Biografias – Padre António Vieira

pav2008

18-10-2008 / 15-11-2008

Exposição e Conferências no GEOLisboa do séc. XVII “… a mais deliciosa terra do mundo….”
Imagens e textos nos quatrocentos anos do nascimento do padre António Vieira
Conferencistas: Andreas Gehlert, uma esplêndida vista de Lisboa no Castelo de Weilburg, Alemanha
Vitor Serrão, imagens de Lisboa na pintura portuguesa dos séculos XVI e XVII

O Padre António Vieira nasceu em 1608 numa Lisboa que afirmou ser “a mais deliciosa terra do Mundo”. Para evocar os 400 anos de tão importante evento é apresentada uma exposição, na qual se divulgam, de forma integrada, imagens e livros que abordam a cidade no século XVII, ao longo do qual se passaram os trabalhos e os dias daquele famoso jesuíta que, mesmo longe, lembrava a sua “Lisboa, onde estou sempre com o pensamento”.

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Os Combates do Padre António Vieira

«Um assunto vai para um vento, outro assunto vai para outro vento, que se há-de colher senão vento».
(Sermão da Sexagésima, 1655)

por Guilherme d’Oliveira Martins, em artigo publicado no Nº 36 da Revista Nova Cidadania, Julho de 2008

Comemorar o padre António Vieira significa invocar a memória de alguém que combateu pela liberdade e pela dignidade humana com todas as suas forças e para além daquilo que o seu tempo ajuizava. E é impressionante, à distância, nos dias de hoje, verificar como o pensamento do orador sagrado e do diplomata, apesar de marcado pelo tempo, pode ser compreendido por nós, quatro séculos depois…

Muito se tem dito sobre o Padre António Vieira e ressalta sempre a sua qualidade única de «Imperador da Língua Portuguesa», segundo a expressão do exigente Fernando Pessoa, que nunca regateou elogios à força extraordinária de alguém que foi muitíssimo mais do que um pregador («No imenso espaço seu de meditar,/ Constelado de forma e de visão…»). Com o Padre Vieira, estamos perante a maturidade da língua portuguesa em prosa, cuja leitura nos dias de hoje continua a encher-nos de emoção. Foi um visionário, um diplomata, um pregador da Capela Real, um conselheiro avisado, um humanista, um lutador pelo respeito da dignidade humana, à frente do seu tempo, e um artífice, como houve muito poucos, da palavra dita e escrita. Sente-se, em cada expressão, em cada ideia, a força mágica dos encadeamentos, das repetições, das sinonímias, das contradições, dos paradoxos, das metáforas, dos símbolos, dos conceitos, do ponto e do contraponto, da proximidade e da distância (leia-se o imprescindível A Oratória Barroca de Vieira, de Margarida Vieira Mendes, Caminho, 2003).

Vieira não se resume, nem se limita ao culto de palavras e de ideias, por detrás desse jogo aparente está uma corajosa defesa de ideias e de causas, que, pela sua determinação e persistência, lhe foram causando os maiores dissabores e os piores contratempos. A sua obra «é inquestionavelmente uma das manifestações mais altas da capacidade criadora do espírito lusíada, na qual estranhamente se fundem o sonho e a realidade…», no dizer de Aníbal Pinto de Castro (António Vieira, Uma Síntese do Barroco Luso-Brasileiro, 1997). E é preciso ter uma força muito especial para poder manter-se actual quatro séculos depois do seu nascimento. E se digo actual, uso a palavra com o cuidado devido: não significa que possamos repetir agora o que foi dito por ele no século XVII, quer antes dizer que podemos hoje compreender, ressalvadas as distâncias de tempo e mentalidades, o que visava o padre, o orador ou o conselheiro. E percebemos bem que o que dizia e o que pensava estava muito à frente do que entendiam os seus contemporâneos (cf. João Lúcio de Azevedo, História de António Vieira, Lisboa, 1918-1920).

O Padre Vieira foi um homem que procurou sempre pautar-se pela antecipação e pelo critério do futuro, demandando respostas para um transe muito difícil vivido na sua época pelos portugueses (recuperação da independência, fragilidade do novo poder, acumulação de ameaças externas no contexto da Guerra dos 30 Anos). Como pregador precisava de seduzir e de mobilizar vontades, quando a sociedade estava dividida e perplexa. O império temporal vinha-se esboroando, num processo longo que vinha do último quartel do século XVI. As riquezas perdiam-se ou dissipavam-se, os «fumos da Índia» avolumavam-se, havia divisões profundas (bem evidentes na crise dinástica que Vieira sentiu directamente, sobretudo depois do desaparecimento de D. João IV).

