Archive for the ‘ Exposições ’ Category

Arte Portuguesa do Século XX (1910-1960) – Modernidade e vanguarda

Exposição no Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado
Arte Portuguesa do Século XX (1910-1960) – Modernidade e vanguarda | 30.06.2011 – 05.10.2011

Arte Portuguesa do Século XX (1910-1960) é a segunda de três grandes exposições que, sucessivamente, assinalam as comemorações dos 100 Anos do MNAC – Museu do Chiado, proporcionando uma visão global do seu acervo. Este período que, corresponde aos primeiros 50 anos de existência do museu, constituiu um momento determinante na história da arte portuguesa.
Nas primeiras décadas, os ventos de liberdade da revolução republicana abrem caminho para a afirmação de frentes de vanguarda e para o dealbar da modernidade. A partir dos anos 30, o desenvolvimento dos modernismos por diferentes gerações de artistas opera-se no contexto adverso de um regime ditatorial que, ao longo de mais de 40 anos, se estabelece num crescendo de censuras, gerando por parte dos artistas diversas reacções e movimentos face às limitações sociais e culturais e à parca informação que penetrava do exterior.
O conjunto de obras que aqui se apresenta resultou das aquisições realizadas pelos dois directores do MNAC neste período, Adriano de Sousa Lopes (1929-44) e Diogo de Macedo (1944-59), bem como de posteriores aquisições, doações e depósitos que foram consolidando núcleos autorais e actualizando a colecção com trabalhos de artistas emergentes, dando corpo à designação de Museu Nacional de Arte Contemporânea. Ainda que, por diversas vicissitudes históricas, alguns artistas e movimentos estejam insuficientemente representados neste acervo, sendo o caso mais evidente Maria Helena Vieira da Silva, a exposição traça um panorama da época, dos seus criadores e das respectivas dinâmicas da arte portuguesa ao longo destas primeiras cinco décadas do século XX.
Adelaide Ginga, Curadora da Exposição.

Muros, de Ana Vieira

Muros de Abrigo | Ana Vieira | 14 de Janeiro a 27 de Março 2011, CAM | Curadoria: Paulo Pires do Vale
Leituras relacionadas: Muros de Abrigo e Contra a retórica da certeza

Muro-Arte

Em toda a obra de Ana Vieira persistente e original, na sua radicalidade e distinção, é o próprio muro de abrigo da arte no seu pedestal que é posto em causa. No Ambiente de 1971, apresenta-nos o ritual fúnebre da arte “plintável”: a Vénus colocada num plinto no centro de uma sala, rodeada de cadeiras vazias afastadas da escultura e afastadas de nós por uma rede (muro?) que não permite aproximação, mas ainda deixa ver. Transparência ou opacidade: o que é a obra de arte e o que pode ela? A sacralização da obra, a sua separação da vida e do quotidiano, é aqui interrogada. Tal como na utilização da arte greco-romana, dos seus corpos perfeitos e memória de um tempo da religião da arte, que deixam agora, com o seu exílio, um lugar vazio, permanecem enquanto ausência – uma ausência saturada -, retiram-se ou parecem perder a solidez. Um esvaziamento. Problemas que encontramos, de outro modo, no tratamento que faz da obra seminal da arte moderna, o Dejeuner sur L´herbe de Manet, que a artista coloca, em 1977, a nossos pés, retirada da parede e projectada no espaço sobre uma encenação de um outro piquenique, dessacralizada, esvaziada da condição de intocável. Des-aurada. Mas, apesar disso, nela também não participamos. Ficamos de fora. A artista constrói, pacientemente, uma frágil moldura para o vazio. Via.


Manet, inventeur du Moderne

Por ocasião da monumental exposição que o Museu d’Orsay dedica a «Manet, inventeur du Moderne», de 5 de Abril a 2 de Julho de 2011, Le Figaro Hors-Série publica uma edição especial intitulada «Manet, un certain regard»,  numa profunda abordagem à diversidade da paleta e da inspiração do genial pintor impressionista.

