Arquivo de Janeiro, 2008

Roteiro para o Património

fonte: Presidência da República, sublinhados meus.

Conceito de Património

1.1. O conceito de património evoluiu consideravelmente, desde o início da segunda metade do século XX até hoje.

Essa evolução, sendo particularmente visível no espaço cultural europeu, tende, no entanto, a generalizar-se por todo o mundo, devido à influência de organizações internacionais, como a UNESCO.

Em primeiro lugar, tende a expandir-se a toda a gama de manifestações culturais, em que a actividade humana se revela na pluralidade das suas facetas e na sua interacção com o meio natural.

Em segundo lugar, de uma perspectiva exclusivamente historicista, em que se privilegiava o significado, a singularidade e a monumentalidade dos edifícios e objectos, subestimando a articulação com a sua envolvente geográfica e social, passou-se modernamente a um conceito de património que tende a abarcar, não tanto monumentos isolados, como sobretudo conjuntos urbanísticos, sítios, paisagens naturais e/ou culturais, ou ainda territórios na sua globalidade. É o caso, por exemplo, do Alto Douro Vinhateiro e da Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico, sítios portugueses inscritos na lista do Património Mundial por se registar neles uma interacção particular entre as condições naturais e o trabalho humano.

1.2. Em consequência desta evolução do conceito de património, as áreas classificadas tendem a expandir-se, vindo, por um lado, os centros históricos das cidades a abarcar uma superfície cada vez maior face à periferia urbana e, por outro lado, as paisagens históricas a institucionalizar-se e a ser protegidas como paisagens culturais.

Em toda a Europa, o território culturalmente classificado ou inscrito em zonas de protecção tem vindo a aumentar significativamente.

1.3. A situação daqui decorrente leva a que o património tenha de ser considerado interdisciplinarmente e exija políticas concertadas entre vários sectores, designadamente:

  1. Cultura
  2. Gestão urbanística
  3. Ambiente e Conservação da natureza
  4. Ordenamento do Território
  5. Desenvolvimento Regional
  6. Turismo

1.4. Pelas implicações que assume actualmente, uma política de defesa, preservação e promoção do património tem de congregar esforços de diverso tipo.

  1. Estado central
  2. Autarquias
  3. Igreja, enquanto matriz inspiradora de vários tipos de arte e detentora, em Portugal, de uma enorme variedade de importantes bens classificados
  4. Escolas, enquanto centros privilegiados de educação para o património
  5. Empresas, que além de não lesar no prosseguimento da sua actividade privada o património comum, devem ainda contribuir para a sua preservação
  6. Cidadãos em geral

Coordenadas

A preocupação crescente das sociedades contemporâneas em relação ao património tem vindo a desenvolver-se, fundamentalmente, em torno de três coordenadas:

  • identidade nacional;
  • coesão social;
  • desenvolvimento sócio-económico.

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Centro Histórico de Lisboa Renovado… Quando?!

Recupero esta posta de Junho de 2006, como exercício de reflexão.
Quase dois anos depois de Manuel Salgado, Arquitecto e membro do Comissariado Baixa-Chiado ter dado esta entrevista ao Diário Económico, em 13 de Junho de 2006, que mudou? Tivemos o Plano de Recuperação apresentado por Maria José Nogueira Pinto, que deve ter merecido a melhor atenção de António Costa… e mais?

Temos muita gente que se dedica a pensar a cidade e a fazer análise vectorial e matricial, recursos humanos com grande capacidade de decisão, mas dava imenso jeito haver também quem fizesse as coisas acontecer.

Um projecto para curar o coração de Lisboa

Hoje não se trata de reconstruir a Baixa-Chiado sobre ruínas, mas de reinventar a forma de a viver, de dar novos usos a muitos edifícios e espaços que perderam sentido.

