Arquivo de 27 de Setembro, 2004

Outono no mar, na vida, nas palavras..

Emil Nolde, 1910

Uma lâmina de ar

Atravessando as portas. Um arco,

Uma flecha cravada no Outono. E a canção

Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas.

E um velho marinheiro, grave, rangendo o cachimbo como

Uma amarra. À espera do mar. Esperando o silêncio.

É outono. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza

Quando saio para a rua, molhado como um pássaro.

Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se

Da minha revolta última. Ou do teu nome que repito.

Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede

Cumprimenta o sol. Procura-se viver.

Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.

Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se

Como se, de repente, não houvesse mais nada senão

A imperiosa ordem de (se) amarem.

Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.

Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos.

Não há um nome para a tua ausência. Há um muro

Que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho

Que a minha boca recusa. É outono

A pouco e pouco despem-se as palavras.

Joaquim Pessoa