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Obra de Jommelli descoberta na BNP
Por Cristina Fernandes, Público de 15-Outubro-2010
António Jorge Marques contará hoje, às 18h, numa conferência, o processo de identificação do Laudate pueri a quatro coros, obra inédita do grande compositor italiano identificada há um ano
Enquanto fazia as suas habituais pesquisas na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), o musicólogo António Jorge Marques deparou-se com uma partitura intrigante: um Laudate pueri Dominum a 16 vozes, que indiciava ser uma imponente peça policoral com quatro coros e prevendo o uso de três órgãos, mas que não apresentava indicação de autor. A obra tinha sido catalogada como anónima, uma vez que faltava o primeiro caderno.
Depois de algumas tentativas e hipóteses goradas, os estudos caligráficos comparativos que realizou confirmaram tratar-se de um manuscrito autógrafo do compositor italiano Niccolò Jommelli (1714-1774), uma das grandes figuras da música europeia no período que medeia entre o barroco e o classicismo. Foi também um dos compositores de referência na vida musical portuguesa do século XVIII, chegando a ter um contrato com a corte de D. José. O processo de identificação e a importância deste manuscrito descoberto há um ano serão abordados esta tarde, às 18h, por António Jorge Marques numa conferência na BNP.
“Como faltam as primeiras páginas, das quais costumam constar o autor, a data e o título, o manuscrito passou despercebido durante muito tempo”, disse o musicólogo ao P2. “A recuperação de uma nova obra de Jommelli, considerado na sua época um dos maiores compositores, seria sempre um facto importante, mas neste caso a descoberta torna-se valiosa pelo facto de ser uma peça completamente desconhecida e sem paralelo na produção do autor.” O investigador refere que o catálogo temático incluído por Wolfgang Hochstein em Die Kirchenmusik von Niccolò Jommelli (1984) não menciona qualquer obra para 16 vozes. Esta devia ter sido composta para uma grande ocasião, provavelmente para a Capela Giulia, na Basílica de S. Pedro de Roma, já que Jommelli foi mestre adjunto da instituição entre 1750 e 1753. O cerimonial e os repertórios das capelas pontifícias serviram de modelo à prática musical na Capela Real e Patriarcal de Lisboa, mas estão por esclarecer as condições concretas da chegada desta partitura a Portugal.
Em 1752, D. José I (1750-1777) tentou contratar Jommelli, mas o músico preferiu a proposta do duque de Württemberg, transferindo-se para a corte de Estugarda em 1754. O monarca português acabaria por contratar David Perez, outro expoente da ópera napolitana e da música sacra em meados de Setecentos, conseguindo mais tarde assegurar os serviços de Jommelli à distância. Um contrato assinado em 1769 determinava o envio para Lisboa de várias óperas por ano, incluindo duas novas (uma séria e outra cómica), e de uma série de partituras religiosas, em troca de uma avultada pensão anual. Até à morte de D. José, em 1777, os teatros reais portugueses chegaram a levar anualmente à cena quatro óperas de Jommelli.
Algumas das obras religiosas de Jommelli mantiveram-se no repertório das igrejas de Lisboa até finais do século XIX. No Dicionário Biográfico de Músicos Portugueses, de 1900, Ernesto Vieira refere que ainda se interpretava frequentemente a Missa de Requiem e os viajantes estrangeiros setecentistas mencionam amiúde a audição desta e doutras peças de Jommelli na capital portuguesa.
Para uma possível interpretação do Laudate pueri da BNP seria necessário que um musicólogo ou compositor reconstruísse as primeiras páginas. Para já António Jorge Marques, que é também autor de um monumental catálogo da obra religiosa de Marcos Portugal, tem estado sobretudo absorvido com o estudo do manuscrito original, mas a viabilização da execução poderá ser um passo a dar no futuro.
CONFERÊNCIA | 15 Outubro | 18h00 | Auditório BNP | Entrada livre
À data da sua morte o compositor Niccolò Jommelli era considerado um dos maiores compositores vivos, vindo posteriormente a ser consistentemente incluído na plêiade dos mais memoráveis autores do século XVIII. Na ocasião Schubart escreveu: “O maior Pã está morto… Se a riqueza de pensamento, a fantasia cintilante, a melodia inesgotável, a harmonia celestial, o profundo domínio de todos os instrumentos e particularmente da poderosa mágica da voz humana […], se tudo isto combinado com a mais acutilante compreensão da poesia musical constitui o génio, então a Europa perdeu o seu maior compositor.”
Dois anos depois de ter subido ao trono, D. José tentou contratar Jommelli que, por esta altura, já era o mais afamado e o mais inovador compositor de ópera italiana em actividade. No entanto, a proposta do Duque de Württemberg, que incluía um novo teatro, acabou por aliciar o compositor, que se mudou para a Corte de Estugarda em 1754. Durante 15 anos produziu música religiosa econtribuiu para reescrever a história da ópera. Em 1769 e a troco de uma vantajosa reforma, D. José conseguiu finalmente obter os serviços de Jommelli, que entretanto passou a viver em Aversa, Itália. O contrato incluía o envio de obras religiosas, e sobretudo de óperas. Até à morte do Rei em 1777, e com adaptações de João Cordeiro da Silva, os teatros reais portugueses chegaram a levar anualmente à cena quatro óperas suas.
No género sacro, a influência de Jommelli em Portugal ainda está por avaliar, mas foi certamente duradoura. Algumas das suas obras religiosas mantiveram-se no repertório das igrejas até finais do século XIX. O Requiem (Hochstein, A.I.3), obra composta em 1756 para as exéquias da Duquesa de Württemberg, foi a mais importante e paradigmática. Ernesto Vieira, na entrada do seu Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes (1900), escreve: “Executa-se ainda muito frequentemente nas egrejas de Lisboa a missa de requiem e libera-me de Jommelli, composições primorosas no estylo sacro.”
O estatuto de Niccolò Jommelli e os laços históricos que o ligam a Portugal tornam a descoberta deste autógrafo (ainda que incompleto) um acontecimento relevante no contexto dos estudos de música sacra de estilo romano de meados do século XVIII. O caso em epígrafe é particularmente interessante porque se trata de uma obra policoral para 16 vozes e baixo contínuo (com utilização de 3 órgãos) completamente desconhecida e sem paralelo na produção do compositor. O trabalho seminal de Wolfgang Hochstein, Die Kirchenmusik von Niccolò Jommelli (1984), que inclui um catálogo temático, não menciona qualquer obra para 16 vozes.
A razão para a ausência de referências na bibliografia da especialidade prende-se com o facto de o primeiro caderno (4 fólios) se encontrar desaparecido. Em consequência, informações cruciais como o autor, a data e o título da obra, grafadas na página de rosto, perderam-se.
A identificação do autor foi realizada através de estudos caligráficos comparativos. Uma proposta para a génese da obra assim como a sua contextualização na vida e obra de Jommelli serão alguns dos temas abordados.
António Jorge Marques
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