1. Apesar do acentuado declínio dos últimos 40 anos, a Baixa continua a ser o coração da grande Lisboa. Um coração doente, é certo, mas um coração que tem resistido a terramotos e a incêndios, ao esvaziamento de algumas das actividades mais nobres, ao envelhecimento e empobrecimento dos residentes, à decadência do comércio, à transformação das suas ruas e praças em corredores e nós viários onde passam milhares de veículos, ao abandono e ao desleixo de um espaço público sujo, mal iluminado e inseguro.

Também sei que curar este coração obriga a intervir um pouco por toda a cidade e que um coração saudável contaminará, positivamente, todo o organismo.

Manuel da Maia, em 1755, após o terramoto arrasar Lisboa, pôs 3 hipóteses em cima da mesa:

(i) Reconstruir a Baixa como era, com pequenos ajustamentos;

(ii) Abandoná-la à sua sorte e construir uma nova cidade a ocidente;

(iii) Construir com um novo plano sobre as ruínas do terramoto.

Foi esta última a opção tomada e uma cidade moderna surgiu, antecipando o que se viria a fazer, mais tarde, em muitas capitais europeias.

Hoje não se trata de reconstruir a Baixa/Chiado sobre ruínas, mas reinventar a forma de a viver, de dar novos usos a muitos edifícios e espaços que perderam sentido.

Justifica-se ter quartéis no centro da cidade? E utilizar a Praça do Comércio como um nó viário?

E porque há muito estou convencido que regenerar a Lisboa de ambas as margens do Tejo passa por reinventar ou, se preferirem, reabilitar a Baixa e o Chiado, aceitei com entusiasmo o convite da Câmara para integrar o Comissariado.

Um grupo, para o qual concorrem vários saberes e experiências, onde tudo tem sido discutido sem preconceitos, sobre a condução arguta da Maria José, em que cedo nos apercebemos dos múltiplos níveis de competência que atravessam este projecto e que é no binário concertação-liderança que se joga o seu sucesso.

Sem presunção, arrisco-me a afirmar que a reabilitação do centro da capital do país, é um desígnio nacional e que daí se devem retirar as devidas ilações…

2.. Sustentabilidade e competitividade não são jargões da moda. Estes conceitos aplicados à Baixa Chiado têm um significado preciso. A reabilitação tem de ser sustentável do ponto de vista social, isto é, propiciar melhores condições de habitabilidade aos que lá vivem e atrair novos moradores com diferentes níveis de exigência. Que favorecer a modernização do comércio sem expulsar ninguém; que atrair mais pessoas qualificadas para trabalharem num ambiente atractivo, estimulante e criativo.

Tem de ser sustentável na reabilitação do património, isto é, tem de salvaguardar a memória dum legado histórico imperdível mas conferindo-lhe as condições de conforto e segurança, hoje exigíveis, para que qualquer pessoa aí habite ou trabalhe.

Sustentável, ainda, do ponto de vista económico – “não há almoços à borla”- pelo que o muito investimento tem de ter a justa compensação.

Por fim, sustentável do ponto de vista ambiental, o que só é possível diminuindo os níveis de ruído e de poluição do ar, reduzindo drasticamente o tráfego de atravessamento, e cuidando da circulação do ar e da água, aumentando, sempre que possível, a permeabilidade do solo, para que a terra respire e o ambiente seja mais saudável.

A competitividade global joga-se cada vez mais ao nível das cidades.

Não há cidade na Europa que, num raio de 50 km, tenha um oceano e dois estuários como o do Tejo e do Sado, parques naturais e serras, como Sintra e Arrábida, praias como o Guincho e Caparica e um centro histórico construído sobre colinas debruçadas sobre um rio que parece Mar…. Há poucas cidades no Mundo com a cor e a luz de Lisboa, com a paz entre as múltiplas comunidades dos seus habitantes.

Este é o maior potencial de Lisboa para atrair talentos e se afirmar pelo seu potencial humano. E se o grande esforço tem de ser feito na formação e na inovação tecnológica, não é menos verdade que a qualidade do quadro de vida joga um papel fortíssimo na competição entre cidades, tanto mais essencial quanto as novas formas de comunicação abrem outras oportunidades de utilizar o espaço e o tempo.

