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Maria sejas louvada

Minotaure caressant du Mufle la Main d’une Dormeuse, 1933
Minotaure caressant du Mufle la Main d'une Dormeuse, 1933

Maria sejas louvada
Como és tão apertada
Uma virgindade assim
É coisa demais p’ra mim.
Seja como for o sémen
Sempre o derramo expedito:
Ao fim dum tempo infinito
Muito antes do amen.

Maria sejas louvada
Tua virgindade encruada
‘Inda me pões fora de mim.
Porque és tão fiel assim?

Por que devo eu, que dialho
Só porque esperaste tanto
Logo eu, o teu encanto
Em vez doutro ter trabalho?

Poema de Bertolt Brecht, gravura de Pablo Picasso

Veritas

Maus tratos, como agressão física e abuso sexual; Negligência e carências económicas das famílias, são as principais causas encontradas na investigação efectuada pela Comissão Nacional de Saúde da Criança e do Adolescente (CNSCA).
A terrível revelação de que milhares de crianças hospitalizadas estavam – e estão – em risco social; que quatro a seis em cada dez dessas crianças tem menos de dois anos.
É este, o Portugal do século XXI?

Fonte: Diário de Notícias


Maternidade, de Pablo Picasso

Se puderes guardar o sangue frio diante
de quem fora de si te acusar, e, no instante
em que duvidem de teu ânimo e firmeza,
tu puderes ter fé na própria fortaleza,
sem desprezar contudo a desconfiança alheia…

Se tu puderes não odiar a quem te odeia,
nem pagar com a calunia a quem te calunia,
sem que tires daí motivos de ufania,
sonhar, sem permitir que o sonho te domine,
pensar, sem que em pensar tua ambição se confine,
e esperar sempre e sempre, infatigavelmente…

Se com o mesmo sereno olhar indiferente
puderes encarar a Derrota e a Vitória,
como embustes que são da fortuna ilusória,
e estóico suportar que intrigas e mentiras
deturpem a palavra honesta que profiras…

Se puderes, ao ver em pedaços destruída
pela sorte maldosa, a obra de tua vida,
tomar de novo, a ferramenta desgastada
e sem queixumes vãos, recomeçar do nada…

e tendo loucamente arriscado e perdido
tudo quanto era teu, num só lance atrevido,
se puderes voltar à faina ingrata e dura,
sem aludir jamais à sinistra aventura…

Se tu puderes coração, músculos, nervos
reduzir da vontade à condição de servos,
que, embora exausto, lhe obedeçam ao comando…

Se, andando a par dos reis e com os grandes lidando,
puderes conservar a naturalidade,
e no meio da turba a personalidade,
impávido afrontar adulações, engodos,
opressões, merecer a confiança de todos,
sem que possa contar, todavia, contigo
incondicionalmente o teu melhor amigo…

Se de cada minuto os sessenta segundos
tu puderes tornar com teu suor fecundos…

a Terra será tua, e os bens que se não somem,
e, o que é melhor, meu filho, então serás um Homem!

Carta ao filho, de Rudyard Kipling
Tradução de Alcantara Machado

O décimo terceiro soneto

Sculpteur au Repos avec Modèle démasqué et sa Représentation sculptée, 1933

A palavra por que tanto me ralhaste
Vem do florentino. Fica é chamado
Aí o sexo da mulher. De traste
O grande Dante foi então apodado
Porque usou a palavra no poema
Foi injuriado, li hoje como fora
Pelo figo de Helena Páris outrora
(Mas este tirou mais proveito do esquema!)

Agora vês, que até o sombrio Dante
Se envolveu na disputa, que porfia
Por figo que afinal só se aprecia.
Não é só em Maquiavel que se proclama:
Na vida e no livro como é marcante
A briga pela parte que tem justa fama.

Poema de Bertolt Brecht, gravura de Pablo Picasso

Sentimento trágico da existência

Pablo PicassoHomme et femme nue

Se tu e eu, Teresa minha, nunca
nos tivéssemos visto,
tínhamos morrido sem sabê-lo:
não tínhamos vivido.

Tu sabes que morreste, vida minha,
tens, porém, o sentido
de que vives em mim, e viva esperas
que a ti regresse vivo.

Pelo amor soubemos nós da morte;
pelo amor soubemos
que se morre: sabemos que se vive
quando chega o morrermos.

Viver é somente, vida minha,
saber que se há vivido,
é morrer sabendo-o, dando graças
a Deus por ter nascido.

Miguel de Unamuno (1864-1936)
in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea
Selecção e tradução de José Bento

do poeta liberal social avançado..

