Aniversário de José Bento
No septuagésimo oitavo aniversário do meu roncinante amigo, fica a homenagem ao vulto da cultura portuguesa a quem, em 2006, foi atribuído o 1º Prémio Luso-Espanhol de Arte e Cultura. É de sua autoria a monumental tradução de Don Quixote de La Mancha de Cervantes, com ilustrações de Lima de Freitas e editada pela Relógio D’ Água.
Recomendo ainda a audição do Musica Aeterna de Julho de 2009 que o amigo João Chambers dedicou ao Siglo de Oro, que inclui alguns trechos das traduções de José Bento, com quem tive o grato prazer de ouvir este extraordinário podcast.
Sandro Botticelli – Giovanna degli Albizzi Receiving a Gift of Flowers from Venus, 1486
Para Botticelli
Pressinto que o mundo cresce de teus dedos
quando num clarão mortal se rasgam asas
e faces lívidas de anjos
choram suas raízes arrancadas do chão.
Quando o vento grita em teus cabelos
que não é o mar a seara que se ondula.
Quando um perfil destrói em si a noite
e o teu peito,
onde límpida era a sua côr.
Quando uma árvore frutifica a sua solidão
e se ilumina
com um súbito canto
ou um vulto quase irreal de ser tão breve.
Quando, de olhos sangrentos,
sentes nitidamente o anoitecer
e exausto abandonas a cabeça a mãos ausentes:
náufrago de veias que prolongam a terra,
transfigurado no rosto
onde a manhã te anuncia o seu regresso.
in Silabário, de José Bento