Nesta perspectiva, uma Baixa Chiado única, porque diferente de todas as outras capitais europeias, complexa e densa pelas múltiplas actividades que alberga, criativa pelas oportunidades que proporciona, atractiva e aberta a tudo e a todos, eficiente e segura, e “em movimento contínuo”, afirma Lisboa na competição entre cidades.

3. Partir para um projecto de reabilitação da Baixa e do Chiado significa juntar as peças de um puzzle complexo, trabalhar com uma informação riquíssima, recuperar velhos projectos, dando-lhes um fio condutor lógico e uma visão estratégica.

Se partirmos da situação actual com pequenas correcções e intervenções de cosmética, não chegamos a lado nenhum.
Pequenas intervenções de cosmética, como tornar a Baixa mais limpa, com passeios em condições e melhor iluminada, seguramente não resolvem os problemas de fundo, mas contribuirão positivamente para melhorar a imagem que os lisboetas e os visitantes têm do coração da cidade.
Não é pedir muito, pois não?

Tudo tem de ser posto em causa, com total abertura de espírito, para que algo que, verdadeiramente, valha a pena, possa ser feito.

Precisamos de saber ler os sinais, saber questionar tudo e todos para encontrar soluções inovadoras, para recuperar excelentes ideias que, às vezes, por razões acidentais não passaram do papel. Precisamos de envolver dezenas de entidades, ouvir as suas razões e ganhá-las para este projecto. Precisamos de entusiasmar a sociedade civil para que a reabilitação da Baixa Chiado ganhe a sua autonomia.

4. Na Baixa, o segredo da mudança está na mobilidade. Setenta por cento do tráfego tem origem e destino a Norte do Marquês de Pombal, logo utiliza a Baixa como um percurso de atravessamento que só penaliza quem lá vive, trabalha, faz compras ou, simplesmente, passeia.

Reduzir drasticamente o tráfego de atravessamento é condição “sine qua non” para reabilitar o Centro de Lisboa e, daí, reordenar a circulação em toda a Lisboa porque é aqui que tudo conflui.

Faz sentido que toda a rede da Carris seja desenhada tendo como ponto de convergência o Terreiro do Paço?

Os interfaces de Sul-Sueste e Stª Apolónia, com a integração do Metro não permite reduzir o número de autocarros que passam pela Baixa?

Reduzir o tráfego é o que vai permitir uma Praça do Comércio sem carros, um passeio ribeirinho entre o Jardim do Tabaco e o Cais do Sodré, estender um percurso pedonal do Terreiro do Paço à rua das Portas de Stº Antão, ganhar espaço para os peões no Rossio e na Praça da Figueira. É também o que cria condições para reperfilar a Av. da Liberdade e, quem sabe, recuperar um pouco a ideia do Passeio Público e acabar com “via rápida” de 6 + 2 faixas, que transformam a 24 de Julho num perigo.

A redução do tráfego é, também, a porta pela qual vai ser possível trazer mais gente para viver na Baixa.

‘At last…’ não será este o momento e o local para privilegiar claramente o transporte público quando temos 7 estações de Metro com menos de 300 m entre elas?
Um exemplo:
A Linha Verde termina no Cais-do-Sodré, a Azul no Chiado e a Amarela no Rato.
É perfeitamente possível criar uma linha de mini-bus entre o Rato e o Cais-do-Sodré, sendo assim viável impôr restrições ao automóvel neste corredor – pelo menos fora dos horários do comércio.
Sem dúvida que planos como o anunciado parque de estacionamento do Largo Barão de Quintela deixariam de fazer sentido.

5. No plano desenhado por Carlos Mardel, cujo espaço público – ruas e praças – chegou intacto até aos nossos dias, o preenchimento total dos quarteirões demorou mais de um século. Este património é muito diversificado, coexistindo exemplares de construção pombalina intactos, com “pastiches” neo-pombalinas em betão armado, com alguns exemplares (poucos) de arquitectura de qualidade, da primeira metade do século passado, e muitos edifícios de origem pombalina, mais ou menos adulterados.