Édouard Manet – Horsewoman, Fullface – ca.1882

‘As Quatro Estações’ de Cy Twombly

Em cada Estação de Cy Twombly [1928-2011] (in Cy Twombly: Cycles and Seasons, 2008), as cores mostram a mudança de luz e temperatura. Começamos pela Primavera, a estação da energia e da esperança renovadas.

“D. Carlos I, fotógrafo amador”

A exposição “D. Carlos I, fotógrafo amador” patente na Torre do Tombo até Julho, integra 46 fotografias, a maioria assinadas e legendadas pelo próprio monarca, mas também fotografias tiradas pela Rainha, sua mulher, D.ª Amélia, e os filhos, o Príncipe Real D. Luís Filipe e o Infante D. Manuel (futuro D. Manuel II, último a ocupar o trono português).
A exposição das imagens esteve patente, recorde-se, o Verão passado no Paço Ducal dos Bragança, em Vila Viçosa e pertencem à Fundação da Casa de Bragança. Podemos ver as campanhas oceanográficas do soberano, touradas de canastra, regatas em Paço de Arcos, a armação do atum no Algarve, e membros da Família Real, assim como os banhos em Cascais e o iate Amélia. D. Carlos herdou dos pais, D. Luís e D.ª Maria Pia o gosto pelas inovações num século onde tudo era novo em termos de mecanismos. Curioso, observador, o Rei integrava-se no devir social do seu tempo e seguia todas as inovações.
Em Lisboa a exposição é enriquecida com a exibição do documentário “D. Carlos, Oceanógrafo” (1997), de Jorge Marecos Duarte e Sérgio Tréfaut, com narração, Luís Miguel Cintra, que utiliza fotografias tiradas por Sua Majestade.
Outra mais valia desta mostra é a área documental em que será mostrado pela primeira vez ao público o pergaminho de 60X80 cm relativo ao auto de juramento da Constituição Portuguesa da época por D. Carlos, e assinado nas Cortes (Parlamento) por todos os dignitários.
Os visitantes poderão ver ainda a certidão de nascimento de D. Carlos e o contrato de casamento celebrado com a Princesa Amélia de Orleans.
Uma mostra que, segundo nota da Torre do Tombo pretende “estabelecer uma ponte entre a arte fotográfica praticada pelo soberano e o testemunho da sua própria vida e do seu tempo”. Via http://hardmusica.pt/


Afeganistão: Encruzilhadas do Mundo Antigo

Exposição “Afghanistan: Crossroads of the Ancient World”
British Museum | 3 de Março a 3 de Julho de 2011


Gold crown from Tillya Tepe, 1st century AD

Resultante da posição geográfica na região e das relações de comércio e culturais com os países vizinhos da Ásia Central como o Irão, a Índia e a China, estão acessíveis algumas das mais importantes descobertas arqueológicas do Antigo Afeganistão, bem como peças únicas cedidas pelo Museu Nacional do Afeganistão, em Cabul. O conjunto, superior a 200 objectos, apresenta-se sob a forma de uma encruzilhada cultural do Mundo Antigo, desde esculturas clássicas, mobiliário da Índia, do Egipto e ornamentos em ouro.

Todos os objetos foram encontrados entre 1937 e 1978, tendo-se temido pelo seu desaparecimento após a invasão soviética de 1979 e a guerra civil que se seguiu, quando o Museu Nacional foi atingido pelos talibãs.


Fragment of a bowl depicting bearded bulls (Tepe Fullol), 2200-1900 BC

As descobertas mais antigas, parte de um tesouro com cerca de 4000 anos, constituem os primeiros artefactos de ouro encontrados no Afeganistão e estão ligadas às trocas comerciais com as civilizações do Irão e do Antigo Iraque. As mais recentes provêm de três outros locais no norte do Afeganistão e pertencem ao período situado entre o século 3º aC e o século 1º dC.