Scène aux quatre personnages, de pablo Picasso

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar…),

Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa,
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida,
Às normas reais ou sentimentais da vida –
Não ser juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria,
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque têm razão para chorar lágrimas,
E se revoltam contra a vida social porque têm razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-me com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se há uma razão razão exterior para ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
É ter de pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo mais é estúpido como um Dostoievski ou um Gorki.
Tudo mais é ter fome ou não ter que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.

Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco, àquele
Pobre que não era pobre, que tinha olhos tristes por profissão.

Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele!

Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido.

Já disse: sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.

Álvaro de Campos

Da vergonha na mulher

Sculpteur au Repos avec Marie-Thérèse et sa Représentation en Vénus pudique, 1933

Detesto se a mulher é de demorar
Gosto daquela, que sôfrega permita
Consolar-se logo, a vergonha expedita
Entre sedenta e esquiva sempre a arfar.
Mudá-la deve o acto desde os fundos
Até à distorção! Os corpos em rodopio
Estejam nos homens e no mulherio
Longe as cabeças como em dois mundos.
Vergonha a mais para lançar mão à carne
Do homem, prazer demais para que desarme
Julgue-se a mulher pelo metro do prazer.
Boa demais, para sentir na espera
Sôfrega demais, para não tomar o que quisera
É-lhe permitido o tino perder.

Poema de Bertolt Brecht, gravura de Pablo Picasso

Soneto dum coito mediano

Os princípios morais ligados ao simbolismo da sexualidade são apenas uma questão de reflexo condicionado, fruto das regras e valores que ditam as diferenças culturais entre indivíduos do mesmo grupo.
A sua partilha deve tender para os tornar naturais, deixando assim, na minha perspectiva, de ser relevante a questão moral. Resta pois a questão estética e o seu simbolismo.
Identificar os traços que permitem definir uma obra como arte fazem parte de um processo cognitivo, com o qual aprendo a caracterizar a natureza simbólica de uma obra, se tem ou não valor estético.
Este caminho é solitário e mais difícil, pois consiste no desafio de saber justificar o meu juízo de valor sobre se um texto ou uma imagem são ou não obscenos, são ou não arte.
Vamos lá, então:

Scène bacchique au Minotaure, 1933

Até poder ter-te onde já canta
Espero que sejas a última jogada
E um pouco mais húmida que a outra, amada
(Ai, ainda é a esperança que na cova nos planta!)
Vejo que vai dar. Espero: devagar
Pensar nisso é doravante sina
Boa: menos amor, menos vaselina
E ela dá-me agora o coiro a suar
Com um cavalo, ai, foste conferir-me
Há cinco minutos, estou-me a cagar!
E enquanto cismo, para digerir e vir-me
Não sou o Emílio, que estás a chamar
Estou-me nas tintas, da mais alta gama
Com suor do rosto me faço a cama

Poema de Bertolt Brecht, gravura de Pablo Picasso

Da sedução dos anjos

Sculpteur avec un Groupe sculpté (Hommage à Carpeaux), 1934

Anjos seduzem-se: nunca ou a matar.
Puxa-o só para dentro de casa e mete-
-Lhe a língua na boca e os dedos sem frete
Por baixo da saia até se molhar
Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia
E fode-o. Se gemer, algo crispado
Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado
P’ra que do choque no fim te não caia.
Exorta-o a que agite bem o cu
Manda-o tocar-te os guizos atrevido
Diz que ousar na queda lhe é permitido
Desde que entre o céu e a terra flutue –
Mas não o olhes na cara enquanto fodes
E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.

Poema de Bertolt Brecht, gravura de Pablo Picasso

Soprava o vento pela fresta

Autoportrait Trois Formes – Peintre couronné, Sculpteur en Buste et Minotaure amoureux 1933
Autoportrait Trois Formes - Peintre couronné, Sculpteur en Buste et Minotaure amoureux 1933

Soprava o vento pela fresta
A menina comia nêspera
Antes de dar em segredo
O níveo corpo ao folguedo:
Mas antes provou ter tacto
Pois só o queria nu no acto
Um corpo bom como um figo
Não se vai foder vestido.
Para ela em tempos de ais
Nunca o gozo era demais.
Lavava-se bem depois:
Nunca o carro antes dos bois.

Poema de Bertolt Brecht, gravura de Pablo Picasso

O uso das palavras obscenas

Desmedido eu que vivo com medida
Amigos, deixai-me que vos explique
Com grosseiras palavras vos fustigue
Como se aos milhares fossem nesta vida!
Há palavras que a foder dão euforia:
Para o fodedor, foda é palavra louca
E se a palavra traz sempre na boca
Qualquer colchão furado o alivia.
O puro fodilhão é de enforcar!
Se ela o der até se esvaziar: Bem.
Maré não lava o que a arvore retém!
Só não façam lavagem ao juizo!
Do homem a arte é: foder e pensar.
(Mas o luxo do homem é: o riso).

Poema de Bertolt Brecht, gravura de Pablo Picasso