Havia, por isso, que reconstruir o império em moldes totalmente diferentes, que não padecessem das enfermidades antigas. E um império consistente, teria de ser espiritual, para ser motivador e tentar combater os males da corrupção do poder e do dinheiro. E vinha à baila a antiga ideia judaica de «povo eleito» à exigência moderna de encontro e de reconhecimento das diferenças. Eis por que razão a espiritualidade de Vieira procura ser aberta aos outros e ao futuro. E no entanto nota-se o risco, que mais tarde se revelará (na história das «reduções jesuíticas», por exemplo), de um choque de projectos políticos, o do reino e o da companhia. Esse risco sente-o o próprio Vieira, ora por incompreensão política e pelo sobe e desce dos poderes, ora por ameaça dos interesses e por falta de meios para agir.

Hoje diríamos que havia uma estratégia segundo a qual seria necessário compatibilizar o humanismo universalista e uma nova ideia de império. E o Padre António Vieira retoma então o que os franciscanos espirituais (ou antes deles os joaquimitas) há muito defendiam, também sob a invocação do Espírito Santo. E falando de audácia e atrevimento, basta lembrar o poderoso «Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as da Holanda», dito na Igreja baiana de Nossa Senhora da Ajuda, em Maio ou Junho de 1640 («arrependei-vos misericordioso Deus, enquanto estamos em tempo, ponde em nós os olhos da vossa piedade, ide à mão da vossa irritada justiça, quebre vosso amor as setas da vossa ira, e não permitais tantos danos e tão irreparáveis»). Mas os exemplos multiplicam-se, com especial subtileza.

O jesuíta atraiu e acumulou ódios, que juraram pela sua pele, primeiro entre os colonos brasileiros, depois na Corte, entre os invejosos do lugar proeminente que assumiu junto de D. João IV, alvitrando, aconselhando e agindo, e ainda na Inquisição, pela qual foi perseguido, julgado, preso e, por fim, perdoado apenas graças à intercessão papal… Leia-se o Sermão da Dominga Vigésima Segunda depois do Pentecostes (1649), onde, partindo de S. Mateus («É lícito ou não pagar o imposto a César?», 22,17), verbera a hipocrisia dos fariseus, ataca o fanatismo cego e sem caridade, e lembra os escrúpulos falsos de Pilatos, sempre a pensar nos inquisidores: «Ó julgadores que caminhais para lá com as almas envoltas em tantos e tão graves escrúpulos de fazendas, de vidas, de honras, e cuidais cegos, e estúpidos, que essas mãos com que escreveis as tenções e com que firmais as sentenças, se podem lavar com uma pouca de água. Não há água que tenha tal virtude».

Nunca fugiu das dificuldades nem da denúncia dos erros e atropelos, como se vê bem no Sermão do 5º Domingo da Quaresma, dito no Maranhão: «E se as letras deste abecedário se repartissem pelos Estados de Portugal, que letra tocaria ao nosso Maranhão? Não há dúvida que o M. M Maranhão, M murmurar, M motejar, M maldizer, M malsinar, M mexericar, e sobretudo M mentir: mentir com as palavras, mentir com as obras, mentir com os pensamentos, que de todos e por todos os modos aqui se mente…». Os Sermões de Santo António aos Peixes, dito ainda no Maranhão, da 3ª Dominga da Quaresma e da Sexagésima, pregados na Capela Real, e do Bom Ladrão, apresentado na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), de 1654 e 1655, são bem ilustrativos da coragem acusatória de Vieira contra abusos e injustiças: «Encomendou el-Rei D. João o Terceiro a S. Francisco Xavier o informasse do estado da Índia, por via de seu companheiro, que era mestre do Príncipe; e o que o santo escreveu de lá, sem nomear ofícios, nem pessoas, foi que o verbo rapio na Índia se conjugava em todos dos modos…».

Com a Guerra dos 30 Anos a finar-se, havia que preparar um alinhamento que permitisse uma presença segura de Portugal na nova balança europeia. Tudo iria mudar nas legitimidades e no modo de organizar os Estados. Vieira, entre o sonho e a realidade, propõe um novo modo de agir. E a justificação espiritual (que a Inquisição considerou heresia) poderia abrir novos horizontes, sobretudo através da criação de bases sólidas no Brasil e na Índia. A legitimidade da força tinha de ceder perante a legitimidade do espírito.

Assim, o Quinto Império não era um sonho desligado da realidade nem uma ilusão centrada no território da loucura, era uma tentativa de regresso à epopeia de quinhentos, com um repensamento estratégico, que tirasse lições dos erros cometidos. Daí o recurso à imagem do livro de Daniel da estátua que «tinha a cabeça de ouro fino, o peito e os braços de prata, o ventre e as ancas de bronze, as pernas de ferro, os pés metade de ferro e metade de barro» (Dan. 2,32) e ao prenúncio de um quinto império (frágil e forte, como o ferro e a argila), que jamais seria destruído. Assim foi concebida a História do Futuro, antecipada pelo Sermão dos Bons Anos (1.1.1642), onde as Escrituras, as profecias de S. Frei Gil de Santarém e as Trovas do Bandarra levaram-no a transferir o mito do Desejado de um rei morto em Alcácer-Quibir (Sebastião) para um rei vivo (João, ali presente na Capela Real). Seria nesse império que se reuniriam todos os povos sob a égide do Vigário de Cristo e sob um mesmo governo temporal do Rei de Portugal…