Enamelled glass goblet from Begram, 1st century AD

Relacionado:
Artigo “Looted Afghan treasures identified” e conjunto de imagens no The Independent
Artigo “Treasures from Afghanistan: in pictures” no The Telegraph

Heroínas no Thyssen – Atalanta

Que feliz coincidência, a escolha de 8 de Março para a inauguração da Exposição no Museu Thyssen, já que hoje se celebra o 100º aniversário do Dia Internacional da Mulher.

Guido Reni – Atalanta e Hipómenes, 1618-1619

Como Ártemis y sus ninfas, la mortal Atalanta rechaza el culto de Afrodita y destacaba en los ejercicios supuestamente masculinos: la caza, la lucha cuerpo a cuerpo, la carrera. La figura de Atalanta encierra una amenaza potencial contra los roles de género que ha sido desactivada una y otra vez, desde el propio Ovídio hasta las interpretaciones pictóricas del mito. En la pintura victoriana, no obstante, la iconografía de cazadoras y atletas antiguas será rescatada para imaginar la emancipación del cuerpo femenino y el derecho al deporte como precursor en la conquista de otros derechos sociales y políticos.


Noël Hallé – The Race between Hippomenes and Atalanta, 1762-65
Oil on canvas, 321 x 712 cm | Musée du Louvre, Paris

Jean-Léon Gérôme (1824-1904)

EXPOSIÇÃO – MUSEU THYSSEN-BORNEMISZA
15 de Fevereiro a 22 de Maio 2011

Jean-Léon Gérôme (1824-1904) fue uno de los pintores franceses más famosos de su época. A lo largo de su larga carrera provocó numerosas polémicas y recibió acerbas críticas, sobre todo por defender las convenciones de la pintura académica, que languidecía ante los ataques de realistas e impresionistas. Pero en realidad Gérôme no fue tanto un seguidor de esa tradición cuanto un creador de mundos pictóricos totalmente nuevos, basados a menudo en una singular iconografía en la que primaban los temas eruditos. Pintar la historia, pintar historias, pintarlo todo, tal fue su gran pasión. Al público le intrigaba de sus cuadros la constante interacción de valores y géneros, que se fundían en una estética de efecto collage. Su capacidad para crear imágenes, para ofrecer una ilusión de realidad mediante artificios y subterfugios, se pone de manifiesto en unas obras que tienen un acabado perfecto pero no son perfectas.

Slave Market in Rome – 1884

Nada ortodoxo como pintor académico, así pues, Gérôme sabía representar la historia como un espectáculo dramático y convertir al espectador, mediante imágenes muy convincentes, en un testigo presencial de hechos acaecidos en todas las épocas, desde la Antigüedad clásica hasta su propio tiempo. Los cuadros de Gérôme tuvieron una notable difusión gracias a los grabados y a las reproducciones fotográficas que desde 1859 se realizaron por encargo del marchante y editor Adolphe Goupil, quien luego sería además su suegro. Gérôme elige cuidadosamente los temas con la intención de crear imágenes que fácilmente se convierten en iconos visuales de la cultura popular
Esta exposición, la primera monográfica que se le dedica en España, permite conocer los aspectos más destacados de su obra pictórica y escultórica desde sus inicios en los años cuarenta hasta su producción más tardía.

Duel after a Masked Ball – 1857

O Nascimento dos Comics

Exposição:  EUA, 1895-1920: O nascimento da banda desenhada.
Montana Gallery, Barcelona – de 3 de Fevereiro a 26 de Março de 2011.

Em finais do século XIX, a feroz concorrência entre a imprensa nova-iorquina impunha novos desafios, nomeadamente, novas técnicas de impressão; A imigração em massa proveniente da Europa veio dar um grande contributo, por via da grande explosão artística dos “tempos modernos”. Surgia então o período de ouro do “grafismo moderno”, compreendido entre 1890 e 1910.

