Archive for the ‘ Poesia ’ Category

Corpo Presente

A pedra é uma fronte onde gemem os sonhos
sem água turva ter, nem ciprestes gelados.
A pedra é um dorso para levar ao tempo
com árvores de lágrimas de fitas e planetas.

Já vi chuvas cinzentas a correr para as ondas
erguendo seus tenros braços lacerados,
para não serem caçadas pela pedra estendida
que desata seus membros sem absorver o sangue.

Porque a pedra colhe nuvens e sementes,
esqueletos de calhandras e lobos de penumbra;
porém, não dá rumores, nem fogo, nem cristais,
mas só praças e praças e outra praça sem muros.

Já está sobre a pedra Ignacio o bem-nascido.
Já se acabou. Que se passa! Contemplai sua figura!
A morte cobriu-o de pálidos enxofres
e pôs-lhe uma cabeça de escuro minotauro.

Já se acabou. A chuva penetra em sua boca.
Como louco, o ar deixa seu peito submerso,
e o Amor, empapado com lágrimas de neve,
aquece-se no cume das ganadarias.

Que dizem? Um silêncio com fedores repousa.
Estamos com um corpo presente que se esfuma,
com uma forma clara que teve rouxinóis
e vemos que se enche de buracos sem fundo.

Quem enruga o sudário? O que ele diz é falso!
Não canta aqui ninguém, nem chora em seu recanto,
nem crava as esporas, nem assusta a serpente:
aqui não quero mais do que os olhos redondo
para ver esse corpo sem possível descanso.

Eu quero ver aqui os homens de voz dura
os que domam cavalos e dominam os rios:
os homens cujo esqueleto lhes soa e cantam
com uma boca cheia de sol e pederneiras.

Quero vê-los aqui. Diante da pedra.
Diante deste corpo com as rédeas quebradas.
Eu quero que me mostrem onde está a saída
para este capitão atado pela morte.

Eu quero que me mostrem um pranto como um rio
que tenha doces névoas e margens bem profundas,
para levar o corpo de Ignacio e que se perca
sem escutar o resfolgo duplo dos touros.

Que ele se perca na praça redonda da lua
que em menina finge um dorida rês imóvel;
que se perca na noite sem um canto dos peixes
e na moita branca do fumo congelado.

Não quero que tapem sua cara com lenços
para que se acostume com a morte que leva.
Vai, Ignacio: Não sintas o ardente bramido.
Dorme, voa, repousa: Mesmo até o mar morre!

poema de Federico García Lorca, in Llanto por Ignacio Sánchez Mejías
gravura de Francisco Goya

O Sangue Derramado

Que não quero vê-lo!

Diz tu à lua que venha,
que não quero ver o sangue
de Ignacio sobre esta areia.

Que não quero vê-lo!

A lua de par em par,
cavalo de nuvens quietas,
e a praça gris do sonho
com salgueiros nas barreiras.

Que não quero vê-lo!
Que a lembrança se me queima.
Ide avisar os jasmins
com sua alvura pequena!

Que não quero vê-lo!

A vaca do velho mundo
perpassava a triste língua
sobre um focinho de sangues
derramados sobre a areia,
e os touros de Guisando,
quase morte e quase pedra,
mugiram como dois séculos
fartos de pisar a terra.
Não.

Que não quero vê-lo!

Pelos degraus sobe Ignacio
com toda a sua morte às costas.
Buscava o amanhecer,
e o amanhecer não era.
Busca seu perfil seguro,
e o sonho desorienta-o.
Buscava seu belo corpo
e encontrou seu sangue aberto.
Não me digais que eu o veja!
Não quero sentir o jorro
cada vez com menos força;
esse jorro que ilumina
lugares da praça e se entorna
na bombazina e no couro
da multidão tão sedenta.
Quem grita que eu me debruce?
Não me digais que eu o veja!

Não se fecharam seus olhos
quando viu os cornos perto;
as mães, contudo, terríveis
levantaram a cabeça.
E houve nas ganadarias
um ar de vozes secretas
gritando a touros celestes
maiorais de débil névoa.

Não houve em Sevilha príncipe
que comparar-se-lhe possa,
nem espada como a sua,
nem coração tão deveras.

Como um rio de leões,
maravilha era sua força,
e como um torso de mármore
sua medida prudência.
Um ar de Roma andaluza
dourava a sua cabeça
onde o seu riso era um nardo
de sal e de inteligência.
Grande toureiro na praça!
Que bom serrano na serra!
Que meigo com as espigas!
Que duro com as esporas!
Que terno com o orvalho!
Que deslumbrante na feira!
Que tremendo com o último
par de bandarilhas de treva!

Porém, já dorme sem fim.
Já os musgos e a erva
abrem com dedos seguros
a flor da sua caveira.
Seu sangue já vem cantando:
cantando por prados e marismas,
resvalando em cornos quase gelo,
vacilando sem alma pela névoa,
tropeçando em milhares de cascos,
como uma longa, escura, triste língua,
para formar um charco de agonia
junto ao Guadalquivir das estrelas.