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20080620

Padre António Vieira – O gigante da Oratória Sacra
JOSÉ VERDASCA (1)

INTRODUÇÃO
Interrogar-se-á o leitor não católico, o estudioso profano, ou até mesmo o aluno agnóstico, anticlerical e pragmático, sobre a oportunidade, as razões, as vantagens, e os inconvenientes, que concorrem e decorrem para o, e ou do lançamento, neste início do terceiro milénio, de uma obra do século XVII, com sermões escolhidos de António Vieira, dado que se trata de prédicas de um padre nos púlpitos do Brasil e da Europa, numa época em que a Igreja – ainda toda poderosa – presidia aos destinos do Planeta, e o esclavagismo se encontrava no seu apogeu, apesar de o Renascimento ter surgido no Velho Mundo com novas práticas e idéias, entre as quais pontificava o humanismo, arejando mentes e consciências; tal interrogação teria sua razão de ser, não fosse Vieira o maior autor de língua portuguesa do século XVII – e um dos maiores de todos os tempos – e não fora a sua obra fruto de um talento inexcedível e de uma erudição ímpar, resultado de uma capacidade de intervenção oportuna e vigorosa, e consequência de uma ousadia sem limites, e de uma curiosidade intelectual única, o que a torna clássica, portanto, antológica.

Entretanto, a obra do padre Vieira impõe-se, ainda – e sobremaneira -, pela elevação e beleza de sua estilística, pela firmeza e clareza de suas construções retóricas, e pela oportunidade e humanismo de suas intervenções político-sociais, em que ora defende índios e negros, ora ataca a corrupção e o abuso, sem se esquecer de defender os cristãos novos, exilados, na tentativa de conseguir o retorno ao reino de seus capitais, tão necessários ao desenvolvimento de Portugal e do Novo Mundo, situação que ainda hoje perdura. Na realidade, os seus sermões – se bem que fossem clássicas peças de oratória sacra – jamais deixaram de ser, também, vibrantes, enérgicas, e oportunas intervenções político-sociais, quer se tratasse da exploração do trabalho escravo, da corrupção administrativa, ou da guerra contra os holandeses.

Quando estudamos Vieira, logo sobressaem as variadas facetas desse grande português do Brasil, onde avulta e brilha o primoroso escritor, o pregador sacro sem concorrente, e o humanista e homem de ação sem paralelo, a um tempo defensor de negros e índios, da justiça e da liberdade, a par de sua postura contra os abusos da Inquisição, sem esquecer o político e diplomata de muitas causas e batalhas, ou o filólogo que falava sete dialetos nativos, nos quais pregava e escrevia os catecismos com que ensinava os índios. Assim sendo, não é de estranhar que a moderna língua portuguesa, saída do gênio de Camões, tenha sido lapidada e consolidada, pela escrita e pela voz do padre Antônio Vieira, que elevou a prosa portuguesa à sua mais alta e pura expressão, como Camões tinha feito com a poesia épica.

Observe o leitor, o que se vem passando nos lugares e países onde – com muita frequência – se desloca o Papa João Paulo II, e repare nos milhões de fiéis e agnósticos, crentes e não tanto e, sobretudo, pessoas de todas as idades, religiões e condições sociais, que correm para ver o homem de carisma e saber, e ouvir aquele que personifica a fraternidade, o bom senso, a bondade, e a justiça. É que a resposta para as mais sérias e profundas indagações do ser humano – de onde viemos, quem somos e para onde vamos – ainda não foi conveniente e definitivamente encontrada, dado que ao nosso entendimento não basta, porque a nossa inteligência não aceita – pura e simplesmente – que a missão na Terra, e o destino final e fatal do Homem, sejam, apenas, a propagação da espécie, seguida do envelhecimento e morte física, quando tudo se acabe, à semelhança do que acontece com todo e qualquer animal e ou vegetal.

Na realidade, as multidões que ouviam Santo Agostinho (2) em Hipona, que na Itália e na França acompanhavam deslumbrados os pronunciamentos de Santo Antônio de Lisboa (3), que no Brasil, em Lisboa, e em Roma, assistiam aos sermões do Padre Antônio Vieira, e que hoje correm para ver e ouvir João Paulo II, procuravam esperam algo mais que um simples sermão, buscavam e desejam mais que uma bela peça oratória, ansiavam e querem muito que um espetáculo social ou humano porque, na realidade, precisam do que ainda não encontraram em suas existências, sejam novos indícios ou provas sobre a Essência da Vida, cintilantes luzes que conduzam a reveladores dados relativos ao Destino do Homem, e, até mesmo, visões que lhes permitam entender a missão dos homens à superfície da Terra, uma vez que a Humanidade, com toda a sua história, com todo o seu acumulado saber, com toda a sua inteligência, com toda a sua obra, com toda a sua racionalidade, de modo algum pode nivelar-se a qualquer outro agrupamento animal irracional.