Ao contrário dos quadrinhos europeus, quase exclusivamente dirigidos às crianças, os americanos estavam orientados para um público mais adulto. Os primeiros Suplementos de Domingo a cores nos principais jornais visavam fidelizar clientes e, com isso,  aumentar as vendas; Surgia então a oportunidade para um novo tipo de grafismo, criado por jovens autores a quem era facultada liberdade criativa, posteriormente designada de  “arte popular” ou cultura de massas, celebrizada meio século depois por vanguardistas como Andy Warhol.

A Galeria Montana apresenta em primeira mão uma mostra baseada numa selecção de mais de 2.000 páginas originais retiradas dos suplementos dominicais, num estado de conservação excepcional.

A colecção particular de Pascal Hanrion reúne trabalhos da primeira geração dos melhores da época: Winsor McCay, Richard Felton Outcault, Rudolph Dirks, Gustave Verbeek, Swinnerton, Opper; e dos que se lhes seguiram: Geo Mac Manus, Cliff Sterett, Knerr, Rube Goldberg, Bud Fisher, Dereck ou Ferra’s.


Primitivos Portugueses (1450-1550) – O Século de Nuno Gonçalves

Museu Nacional de Arte Antiga – 11 de Novembro 2010 a 27 de Fevereiro 2011
Museu de Évora – 18 de Novembro 2010 a 27 de Fevereiro 2011
Exposição | Primitivos Portugueses (1450-1550) | O século de Nuno Gonçalves
Comissário: José Alberto Seabra Carvalho

A Exposição  é o Tema de capa da  edição do Jornal de Letras N.º 1046 – de 3 a 16 de Novembro de 2010, da autoria de Luís Ricardo Duarte,  cujo texto aqui se reproduz (sublinhados meus).

Primitivos Portugueses – Uma pintura para o futuro

Não é um olhar para glórias passadas. A grande exposição dedicada aos Primitivos Portugueses (1460-1560) – aberta ao público a partir do próximo dia 11 e até 27 de Fevereiro de 2011, no Museu Nacional de Arte Antiga – , tem o futuro como horizonte. É certo que comemora os 100 anos da (re)apresentação pública dos Painéis de São Vicente e os 70 da mostra organizada no âmbito da Exposição do Mundo Português. No entanto, esta iniciativa, integrada nas Comemorações do Centenário da República, pretende lançar novas pistas de interpretação. Dedicamos-lhe este tema, revelando o que nela se poderá ver e publicando um texto do seu comissário, José Alberto Seabra de Carvalho, que comenta ainda seis pinturas. Antecipamos também D`Après Nuno Gonçalves, uma mostra de arte contemporânea que revisita o legado do autor dos Painéis de São Vicente. Falamos com o comissário, José Quaresma, e os artistas Pedro Cabrita Reis, Ana Rebordão, Manuel Sam Payo, Rui Serra e Sara Bichão.

Há precisamente 100 anos, Portugal “descobria” a sua pintura antiga, por mais paradoxal que possa parecer. Durante várias décadas, o Renascimento foi um período quase vazio, preenchido apenas por uma ou outra obra que se encontrava nas igrejas. Mas no final do século XIX, uma descoberta com contornos míticos – estava perdida no Convento de São Vicente de Fora, no meio de velharias – deu a conhecer aquela que é a mais emblemática das obras portuguesas: os Painéis de São Vicente. O achado fez furor, sobretudo depois do seu restauro e da apresentação pública, em Maio de 1910, dando início a largas discussões sobre a sua interpretação. É esse centenário que agora se celebra, numa grande exposição organizada pelo Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA).