A receita para intervir não pode, pois, ser única. Haverá casos em que o restauro terá de ser exemplar, outros que melhor seria que fossem substituídos e outros, ainda, que admitem diferentes níveis de transformação.

De qualquer forma, o mote é a reabilitação, tema que, há anos, está na ordem do dia mas que, entre nós, ainda não ganhou no mercado da construção a importância que deveria ter.

Reabilitar é caro e os tempos muitas vezes incontroláveis pela dificuldade em dispor dos espaços. Mas reabilitar é essencial, não só por razões histórico-patrimoniais mas, também, por razões económicas e ecológicas.

Reabilitar exige técnicas mais “soft”, mas mais especializadas, que se perderam entre nós, e exige equipamentos que não estão estandardizados, como os elevadores. A reabilitação é um mercado com um enorme potencial que exige novas empresas, mais ágeis e com equipas mais pequenas. É uma actividade limpa e rigorosa, com um nível de sofisticação que a construção nova em geral não tem, por isso, exige técnicas especializadas e o recuperar de saberes antigos.

Até nisto o projecto da Baixa Chiado pode ser inovador, porque cerca de 70% dos 2.000.000 m2 necessitam de ser reabilitados.

6. Ninguém tem a ilusão de que um projecto desta natureza se realize de um dia para o outro. Nem ignoramos que algumas das muitas propostas que estamos a avançar não passarão do papel, mas sabemos, também que outras vão surgir, quiçá ainda mais interessantes. Porque uma intervenção destas demora décadas e a incapacidade de prever o futuro é cada vez maior.

O importante é ter um fio condutor, credível e, em torno do qual, se possa fazer a grande concertação indispensável para levar o projecto avante, tendo presente que tudo tem a ver com tudo e que há questões essenciais e outras nem tanto.

Que para ter mais habitação é indispensável domesticar o trânsito. Que sem espaço público, mais nobre e cuidado, não se atrai mais gente. Que a cidade não é feita para o turismo, mas que o turismo é indispensável à riqueza da cidade. Que o património é uma memória inestimável mas que tem de ser vivido hoje e não à moda antiga… etc., etc.

O que pediram ao Comissariado foi uma proposta estratégica que facilitasse a decisão. Um esforço de imaginação e bom senso, uma utopia saudável, mobilizadora de vontades. É isto que estamos a tentar fazer.

Centro Histórico de Lisboa Renovado… Quando?!

Recupero esta posta de Junho de 2006, como exercício de reflexão.
Quase dois anos depois de Manuel Salgado, Arquitecto e membro do Comissariado Baixa-Chiado ter dado esta entrevista ao Diário Económico, em 13 de Junho de 2006, que mudou? Tivemos o Plano de Recuperação apresentado por Maria José Nogueira Pinto, que deve ter merecido a melhor atenção de António Costa… e mais?

Temos muita gente que se dedica a pensar a cidade e a fazer análise vectorial e matricial, recursos humanos com grande capacidade de decisão, mas dava imenso jeito haver também quem fizesse as coisas acontecer.

Um projecto para curar o coração de Lisboa

Hoje não se trata de reconstruir a Baixa-Chiado sobre ruínas, mas de reinventar a forma de a viver, de dar novos usos a muitos edifícios e espaços que perderam sentido.
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Pontes para o infinito

Neste espaço será republicada uma selecção de posts originários de outros blogs que criei ao longo dos últimos quatro anos.
Luminescências, Sétima Colina, Iconographos e Aqui Jazz o Fado.

Não será um best of, antes o pegar em algumas ideias como ponto de partida para abrir novos horizontes.

olha que quatro… mais um…

Óscares 2008 – Nomeados para Melhor Actor Principal

George Clooney, Michael Clayton (2007) não sei quem é.

Daniel Day-Lewis, There Will Be Blood (2007) Um grande actor e, embora só tenha visto a apresentação, parece um sério candidato.