Estudar António Vieira é abordar os mais complexos problemas da Vida, e mergulhar fundo na Existência e na Essência do Homem, uma vez que a análise crítica de seus sermões nos põe em contacto com fenómenos sociais e existenciais de todos os tempos, pois são de ontem, de hoje, e de sempre, tanto a justiça quanto a liberdade, ética como a fraternidade, a paz assim como a igualdade perante a lei, a alma e o espírito, que devem ser o fim primeiro e último de todo o estudo, e de todo o estudante, quaisquer que sejam a sua especialização académica, a sua ideologia política ou a sua crença religiosa. Além disso, o jesuíta Vieira escrevia e pregava como ninguém, tendo-nos deixado uma obra literária do mais puro vernáculo, original e pura, profunda e eclética, ética e estética, cujo estudo forma e engrandece, instrui e esclarece, eleva e enobrece quando a sua leitura interessada e atenta encanta e delicia o leigo, o estudante, o professor ou o erudito.

António Vieira – O Grande – foi um homem eclético e polivalente, porquanto encarnou vários personagens ao longo de sua atribulada vida, ou melhor, protagonizou, na vida real, e com perfeição, as variadas e importantíssimas funções de pregador, escritor, missionário, professor, diplomata, filósofo, conselheiro real e outras, no desempenho das quais sempre o brilho de sua inteligência, o vigor de sua palavra, o rigor de sua argumentação, a integridade de seu caráter, e a retidão de sua personalidade, augustos atributos que, de tão raros, o tornaram alvo dos baixos sentimentos de todos quantos – por inveja, despeito, ou interesses feridos – se sentiam ameaçados e ou humilhados pela excelência e grandeza de suas qualidades. Em boa verdade, no padre Antônio Vieira concorriam o intelectual e o homem de ação, o erudito e o professor, o orador e o místico, o humanista e o mítico, e a tal ponto, e com tanta profundidade o jesuíta assumia e desempenhava essas nobres tarefas que, em toda a sua longa existência, sempre se mostrou um homem de eleição, admirado e respeitado por nobres e plebeus, negros e índios, governadores e almirantes, reis e cardeais, pois, cada um a sua maneira, reverenciava, em Vieira, um ou mais dos muitos homens que nele se abrigavam.

Naturalmente, o penetrante, eficaz e convincente instrumento de ação e comunicação do padre Antônio Vieira foi a linguagem – falada e/ou escrita – sempre apaixonada e eloquente, vigorosa e convincente, inteligível e abrangente, certeira e inteligente, oportuna e comovente, através da qual cumpriu um longo e brilhante apostolado, exercido quer junto aos primitivos índios da Baía e do Pará e Maranhão (4), como perante os interesseiros colonos da sua capital São Luís; tanto face aos defensores da cidade de São Salvador, como aos seus reais ouvintes da Igreja de São Roque, em Lisboa; tanto perante os nobres da corte de D. João IV, como frente aos ilustres e ilustrados cardeais e prelados do Vaticano; tanto em reunião com os eruditos freqüentadores do palácio da rainha Cristina da Suécia, em Roma, como nas cortes européias, onde desempenhou delicadas e conturbadas missões doiplomáticas. E, em nenhum momento, a sua negritude – era.neto de uma mulata africana – foi obstáculo aos seus objetivos. Na realidade, talvez o padre Antônio Vieira devesse à sua mestiçagem alguns de seus melhores atributos.

Entre os quatro principais modelos de oratória – académica, política, judiciária e sagrada – o classicismo português distinguiu-se e brilhou nesta última, mercê do engenho e arte do padre António Vieira, o gigante dos púlpitos do século XVII que, tanto no Brasil quanto na Europa, atingiu as culminâncias do prestígio e da fama, elevando, até as alturas, a oratória sacra em língua portuguesa, quando os seus Sermões deslumbraram índios e senhores de engenho, plebeus e nobres, simples e eruditos, reis e cardeais, altura em que o próprio papa se viu arrebatado pela demolidora dialética e pelas empolgantes construções retóricas do jesuíta português. Senhor de insuperável gênio verbal, caracterizado por um raciocínio dedutivo de irretocável lógica, o talentoso Vieira manipulava a riqueza vocabular da nossa língua portuguesa, com insuperável maestria, o que lhe permitiu atingir inigualável expressão oral, sem jamais macular a pureza do idioma. Como dizia Fidelino de Figueiredo: “Vieira é um modelo de expressão, de relevo enérgico, e de eloquência. Maravilha-nos que ele conseguisse tais efeitos, com um léxico tão reduzido, e uma sintaxe tão correntia… Um inimitável mestre na arte de combinar valores comuns em efeitos novos e relevantes. Esse dom nasceu com ele, morreu com ele”.