Comissariada por José Alberto Seabra de Carvalho, Primitivos Portugueses (1450-1550) – O Século de Nuno Gonçalves abre no próximo dia 11, exceptuando um núcleo que estará patente, a partir de dia 18, no Museu de Évora. Será uma oportunidade única para (re)descobrir a arte produzida no Período dos Descobrimentos, em que os artistas que trabalhavam em Portugal, alguns estrangeiros, acertaram o passo com o que de melhor se fazia na Europa. Além disso, há 70 anos que não se fazia uma mostra com estas características – a última realizou-se durante a Exposição do Mundo Português, em 1940. Enquanto os Aliados tentavam sobreviver às intervenções da Alemanha nazi, Salazar celebrava as grandezas da nacionalidade lusa. As pinturas do Renascimento serviam, assim, para engrandecer um passado mítico.

Os Painéis de São Vicente, do pintor régio Nuno Gonçalves, eram o centro de uma narrativa construída por Reynaldo dos Santos, o comissário de então, que tinha como intenção dar coerência a um conjunto alargado de pinturas provenientes de diversas instituições religiosas e atribuídas a vários artistas, alguns bem documentados, outros nem por isso.


Virgem do Leite (Frei Carlos, c. 1525)

A Exposição que agora se apresenta tem, no entanto, outros pressupostos, bem longe dessa instrumentalização histórica. As cerca de 160 pinturas (nem sempre coincidentes com as de 1940) procuram lançar novas questões e novas pistas para o futuro, como defende José Alberto Seabra Carvalho, conservador do MNAA com décadas de estudo sobre estas matérias. «O nosso objectivo é dizer que hoje sabemos muito mais sobre estas pinturas, mas também que ainda nos falta saber muito mais», afirma, ao JL. «Nesse sentido, esta Exposição é acima de tudo um ponto de partida (ver texto nas pp 10/11)»

(o texto será posteriormente aqui inserido)

As novas possibilidades de investigação a que José Alberto Seabra Carvalho se refere devem-se sobretudo ao trabalho realizado em conjunto com o Centro Hércules da Universidade de Évora, que permitiu a concretização de um sonho há muito desejado: estudar, com recurso às novas tecnologias, as obras deste período. Raios x, reflectografias e exames dendocronológicos (que fornecem datas para as madeiras das pinturas) lançam novas luzes sobre questões que nem sempre os documentos que chegaram até hoje esclarecem. Joaquim Oliveira Caetano, que assina vários textos no Catálogo, dá o exemplo de um Ecce Homo, representação de Cristo antes da Crucificação, com uma coroa de espinhos e as mãos presas. «No trabalho para esta mostra, percebemos que esse ícone da pintura atribuída a Nuno Gonçalves só pode ter sido pintado depois de 1560 e não cem anos antes, como se defendia. Poderá ser uma cópia, mas nunca um original».

É um novo universo de problemas que obrigará os investigadores a «retrabalhar todas as teorias avançadas até à data», como sugerem José Alberto Seabra Carvalho e Oliveira Caetano. Talvez por isso, Primitivos Portugueses (1450-1550) – O Século de Nuno Gonçalves tem uma sala dedicada à apresentação dos resultados dos estudos tecnológicos, que analisando o que se esconde por detrás da pintura a óleo revelam desenhos preparatórios, hesitações dos artistas, soluções formais que não foram seguidas ou cuidadas definições de todos os pormenores da composição. É, pois, uma Exposição que «complexifica mais do que simplifica», numa postura ousada que tem correspondência na forma como as «pinturas se organizam nos espaços e os diálogos que são propostos». A presença de algumas obras estrangeiras, vindas de Itália, França, Bélgica e Polónia e fortemente ligadas à pintura portuguesa, perseguem igualmente a vontade em reacender o debate em torno de questões em aberto no Renascimento Português.


Santa Apolónia e Santa Inês, Santa Catarina e Santa Bárbara
– Atribuídas a Gregório Lopes (e Jorge Leal), 1523(?)

