Grande Panorama de Lisboa – Azulejo

A partir do século XVIII, a pintura do azulejo foi-se libertando do contorno do desenho e passou a existir maior criatividade na composições, adaptando-as aos espaços.
Estas inovações deram origem a um período de ouro na azulejaria, o Ciclo dos Mestres, passando o pintor a ter um estatuto de artista e assinando, frequentemente, as suas obras.

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Grande produção da azulejaria portuguesa, atribuída por José Meco a Gabriel del Barco, o Grande Panorama de Lisboa, datável de 1700, é um documento iconográfico fundamental para o conhecimento da capital portuguesa antes do Terramoto que a destruiu em 1755.
Sabendo-se a sua proveniência, o Palácio dos Condes de Tentúgal, na Rua de Santiago, em Lisboa, desconhece-se contudo o seu modo de aplicação, sendo possível que o painel guarnecesse uma sala, sujeito a interrupções de portas e janelas, facto que justifica a existência de meios azulejos em algumas fiadas verticais, assim como de uma multiplicidade de perspectivas aplicadas na representação de diferentes edifícios e áreas, mesmo que não interrompidas sequencialmente.
Sem grandes preocupações de rigor na representação, marcada pela ausência de escala relativa próprias aos efeitos de perspectiva e pela indiferença ao rigor na informação sobre os edifícios, alguns que resistiram ao desatre ou de que existe outra iconografia, o Grande panorama de Lisboa não deixa de ser uma peça de excepção nos seus 23 metros de comprimento, correspondentes a cerca de 14 quilómetros de costa, rica de apontamentos de quotidiano e clara na apresentação escalonada da urbe que um viajante estrangeiro que aqui aportou, no reinado de D. João V, descreveu: “erguendo-se como um soberbo anfiteatro, pela sua elevação, pela extensão e por uma aparente simetria natural, oferece um dos mais belos panoramas do mundo”.

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Terreiro do Paço
A designação de Terreiro do Paço é a memória do impacto que teve na organização da cidade a construção, por D. Manuel I, de um novo palácio para se tornar a principal residência régia da cidade de Lisboa. Colocado junto ao rio, tinha basicamente um objectivo prático, pois permitia organizar urbanisticamente uma das áreas-chave da cidade, onde se concentravam muitos dos aspectos relacionados com o tráfego marítimo.
No piso térreo do palácio dispunha-se a Casa da Índia, a que a presença em permanência do Rei, no mesmo edifício, dotava de uma vertente simbólica, associando as administrações política e económica do Reino. Do edifício destacava-se, ainda, um grande torreão mandado executar mais tarde por Filipe II, aquando da União Ibérica, no local onde existira um baluarte manuelino.
No terreiro fronteiro ao Palácio estava uma fonte encimada por uma estátua de Neptuno, símbolo da vocação marítima do local e, no lado da praça, oposto ao rio, as arcadas da velha muralha fernandina, fortificação que marcava os limites da cidade medieval.
O Terreiro do Paço era dominado, em segundo plano, por dois montes, estando no mais elevado o Castelo de São Jorge, abaixo do qual está a Sé Catedral, e no outro a Capela de Nossa Senhora do Monte ou de São Gens.

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Terreiro do Paço – Lisboa, c. 1700
Faiança a azul sobre branco, 115 x 2247 cm
Proveniente do antigo Palácio dos Condes de Tentúgal, Lisboa

Mercado da Ribeira e Casa dos Bicos
Junto à margem do Tejo, anexo ao Terreiro do Paço, vê-se o mercado, conhecido como a Ribeira Velha ou a Praça das Berças, espaço privilegiado de venda de frutas e hortaliças, que era também conhecido pela venda de pescado, facto que mereceu o seguinte elogio de um visitante francês do séulo XVIII: “(…) O Mercado de peixe de Lisboa é, sem possível contestação, o melhor da Europa, pela variedade de peixe que ali se encontra (…)”.
Em segundo plano está a Casa dos Bicos, designação como ficou conhecida a construção mandada fazer por Brás de Albuquerque quando, em 1522, regressou de Itália onde terá conhecido os modelos de palácios com a fachada coberta por pedras talhadas em pirâmide, designadas ponta de diamante.

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Convento da Madre de Deus
grande-panorama-de-lisboa_convento-da-madre-de-deus_detalheSituado no extremo do painel, afastado do centro da cidade, encontra-se a representação do Convento onde hoje se localiza o Museu Nacional do Azulejo.
Ainda que esboçadas, é possível perceber a massa edificada nas duas principais fases de construção:
a do período de D. Leonor, do início do século XVI, com estrutura encimada por coruchéu e decorada com os medalhões cerâmicos da oficina dos Della Robbia, localizados próximo da entrada da igreja primitiva;
a segunda fase de construção, de meados do século XVI, do reinado de D. João III, volume horizontal com pórtico maneirista, a cúpula que coroava a nova igreja e o aterro construído junto ao Convento, destinado a criar barreira protectora ao edifício, evitando as inundações provocadas pela proximidade das águas do rio.