Assim como Camões foi o grande artista da palavra escrita que, com sua obra, proporcionou à moderna língua portuguesa a “arte final” – que à superior beleza estética de sua poética, adicionou uma linguagem vibrante e arrebatadora, e uma riqueza descritiva clara, objetiva, e profunda, a tornarem Os Lusíadas um marco na história da poesia épica mundial, e a sua obra referência da língua dita “de Camões” – não é menos certo que, um século depois, aos sermões do padre Antônio Vieira se deveu, não apenas a consagração definitiva do idioma luso, como, ainda, e principalmente, a consolidação da nobre fala dos hoje mais de duzentos milhões de seres humanos, nos cinco continentes, língua que se aproxima dos 500.000 (quinhentos mil) vocábulos. E tão marcante, permanente e definitiva foi – para a afirmação e perenização da “última flor do Lacio” – a contribuição da obra de Vieira, que o seu biógrafo, D. Francisco Alexandre Lobo, bispo de Viseu, sobre ela, assim se pronunciou:

“Se o uso da nossa língua se perder, e com ele por acaso acabarem todos os nossos escritos, que não Os Lusíadas e as obras de Vieira, o português, quer no estilo da prosa, quer no poético, ainda viverá na sua perfeita índole nativa, e na sua riquíssima cópia e louçania”.

A riquíssima e vasta obra do jesuíta padre Antônio Vieira – de quem conhecemos cerca de duzentos e vinte sermões, mais ou menos seiscentas e cinqüenta cartas, muitos discursos apologéticos, gratulatórios, e panegíricos; além de exortações, exórdios, prédicas, homilias, e orações fúnebres, não esquecendo a sua defesa no processo que lhe foi movido pela Inquisição, e, principalmente, uma relativamente curta peroração, mas encantadora obra-prima, que é Lágrimas do Heráclito (5) defendidas em Roma pelo padre Antônio Vieira contra o riso de Demócrito (6) – dizíamos, a obra de Vieira constitui o mais rico, variado e significativo conjunto de sermões e orações sacras em língua portuguesa, resultado do génio e talento daquele que foi – indiscutivelmente – o maior e mais brilhante orador sacro do século dezessete e um dos pregadores mais talentosos e arrebatadores de sempre, ombreando com Santo Agostinho de Hipona e com Santo Antônio de Lisboa – chamado de Pádua – a par dos mais prestigiados, conhecidos e respeitados doutores da Igreja em todos os tempos e lugares.

Em Vieira, encanta e embriaga a beleza estética de sua parenética – enquanto eloqüência sacra ou arte de pregar – porquanto, nenhum outro pregador da Idade Moderna tão belos sermões escreveu e disse, tão longe chegou na arte sermonária, tanto ousou, tão brilhante e convincente foi e, acima de tudo, tantas paixões extravasou e despertou, como o amado Paiaçu (padre grande) dos índios do Grão Pará e Maranhão, aos quais também muito amou e defendeu contra os abusos dos senhores da época, os quais, nada podendo contra a força de sua palavra, e a capacidade de seus argumentos, acabaram por expulsá-lo para Portugal, assim como aos seus companheiros. Mas, o que mais importa, e se deve destacar_na inigualável obra do padre Antônio Vieira, é a oportunidade dos temas abordados, o sentido de justiça de suas intervenções, e a atualidade de seu conteúdo e de sua doutrina, porquanto – hoje, como ontem – a violência é brutal e generalizada, a miséria injustificada e injusta, e a injustiça social por demais desumana, para não falar da escandalosa e tolerada corrupção.

Da grandiosa, rica, e erudita obra de Vieira, sobressaem naturalmente os Sermões, que resplandecem como brilhantes, por serem empolgantes peças de oratória – acentuadamente barrocas (7) – onde metáforas e alegorias são muitas vezes magistralmente incluídas e manuseadas, de molde a enriquecer imagens e conceitos, que ilustravam a sua linguagem, e causavam profundo impacto no auditório; tais artifícios de discurso e linguagem, de inigualável e elegantíssimo estilo, e de incisiva e clarividente oportunidade, revelavam excepcional talento oratório, aguda e profunda sensibilidade, e enciclopédica erudição, a qual dava mais luz ao já esfuziante brilho da sua palavra, onde sobressaía, indestrutível, a capacidade de argumentação, a tomar inatacáveis – porque conclusivas – suas perfeitas, arrojadas, e belas construções retóricas, normalmente alicerçadas em princípios e revelações bíblicas, devidamente ilustradas com exemplos concretos, do dia-a-dia da vida de seus ouvintes.