Entre 1842 e 1845, esteve em Portugal o diplomata polaco Athanasius Raczynski dedicando-se a um assunto então bastante obscuro: a história da pintura portuguesa. Devemos-lhe um excelente dicionário de artistas, a edição de um conjunto de informações e observações em forma de críticas de “cartas” e, também, a destruição do mito de Grão Vasco. Em contrapartida, Raczynski adquiria aqui, para a sua colecção, algumas pinturas das primeiras décadas do século XVI, hoje integradas no Museu de Poznan. Duas delas, painéis de predela com figuras de mártires cristãs, pertenciam a um retábulo executado para a desaparecida Igreja do Paraíso (Lisboa), perto de Santa Engrácia, composto por mais 10 pinturas que entretanto entrariam no acervo do Museu Nacional de Arte Antiga. Mais de século e meio depois (junto com um tríptico do mesmo período) regressam temporariamente a Portugal para permitir, na exposição, simular a reconstituição integral do referido retábulo.

Não se pense, contudo, que esta é uma iniciativa para especialistas e investigadores. A Exposição, garante o Comissário, está pensada para o grande público. A reconstituição de alguns retábulos, como o do Paraíso, o que até à data nunca foi possível, não deixará de deslumbrar o espectador. De resto, no tempo em que foram feitas, estas peças desempenhavam essa função: cativar visualmente o crente em dias festivos, exibindo a força da mensagem da Igreja.

Para percorrer estes 100 anos de pintura, a Exposição foi dividida em sete núcleos.
O primeiro
é dedicado ao século XV, organizado em torno de Nuno Gonçalves. O facto de a sua obra maior, os Painéis de São Vicente, ter chegado até nós, bem como outras mais pequenas, confere-lhe sem qualquer hesitação o lugar central na época em que a Coroa Portuguesa se afirmava internacionalmente, com o início da expansão territorial e marítima. Vários documentos confirmam a existência de muitos outros artistas, nomeadamente a praticar uma pintura de retrato, mas poucos exemplares chegaram até nós. Até porque se dá uma transição das composições de pequenas dimensões para os grandes retábulos, segundo a lição de Nuno Gonçalves. É o que Joaquim Oliveira Caetano salienta no texto que abre este núcleo: «A complexificação da Côrte e da Sociedade Portuguesa na segunda dinastia e uma nova condição do país, decorrente em grande parte do início da expansão extra-europeia trouxeram consigo um grande aumento pela aquisição de produtos artísticos». Neste panorama, os Painéis de São Vicente são o melhor símbolo da «elevada qualidade que essa pintura atingiu e, ao mesmo tempo, do seu grau de autonomia em relação aos modelos peninsulares, flamengos e italianos que lhe estão mais próximos». Segundo os especialistas, mesmo com a presença de artistas estrangeiros, a pintura feita em Portugal tem uma marca própria, como comprovam os retábulos e painéis religiosos de Évora, Coimbra, Aveiro e Arouca integrados neste núcleo. E serão, numa primeira fase, os modelos “gonçalvinos” a ditar essa individualidade, “mais à vontade na representação da figura isolada do que na tradução cénica e narrativa”. Além de Nuno Gonçalves, destaca-se nesta fase o nome de Álvaro Pires, activo em Évora.


Álvaro Pires de Évora, act. conhecida 1411-1434
Anunciação c.1410-20 | Óleo sobre madeira, 80 x 43 cm, cada tábua | Colecção privada, Perugia, Itália

Hoje, apenas um retábulo renascentista se encontra no local para onde foi construído – o da Sé do Funchal – , mas no início do século XVI eles proliferaram em grande número. Catedrais, conventos ou igrejas paroquiais, construídas de raiz ou profundamente reformuladas, eram pretexto para novas encomendas, fruto de uma bonança financeira que coincide com a subida ao trono de D. Manuel I, em 1495.
O segundo núcleo abrange o reinado deste monarca, que tem como notas dominantes o gosto pela pintura flamenga, por um lado, e o modelo retabular em altura, por outro. Os contactos comerciais com o norte da Europa, onde Portugal tinha uma importante feitoria, e a presença de muitos artistas flamengos em território nacional fazem com que a aprendizagem dessa linguagem artística seja rápida e eficaz. Francisco Henriques, Frei Carlos ou o Mestre da Lourinhã são alguns destes estrangeirados que criam uma nova idade de ouro da pintura portuguesa, depois do génio (quase) isolado de Nuno Gonçalves. Mas se da Flandres estes artistas traziam o saber associado a pequenos ou médios oratórios, com uma pintura central e dois volantes, a disponibilidade do país obrigou-os a desenvolver longas composições narrativas, divididas por diversas pinturas.