Oh branco muro de Espanha!
Oh negro touro de pena!
Oh sangue duro de Ignacio!
Oh rouxinol de suas veias!
Não!
Que não quero vê-lo!
Que não há cálice que o contenha,
que não há andorinhas que o bebam,
não há geada de luz que o arrefeça,
não há canto nem dilúvio de açucenas,
não há cristal que o cubra de prata.
Não.
Eu não quero vê-lo!!

poema de Federico García Lorca, in Llanto por Ignacio Sánchez Mejías
gravura de Francisco Goya

A Colhida e a Morte

Às cinco horas da tarde.
Eram as cinco em ponto da tarde.
Um menino trouxe o lençol branco
às cinco horas da tarde.
Uma ceira de cal já preparada
às cinco horas da tarde.
Tudo o mais era morte, apenas morte
às cinco horas da tarde.

O vento levou os algodões
às cinco horas da tarde.
E o óxido semeou cristal e níquel
às cinco horas da tarde.
Já lutam a pomba e o leopardo
às cinco horas da tarde.
E uma coxa com um chifre desolado
às cinco horas da tarde.
Começaram os acordes de bordão
às cinco horas da tarde.
Os sinos de arsénico e o fumo
às cinco horas da tarde.
Pelas esquinas grupos de silêncio
às cinco horas da tarde.
E o touro sozinho coração acima!
às cinco horas da tarde.
Quando o suor de neve foi chegando
às cinco horas da tarde,
quando a praça se cobriu de iodo
às cinco horas da tarde,
a morte pôs ovos na ferida
às cinco horas da tarde.
Às cinco horas da tarde.
Às cinco horas em ponto da tarde.

Um ataúde com rodas é a cama
às cinco horas da tarde.
Ossos e flautas soam em seus ouvidos
às cinco horas da tarde.
O touro já mugia por sua fronte
às cinco horas da tarde.
Irisava-se o quarto de agonia
às cinco horas da tarde.
A gangrena já vem lá ao longe
às cinco horas da tarde.
Trompa de lírio pelas verdes virilhas
às cinco horas da tarde.
As feridas queimavam como sóis
às cinco horas da tarde,
e a multidão quebrava as janelas
às cinco horas da tarde.
Ai que terríveis cinco da tarde!
Eram as cinco em todos os relógios!
Eram as cinco em sombra da tarde!

poema de Federico García Lorca, in Llanto por Ignacio Sánchez Mejías
gravura de Francisco Goya

Ao fim da tarde, em Lisboa afinal

Sorriso audível das folhas
Não és mais que a brisa ali
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.

Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar
Tudo é vento e disfarçar.

Mas o olhar, de estar olhando
Onde não olha, voltou
E estamos os dois falando
O que se não conversou
Isto acaba ou começou?

Fernando Pessoa

preso pelo amor

Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;

o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;

não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!

Embraceable you – Ruth Rosengarten, 1988
Soneto do Cativo – David Mourão-Ferreira

Culpa Humana

 


Sarcófagos

 

Para onde vão as aneladas donzelas
que aos ombros levam as repletas ânforas
e têm o firme passo tão ligeiro;
e ao fundo uma aberta de vale
em vão esperando as belas
com a sombra de uma pérgola de vinho
e os seus cachos pendem oscilando.
O sol vai bem alto,
as pressentidas ladeiras
não têm cores: no brando
momento a natureza fulminada
expressa as suas faceiras
criaturas, mãe e não madrasta,
em leveza de formas.
Mundo que dorme ou mundo que se vangloria
de existência imutável, quem o pode dizer?,
homem que passas, dá-lhes tu
o melhor raminho do teu horto.
Depois segue: neste vale
não cabem a escuridão e a luz.
Longe daqui o teu caminho te conduz,
não há asilo para ti, estás por demais morto:
segue o caminhar das tuas estrelas.
E adeus então, aneladas pucelas,
levai aos ombros as repletas ânforas.

 

Gravura de Edvard Munch (1863-1944)
Poema de Eugenio Montale (1896-1981)

 

Impressões da Cidade

O Sentimento de um Ocidental: Ave-Marias

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinido de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!

Gravura de Camille Pissarro (1830-1903)
Poema de Cesário Verde (1855-1886)

as mulheres e a cidade

Alguém diz com lentidão:
“Lisboa, sabes…”
Eu sei, é uma rapariga
Descalça e leve.
Um vento súbito e claro
Nos cabelos,
Algumas rugas finas
A espreitar-lhe os olhos,
A solidão aberta
Nos lábios e nos dedos,
Descendo degraus
E degraus
E degraus até ao rio

Eugénio de Andrade

Basta-me a Primavera, com um Sorriso e uma Flor

Traz-me um girassol para que o transplante
no meu árido terreno
e mostre todo o dia
ao espelho azul do céu
a ansiedade do teu rosto
amarelento

Tendem à claridade as coisas obscuras
esgotam-se os corpos num fluir
de tintas ou de músicas. Desaparecer
é então a dita das ditas

Traz-me tu a planta que conduz
aonde crescem loiras transparências
e se evapora a vida como essência
Traz-me o girassol de enlouquecidas luzes

Poema de Eugenio Montale
Desenho de Vincent Van GoghFifteen Sunflowers in a Vase, 1888

Aos meninos pais

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas –
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou –
“Se é que ele as criou, do que duvido.” –
“Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.”
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

… … … … … … … … … … … … … … … … … … …

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

… … … … … … … … … … … … … … … … … … …

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

… … … … … … … … … … … … … … … … … … …

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?

Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos, poema VIII