Entre os cerca de duzentos e vinte sermões a que fizemos referência, contam-se trinta alusivos ao Rosário, vinte e cinco sobre a Quaresma, dezoito acerca de São Francisco Xavier (o grande apóstolo das índias), catorze relativos à Eucaristia, nove invocando Santo António de Lisboa – dito de Pádua – o mais famoso dos quais é conhecido como Sermão de Santo António ou dos Peixes, porque inspirado no célebre Sermão de Santo António aos Peixes – oito sobre o lava-pés, sete relativos ao Advento, seis sobre o Mandato, quatro invocando São Roque, e três abordando a Quarta-feira de Cinzas, além de outros sobre a Páscoa, o Espírito Santo, o Santíssimo Sacramento, o Pentecostes, sermões de Ação de Graças, muitos mais abordando temas como as Misericórdias, e todos eles belíssimas peças da oratória sagrada lusobrasileira, redigidos no mais puro e belo estilo da nossa língua portuguesa, se bem que – em alguns dentre eles – possamos destacar atributos especiais, tais como a oportunidade dos temas, o vigor e precisão da linguagem, ou a elevada concepção artística, que o orador arquiteta de forma sublime, como no caso do Sermão do Espírito Santo, quando compara o trabalho do missionário (7) – que ele era – ao ofício do artista escultor, e o faz de um modo inigualável:

Vêde o que faz em uma pedra a arte. Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas – tosca, bruta, dura, informe – e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem, primeiro membro a membro, e depois feição por feição, até a mais miúda. Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços. espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos: aqui desprega, al iarruga, acolá recama, e fica um homem perfeito, talvez um santo que se pode pôr no altar. O mesmo será, se à vossa indústria não faltar a graça divina”.

Aqui chegados, cumpre-nos ressaltar o fato de o padre António Vieira – escritor e orador sem paralelo, cuja obra reflete o esplendor da oratória sacra na milenar língua portuguesa, tendo em conta que SantoAntónio pregava em latim – ter-se revelado um homem de exceção, não apenas através dos Sermões que o consagraram e/ou das cartas que o perpetuaram, mas, ainda, através da sua vastíssima obra como evangelizador, professor, diplomata, político e estadista, o que lhe granjeou a inveja e o ciúme de muitos de seus colegas contenporâneos, baixos sentimentos a que ficou devendo perseguições e vinganças, ódios e rancores, traições e maus tratos, a sua expulsão do Maranhão pelos colonos, ou o processo e julgamento a que foi submetido pela Inquisição, de que resultou condenação a quatro anos de cárcere, dos quais cumpriu pouco da metade.

Entretanto, é mister apresentar-vos uma análise crítica específica, e mais acurada, relativamente aos sermões escolhidos para figurarem nesta obra, não apenas esclarecendo os motivos de sua seleção – onde ressaltam a oportunidade dos temas, a profundidade e atualidade dos conceitos, e, acima de tudo, as suas superior beleza estética e moralidade ética, valores perenes sempre presentes na obra do grande jesuíta – como ainda, e principalmente, esclarecer as circunstâncias que presidiram à sua feitura, porquanto, em Vieira, todos os pronunciamentos perseguiam um objetivo imediato, obedeciam a um humanista impulso de consciência e, muito especialmente, visavam uma correção de rumos no sentido da justiça, da valorização da moral social, e do bem-estar das comunidades, mormente das mais desfavorecidas, ignorantes, e destituídas.

São cinco os sermões selecionados para compor a presente obra – apresentados por ordem cronológica – que se encerra com uma brilhantíssima abordagem filosófica do pranto e do riso, conferência efetuada em Roma, no palácio da rainha Cristina da Suécia, perante os mais influentes prelados e dignitários da corte papal, que lá se reuniam frequentemente:

01 – Sermão da Primeira Dominga da Quaresma (ou das Tentações)
02 – Sermão de Santo António (ou dos Peixes)
03 – Sermão da Sexagéxima (ou do Evangelho)
04 – Sermão do Bom Ladrão (ou da Audácia)
05 – Sermão da Epifania (ou do Evangelho)
06 – O Pranto e o Riso, ou as Lágrimas de Heraclito defendidas em Roma pelo Padre António Vieira contra o riso de Demócrito (Roma, palácio da RAINHA Cristina da Suécia, 1674)

S. Paulo, Maio de 2003

Notas

1. Escritor, poeta e jornalista. É oficial do exército português, licenciado em ciências militares pela Academia Militar de Lisboa, e pós-graduado em administração de empresas pela Universidade Mackenzie, com o curso de língua e cultura francesas da Alliance Française. Pertence às Academias Cristã de Letras (Patrono António Vieira) e Paulistano da História, às Ordens Nacional dos Bandeirantes e dos Escritores, e ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, como sócio-titular. Tem vários livros publicados em Portugal e no Brasil.
2. Talvez o mais célebre dos padres do séc. IV e V, foi bispo de Hipona (África) e autor de Confissões.
3. Célebre padroeiro dos namorados, nasceu em Lisboa, em 1195, e faleceu em 13.06.1231, perto de Pádua, onde está sepultado.
4. Filósofo grego (século VI a.C.); autor da obra Sobre o universo
5. Filósofo grego (século V a.C.); autor da teoria do átomo.
6. Estilo ou tendência que prioriza a sensibilidade.
7. Vieira comparava o índio à pedra bruta, a quem o missionário transformava em “estátua”.