Como diz Oliveira Caetano, «apesar da influência flamenga optou-se generalizadamente por um modelo retabular de tradição peninsular, construído em altura, disposto em várias fiadas, com uma sequência narrativa que conjuga frequentemente episódios da vida da Virgem, da Paixão de Cristo, da hagiografia devocional própria das invocações locais ou das ordens religiosas associadas e, por vezes, veterotestamentários prefigurativos das imagens principais». Para ilustrar estas tendências estilísticas e temáticas, o núcleo é preenchido com partes de retábulos da Sé de Viseu (1501-06), Sé de Lamego (1506-11), Igreja de São Francisco de Évora (1508-11) e Convento de São Tiago de Palmela (1520-25), entre outros.

As criações registadas no segundo núcleo tinham como centro a cidade de Lisboa. Muitos destes retábulos eram feitos para outras localidades, mas era em torno da Côrte que os artistas orbitavam, chegando em alguns casos ao título de pintor régio, o que muitos perseguiam. A sua actividade, porém, teve impacto em todo o país, ou porque alguns pintores foram aprendizes em Lisboa, ou porque tentavam recriar o que viam.
O terceiro núcleo é dedicado a essas «oficinas dispersas», salientando também a variedade de soluções pictóricas então encontradas. «Se um Mestre como Vasco Rodrigues, cujos contactos com a “escola” de Lisboa são conhecidos desde cedo, foi capaz, apesar do limitado alcance geográfico da sua principal produção (tinha sede em Viseu), de manter uma capacidade de renovação permanente, para outro mestres, como Gaspar Vaz, cujo território se confunde com o anterior, a mudança para o interior traduziu-se numa certa cristalização formal, acompanhando soluções já encontradas pelo Grão Vasco com fortuna entre o público local», adianta o investigador. Outro exemplo com as mesmas características é o de Vicente Gil que, em Coimbra, manterá uma oficina «presa a um desenho rígido e a um sentido decorativo que deve ter raízes ainda no século anterior». De Guimarães, chega-nos um anónimo mestre delirante, com um «curioso hibridismo entre o recurso a fórmulas compositivas entre os melhores compositores e a sua execução com evidentes fragilidades na concretização de um padrão verosímil de representação da realidade».


Calvário – Frei Carlos(?), c.1500(?)

Um dos grandes problemas levantados pelo grupo de pintores flamengos que se distinguiram em Portugal no reinado de D. Manuel I (1495-1521) é o do absoluto desconhecimento da sua aprendizagem e carreira antecedentes, nos Países Baixos. Esse dado ajudaria a entender melhor a formação do seu estilo, as influências que receberam e a definir mais claramente a sua personalidade artística. A um deles, Frei Carlos, que professou no Convento do Espinheiro (Évora) em 1517, foi recentemente atribuída esta anónima representação do Calvário, que pode ter sido pintada num atelier de Bruges. A exposição permite compará-la com obras documentadas do pintor do Espinheiro, possibilitando  assim uma avaliação crítica da atribuição. Teremos aqui um testemunho da actividade de Frei Carlos anterior à sua chegada a Portugal?

A generalização territorial da pintura neste período não esconde, contudo, a grande oficina que existia em Lisboa e que é evocada no quarto núcleo. Entre os anos 1510 e 1540, esse centro aglutinador tem um nome: Jorge Afonso. É o artista mais famoso do seu tempo e aquele que rivalizará com Nuno Gonçalves o estatuto de primus inter pares.