Johnny Depp, Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street (2007) Gosto deste rapaz, mas o mimetismo das suas personagens não deve chegar…

Tommy Lee Jones, In the Valley of Elah (2007) Um dos meus actores preferidos. Ainda não vi o filme.

Viggo Mortensen, Eastern Promises (2007) Um excelente trabalho! A cena da luta no banho turco é de grande realismo… mas a concorrência é de peso!

Inútil Paisagem


 

Mas pra quê
Pra que tanto céu
Pra que tanto mar, pra quê

De que serve esta onda que quebra
E o vento da tarde
De que serve a tarde
Inútil paisagem

Pode ser
Que não venhas mais
Que não voltes nunca mais

De que servem as flores que nascem
Pelos caminhos
Se o meu caminho
Sozinho é nada

 

Recordando António Carlos Jobim e Elis Regina, também nesta preciosidade

Inútil Paisagem

Ponte vasco da Gama - Janeiro de 2008
Mas pra quê

Pra que tanto céu
Pra que tanto mar, pra quê

De que serve esta onda que quebra
E o vento da tarde
De que serve a tarde
Inútil paisagem

Pode ser
Que não venhas mais
Que não voltes nunca mais

De que servem as flores que nascem
Pelos caminhos
Se o meu caminho
Sozinho é nada

Recordando António Carlos Jobim e Elis Regina, também nesta preciosidade

in memoriam

Heath Ledger, 1979-2008

Brokeback Mountain – The Smashing Pumpkins

fragmentos da (puta de) vida

Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja –
Definidamente pelo indefinido…
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.
Fecharam-me todas as portas abstractas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.
Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta – até essa vida…

Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma…
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.

Outra vez te revejo,
Cidade da minha infãncia pavorosamente perdida…
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui…

Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

Outra vez te revejo – Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver…

Outra vez te revejo,
Sombra que passa através das sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir…

Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim –
Um bocado de ti e de mim!…

Álvaro de Campos

Bairro Alto… The Day After..

Dediquei a tarde de sábado a percorrer as ruas do bairro que conheço de cor, no intuito de identificar património degradado e/ou ao abandono. A tarefa revelou-se de uma completa inutilidade, tamanha foi a imundície que encontrei. Cheira mal, as ruas estão um nojo, tudo aquilo me incomodou muito.
Sobre o assunto património, estes amigos de Lisboa estão a tentar ajudar…

Vou ao BA de vez em quando para um copo e penso sempre que será impossível para aquelas pessoas habituarem-se ao barulho, ao cheiro a urina quando saem de casa na manhã seguinte.
Em abono da verdade, nunca conheci o bairro limpo. Mas as ruas lá iam sendo lavadas e os prédios já velhos eram habitados por gente que gostava do seu bairro.

Hoje ninguém gosta, por mais que encolham os ombros, conformados. Basta levantar os olhos e olhar para as varandas e ver as poucas pessoas que estão às janelas, que já foram cuidadas, para ver que olham desconfiadas quem passa.

Quem gosta do bairro hoje são os proprietários dos bares e restaurantes (não há ninguém que os impeça de deitar lixo na rua, já que eles não têm essa decência?) e lojas da moda que viram bar no mês seguinte, se a coisa correr mal. Ah, e os dealers.
Os novos habitantes, gente que pode fazer alguma coisa se quiser, estão-se nas tintas, as Juntas de Freguesia perderam por completo o controle da situação e os políticos levam lá os media para serem vistos a dar umas mangueiradas nas paredes e aliviar as consciências.
Não é falta de empenhamento, não sabem mais.

Obviamente, só a limpeza não resolve os muitos e graves problemas do Bairro Alto, mas não me lixem! Se ao Presidente lhe desse um vipe igual ao do Terreiro do Paço e se empenhasse – só um bocadinho -, a praga das tags resolvia-se em três tempos.
Por este andar, três mandatos são suficientes para matar o bairro.

Le Roi Est Mort. Vive Le Roi!

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