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20080206
Artigo de Ana Marques Gastão, no Diário de Notícias

Por que não evocar Vieira – símbolo do Barroco ibérico por excelência – no dia em que passam 400 anos do seu nascimento, relembrando as suas argumentações perante sexo oposto? Antecipemos, pois, algumas das ideias de um estudo sobre a matéria ainda em fase de provas. O Padre António Vieira e as Mulheres/O mito barroco do universo feminino trata, não do contacto que o jesuíta teve com as mulheres na vida quotidiana, mas do papel assumido por estas, para o bem o e para o mal, na sua obra, sobretudo no sermonário.

Os autores do livro, a publicar, em breve, pela Campo das Letras, são José Eduardo Franco, historiador, poeta e ensaísta, doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, em História e Civilização, e em Cultura pela Universidade de Aveiro, e Maria Isabel Morán Cabanas, professora de literatura portuguesa na Universidade de Santiago de Compostela.

Que pretende, afinal, este longo ensaio? Fornecer dados – alguns deles novos -, para uma melhor compreensão da visão barroca do universo feminino nos sermões de Vieira como expressão de um longo processo de elaboração, ao longo de vários séculos, de uma imagem mítica da mulher.

Já Ana Hatherly, pioneira no tratamento desta temática, escrevera que, do ponto de vista artístico, na cultura ocidental, judaico-cristã, existem dois grandes paradigmas: “o da tentadora, que conduz o homem à perdição, e o da salvadora, que o conduz à redenção.”

Se, para a escritora e estudiosa do Barroco,”entronizar a mulher através do platonismo é uma forma de exorcizar pela distância o fascínio erótico que e ela exerce, santificá-la é outra forma de neutralizar o impacte da sua sedução transferindo-o para o plano do aceitável, e até louvável, em termos morais. (Imagens da Mulher, do Humanismo ao Barroco in O Ladrão Cristalino/Aspectos do Imaginário Barroco, Cosmos)“.

Ora, no entender de António Vieira, a mulher é capaz dos “actos mais nobres e dos sentimentos mais divinos”, podendo “originar os desastres mais graves, as paixões mais avassaladoras e perturbadoras da harmonia pessoal e social”, e até ser uma via para a ascensão do homem. Esta visão dir-se-ia, bem ao gosto do Barroco, paradoxal. Explica José Eduardo Franco: “O paradigma mariano pode ser entendido como “a auto-estrada para Deus e o eviano como a “viela para a tentação”.

Mas se, no seu sermonário, Vieira, reelaborando a cultura de fundo judaico-cristã e greco-romano, exprime as ideias dominantes e inferiorizantes em torno da condição feminina – a sociedade e a igreja seiscentista eram misóginas -, pressente-se o despertar, quase imperceptível, de uma certa consciência crítica perante o universo feminino, tão triunfante, segundo D’Ors, neste tempo quanto derrotado.

Relembrem-se, no entanto, os dizeres de Vieira, ao gosto da época, mas ainda assim inacreditáveis: “Não quis o Autor da natureza que a mulher se contasse entre os bens móveis. O edifício não se move do lugar onde o puseram; e assim deve ser a mulher, tão amiga de estar em casa, como se a mulher e a casa foram a mesma coisa.” Ou: “É tal a inclinação e tão impaciente na mulher o apetite de sair e andar, que por sair e andar deixou Eva o esposo, e por sair e andar deixou a Deus. Oh, quantas vezes, por este mesmo apetite vemos deixado a Deus; e os esposos pior que deixados.”

Apesar disso, Vieira muito apreciava mulheres de espírito, cultas, tendo escrito sobre figuras bíblicas, mártires santas místicas, Maria. Uma admiração mútua existiu entre o jesuíta e a rainha Cristina da Suécia, que residiu em Roma depois de abdicar do trono e de se converter ao catolicismo.

A integração comparativa da obra do jesuíta no âmbito do Barroco ibérico é uma das inovações deste estudo que vem a ser preparado desde 2004: “Mesmo assim, Vieira foi um grande cantor do feminino nas grandezas e nas misérias!”, comenta o ensaísta.

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Padre António Vieira pregando aos indios

P. António Vieira pregando aos índios (C. Legrand, ca. de 1841) A legenda diz: “O P.e ANTÓNIO VIEIRA // N.1608 / +1697 / Os Brasis, largando as armas, se curvavão a seus pés, re-verenciavam a imagem de Christo crucificado e na sua lingua indigena ouvião a voz do Evangelho com atenção //”

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«(…) A primeira coisa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. (…) Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá: para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se hão-de comer.»

