaram aos intensos e exploratórios ensaios, durante os quais Coleman ia refinando o seu vocabulário num saxofone de plástico, apesar da falta de actuações ao vivo. No entanto, e por simples persistência, a criatividade de Coleman atraía admiradores.

Red Mitchell, baixista de bebop e antigo associado de Cherry, levou o saxofonista a Lester Koenig da Contemporary Records com a intenção original de lhe vender alguns dos seus trabalhos. Apercebendo-se das dificuldades que os músicos sentiam ao tocar a música, Koenig perguntou a Coleman se ele era capaz de tocar as melodias. Este encontro fez com que Coleman gravasse o seu primeiro álbum «Something Else» em 1958.

A energia e electricidade que se foi gerando em torno de Ornette e dos seus músicos «explodiu» durante a legendária temporada em que Coleman tocou no clube de jazz Five Spot em Nova Iorque, em Novembro de 1959. Os rumores a propósito da abordagem não convencional do jovem texano, instigaram zunzuns antes dos espectáculos e, enquanto as duas semanas previstas inicialmente se transformavam num programa seguido de seis semanas, o revolucionário quarteto de Coleman tornou-se o acontecimento a não perder da temporada.

E no entanto, conforme Robert Palmer, escritor e associado de Coleman de longa data, refere nas suas notas da colectânea dos Atlantic years intitulada «Beauty Is A Rare Thing» (Rhino/Atlantic), «O ouvinte dos dias de hoje muito provavelmente ouvirá estas peças como trabalhos bem concebidos, e soberbamente alcançados em sede própria, e voltará a interrogar-se quanto às razões da controvérsia que geraram na altura.»

Coleman depressa iniciou estudos de trompete e violino, expandindo a sua sempre prolífica composição a trabalhos para quartetos de cordas, quintetos de sopro e peças sinfónicas. Escreveu a sinfonia «Skies of America» com um subsídio da Fundação Guggenheim, partiu para Marrocos em 1973 para trabalhar com os Master Musicians of Jajouka nas suas terras na montanha, e também visitou aldeias na Nigéria. Imediatamente após o seu regresso, as criações de Coleman reflectiam um novo som, um impacte harmolódico frontal, uma secção rítmica dobrada de percussão e baixo eléctrico, denominado Prime Time.

Em 1982, Coleman aceitou uma encomenda para refazer Skies of America para a Fort Worth Symphony e para compor uma peça de câmara, ambos os trabalhos para a abertura de Caravan of Dreams em Setembro de 1983. Os seus primeiros álbuns decorrentes desses eventos, Live at the Caravan e Prime Time/Prime Design (para Buckminster Fuller) foram lançados em 1984. O filme Ornette: Made In America, baseado no seu regresso a Fort Worth, foi estreado em 1985, assim como In All Languages.

A colaboração de Coleman com o guitarrista de jazz-rock Pat Metheny começou em finais de 1985, dando origem a «Song X», a uma digressão e a um novo público. Ornette alcançou um reconhecimento público mais alargado em finais dos anos 80 por ter tocado e gravado com os Grateful Dead e com Jerry Garcia, o seu hippy e virtuoso guitarrista. A afeição e o respeito que Coleman e o já falecido Garcia tinham um pelo outro ficou registada nas sessões «Virgin Beauty» gravadas em 1988 (CBS/Portrait).

Esta nova autonomia assinalou a temporada em que Coleman começou a ganhar sucessivos prémios pelas suas contínuas aventuras musicais. Criou a etiqueta Harmolodic e associou-se à Polygram Francesa. No decurso da década, a Harmolodic lançou uma série de trabalhos entre os quais «Tone Dialing», o primeiro, no qual um prelúdio de Bach é apresentado harmolodicamente.

Civilization 1997, um evento com a duração de quatro noites, teve lugar no Lincoln Center, no Avery Fisher Hall. Começou com uma apresentação de duas noites da Filarmónica de Nova Iorque, dirigida por Kurt Masur, em conjunto com Prime Time. O acontecimento mais esperado destas quatro noites foi talvez a primeira actuação do Quarteto Original em Nova Iorque, no espaço de duas décadas, com material inteiramente novo. Ouvir a fusão familiar e sempre estimulante da música de Coleman, Haden e Higgins era uma experiência emocional para muitos espectadores, que sentiram na profunda empatia dos músicos uma medida das suas próprias vidas e o cumprimento dos sonhos que tiveram quando ouviram o Quarteto quebrar concepções de música pela primeira vez. Um dos mais importantes tributos americanos, o MacArthur Foundation «genius» Grant, foi atribuído a Coleman em 1994 e, em 2004, foi galardoado com o prestigiante Dorothy and Lillian Gish Prize, um dos mais importantes prémios atribuídos no domínio das artes. Na generalidade, as actuações de Coleman, mais do que simples concertos, eram agora grandes acontecimentos multimédia que, simultaneamente, influenciavam e se reflectiam na comunidade das cidades que o recebiam, acontecimentos estes que tinham lugar durante várias noites em lugares importantes.

Em 2007, Coleman recebeu um dos prémios «2007 Grammy Lifetime Achievement Award». Em paralelo com este fantástico reconhecimento, o álbum Sound Grammar foi nomeado para um Grammy para «Melhor Álbum Instrumental de Jazz por um Indivíduo ou Grupo». Para além disso, em princípios de 2007, recebeu ainda outras distinções, tais como, o «Living Legend Award» em Washington, a «Texas Medal of the Arts» e, mais recentemente, o Prémio Pulitzer de Música, por Sound Grammar.

Metafísico, filósofo e eterno estudante, Coleman continua a iludir qualquer «categorização». O seu mundo Harmolódico continua a expandir-se com os conceitos deste artista sem limites. Certo dia afirmou: «A maior parte das pessoas pensa em mim apenas como um saxofonista e um artista de jazz, mas eu quero ser considerado como um compositor capaz de transcender todas as fronteiras.»

fonte:
Jazz em Agosto | Biografias
http://www.musica.gulbenkian.pt/jazz/

* a analogia ao post anterior não pretende induzir à sua leitura, embora a validade se mantenha