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A cidade das sete colinas e das mil igrejas
Lisboa anterior ao Terramoto de 1755 está claramente documentada nesta secção,, onde é possível observar o antigo largo da Igreja de São Paulo, que ficava mais a poente, estando a fachada do edifício voltada no sentido oposto ao que se encontra hoje.
No morro sobranceiro ao Largo de São Paulo, vemos o Convento dos Clérigos Teatinos da Divina Providência, fundado em 1653 e mais conhecido como dos Caetanos, hoje a Escola Superior de Música.
Em plano recuado, naquele que é conhecido como o Bairro Alto, estão mais duas igrejas, a de São Roque e a de São Pedro de Alcântara, a primeira jesuíta, com importante azulejaria portuguesa do século XVI.

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No morro à esquerda do Convento dos Teatinos encontra-se o alto de Santa Catarina com a igreja da mesma invocação, construída em 1557 por financiamento de D. Catarina, mulher de D. João III, doada à Irmandade dos Livreiros e que apresenta junto à fachada, no morro, uma enorme cruz de madeira que servia de guia para os navegantes e que, então, deu nome à Rua da Cruz de Pau, que desembocava nesse largo.
No limite esquerdo desta secção do painel está o Convento de São Bento da Saúde, que constituía uma das mais importantes edificações da antiga cidade o que, certamente, terá levado à sua escolha, por decreto de 1834, para sede do Congresso da Nação, hoje Palácio da Assembleia da República.
Também situado no limite urbano da cidade, dominando a paisagem, ficava o Convento das Terceiras de Jesus, cuja igreja, mais conhecida como das Mercês, encerra na abóbada de uma das suas antigas capelas, a da Imaculada, um dos mais notáveis conjuntos azulejares da cidade, da autoria de António de Oliveira Bernardes, cerca de 1714-1715, e que resistiu ao desastre.
Apesar da importância das casas religiosas, destaca-se o molhe de construção de barcos, junto à enseada onde hoje se encontra a Doca de Santos, próximo da qual está o Palácio dos Almada, com a sua larga fachada evocativa de uma torre, rasgada por uma porta de arco perfeito, encimada pelo brasão da família e ainda hoje existente.

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    • Andradarte
    • 22 de Maio, 2009

    Sou apaixonado por azulejo e estacionei no Museo do Azulejo, em frente a esse painel. É fascinante.Toda a gente devia descansar um pouco na sua frente.
    Abraço

    • RAFAEL de Faria Domingues MOREIRA
    • 8 de Janeiro, 2016

    A data do Painel NÃO é c.1690-1700, como José Meco erradamente afirmou, mas sim “1716” – a Lisboa joanina, não a de D. Pedro II… -, como descobri escrito num canto de um azulejo (“XVI”=16, i.e. (17)16) e provei num artigo da revista “Olisipo”, nº 31, 2010. Pena que a equipa encarregada de estudar o Painel tenha insistido no erro de Meco – por razões de política universitária? – e rejeitado a minha conclusão segura, ignorando o que Júlio de Castilho em “Lisboa Antiga (Bairros Orientais)” já afirmava em 1890 – que de 1681 a 1705 o Palácio ficou embrulhado numa questão jurídica sobre sua posse, durante a qual o painel nunca poderia ter sido encomendado… – e argumentando que o “XVI” é uma “marca alfandegária”, quando a marca da Alfândega era sabidamente um selo impresso sobre cera ou lacre. E assim se perpetuam os erros!
    (Rafael Moreira)

  1. A data do Painel NÃO pode ser 1690-1700, como José Meco escreveu erradamente, mas sim 1716, como descobri, escrito a meio de um dos azulejos (“XVI”=16, i.e. (17)16) e provei num artigo da revista “Olisipo”, nº 31, 2010. Pena que o grupo que estudou em 2009-14 o painel tenha insistido na “invenção” do J.Meco e hostilizado a minha descoberta (por motivos de política académica?), ignorando que Júlio de Castilho já em 1890 dissera na “Lisboa Antiga (Bairros Orientais)” que o Pal. Santiago esteve em 1681-1705 envolvido numa complicada questão de posse legal – durante a qual NUNCA o painel pode ter sido encomendado… – e tentando explicar o “XVI” como simples “marca alfandegária”, quando se sabe que a Alfândega marcava os bens com o seu selo impresso na cera ou lacre. E assim se perpetuam os erros!
    Rafael Moreira, Jan. 2015

  1. 22 de Março, 2009
  2. 9 de Maio, 2009

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