Apesar da escassez de documentos, os retábulos do Mosteiro da Madre Deus, em Lisboa, e do Convento de Jesus, em Setúbal, são-lhe normalmente atribuídos, numa opinião que é partilhada pela generalidade dos especialistas. E já na altura eram considerados modelos a seguir pelos muitos artistas que se formaram na sua oficina, como sublinha Joaquim Oliveira Caetano: «Jorge Afonso relacionou-se familiarmente com um enorme grupo de artistas, não só pintores, mas marceneiros, escultores e arquitectos; a sua oficina foi local de aprendizagem de uma boa parte de mestres que terão relevância nas décadas seguintes; finalmente, ocupou relevantes cargos na Côrte, como o de Arauto e de Exterminador e Avaliador das obras reais». Dados que ajudam a explicar uma certa “homogeneização” das encomendas deste período, realizadas por oficinas próximas de Jorge Afonso. Vários exemplos dessa pintura de grande qualidade são apresentados neste núcleo.

Gregório Lopes, Garcia Fernandes e Cristóvão Figueiredo são alguns dos pintores que se formaram na teia de relações e influências liderada por Jorge Afonso. As três empreitadas que realizaram juntos, num curto espaço de tempo, em Ferreirim, a mando do Infante Dom Fernando, são o melhor testemunho. É uma prática que, no entanto, muda no início da década de 30 do século XVI, com a afirmação da individualidade de cada um destes artistas, como se poderá observar no Quinto Núcleo, justamente intitulado Tempos de Mudança.
Depois da obra de Ferreirim, nota Oliveira Caetano, «vemos sensíveis alterações na produção de cada um destes Mestres, respondendo a encomendas de uma clientela diferente, empenhada em novas reformas, que tinham por base um desejo de internacionalização da cultura portuguesa dentro de uma matriz humanista que, na cultura visual, privilegia a recuperação do mundo clássico e tinha a noção que essa recuperação acontecera sobretudo em Itália». E acrescenta: «Termos como ao romano ou ao modo de Itália aparecem-nos em documentos de época, traduzindo uma vontade de mudança formal à qual os compositores nacionais, mesmo os da geração manuelina, não se mostram alheios. A partir deste momento, as composições são mais claras e a arquitectura clássica passa a integrar os elementos decorativos». Esta lufada de ar fresco influenciará decisivamente os Novos Autores do último Núcleo, como Diogo de Contreiras ou os Mestres de Abrantes ou de Arruda. Se, por um lado, estes pintores são devedores das Escolas de Lisboa, por outro, «preocupam-se sobretudo em criar ambientes onde os personagens exteriorizam uma expressividade dramática e retórica muito diferente da serenidade de modelos e composições que podemos observar nas salas anteriores, ao mesmo tempo que a noção decorativa e a veracidade descritiva se vai perdendo em face desse nosso interesse em sensibilizar pelo jogo livre das cores e do tratamento plástico, e pela agitação das composições, atenta ao espectáculo da transcendência do momento da cena representada».

A estes seis núcleos é preciso juntar o do Museu de Évora. Esta extensão justifica-se não só pelo acervo que a instituição detém, mas também pelo papel que a cidade desempenhou na incorporação da arte flamenga em Portugal. As obras que Francisco Henriques e Frei Carlos fizeram, quer para a Catedral, quer para os conventos de São Francisco e do Espinheiro, são o fio condutor da última etapa desta viagem pela pintura do Renascimento Português. Que, acima de tudo, procura projectar no futuro um património que nunca deixou de nos desafiar.

Leitura relacionada:
Um século brilhante na pintura portuguesa, por Ana Dias Cordeiro (Público de 6 -Novembro-2010)
Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República
Museu Nacional de Arte Antiga – Primitivos Portugueses (1450-1550) O século de Nuno Gonçalves
Fontes: Jornal de Letras (textos)  e SNPC (imagens)