Sermão de Santo António aos Peixes, pregado na cidade de São Luís do Maranhão em 1654

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Padre jesuíta, missionário, orador e diplomata, António Vieira foi sobretudo um dos maiores prosadores da língua portuguesa. A diversidade de registos da sua intervenção tornou-o, ao longo da segunda metade do século XVII, uma das figuras dominantes da vida portuguesa, tendo argumentado junto das cortes europeias a causa da Restauração e a legitimidade de D. João IV como rei de Portugal. Defensor dos direitos dos indígenas do Brasil onde passou uma parte importante da sua vida, autor de um importante corpus de Sermões que o coloca entre os maiores escritores portugueses de todos os tempos, António Vieira nasceu em Lisboa a 6 de Fevereiro de 1608 e morreu no Brasil, na Baía, a 17 de Junho de 1697.

Padre António Vieira (6 de Fevereiro de 1608)

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O professor da Universidade Católica Portuguesa Manuel Cândido Pimentel, presidente da comissão organizadora das comemorações do “Ano Vieirino”, disse hoje à Lusa que entre 06 de Fevereiro de 2008 e 06 de Fevereiro de 2009 decorrerão eventos comemorativos de diversa natureza sobre os quatrocentos anos sobre o nascimento do padre António Vieira, com destaque para um congresso internacional.

As comemorações têm o patrocínio do Presidente da República, Cavaco Silva, e do cardeal patriarca de Lisboa, D. José Policarpo.

As comemorações começarão com uma cerimónia no próximo dia 06 de Fevereiro na Academia das Ciências de Lisboa, mas o objectivo é estendê-las a todo o país, com a participação e a adesão de diversas entidades e instituições, como os municípios, que poderão promover localmente iniciativas relacionadas com a vida e a obra do padre António Vieira, como conferências, exposições, música e roteiros culturais, explicou Manuel Cândido Pimentel.

Por iniciativa conjunta da Faculdade de Ciências Humanas e do Centro de Estudos de Filosofia da Universidade Católica em Lisboa, da Faculdade de Letras e do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa e da Província da Companhia de Jesus, realizar-se-á em Lisboa, entre 18 e 21 de Novembro deste ano, um congresso internacional comemorativo do quarto centenário do nascimento do padre António Vieira.

Apologética, Dogmática, Epistolografia, Ética, Filologia, Filosofia, História, Inquisição, Pedagogia, Pética, Religião, Retórica, Teologia e Universalismo são alguns dos temas a debater no congresso, cujos participantes também reflectirão sobre Vieira diplomata, escritor, missionário, poeta e político.

Os promotores das comemorações desejam a criação de uma rede internacional de universidades para estudo e divulgação da figura e da obra do padre António Vieira no mundo.

Evocar e homenagear o padre António Vieira (1608-2008) “deve constituir um desafio à exploração de campos múltiplos: da Retórica à Hermenêutica, da Poética à Iconografia, da Filosofia à Teologia, da Diplomacia à História”, disse também à agência Lusa Manuel Cândido Pimentel.

“Homem do Barroco, Vieira é fruto e parte activa desse tempo que o fulgor da sua palavra e a assombrosa energia dos seus passos logram, no entanto, transcender”, acrescentou aquele académico, acrescentando que “compreender Vieira será sempre um factor de descoberta, um fecundo exercício de busca de conhecimento”.

Ao longo da sua vida, repartida entre Portugal e o Brasil, com passagens por França, Holanda, Inglaterra e Itália, “sempre este jesuíta se assumiu como actor no grande teatro do mundo, desdobrando-se em desempenhos tão fascinantes pela diversidade como pela genialidade da representação”.

“Hoje, ler Vieira não é apenas entrar no grande teatro do mundo barroco: é descobrir, com maravilha, o infinito universo da palavra, prodígios, subtilezas e meandros da língua”, realçou ainda Manuel Cândido Pimentel.

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CINEMATECA – Ciclo de Cinema: IV CENTENÁRIO DO PADRE ANTÓNIO VIEIRA

Em colaboração com 2008 Ano Vieirino

“Parece-vos bem isto, peixes? Representa-se-me que com o movimento das cabeças estais todos dizendo que não, e com olhardes uns para os outros, vos estais admirando e pasmando de que entre os homens haja tal injustiça e maldade! Pois isto mesmo é o que vós fazeis. Os maiores comeis os pequenos; e os muito grandes não só os comem um por um, senão os cardumes inteiros, e isto continuamente sem diferença de tempos, não só de dia, senão também de noite, às claras e às escuras, como também fazem os homens. Se cuidais, porventura, que estas injustiças entre vós se toleram e passam sem castigo, enganais-vos. Assim como Deus as castiga nos homens, assim também por seu modo as castiga em vós. Os mais velhos, que me ouvis e estais presentes, bem vistes neste Estado, e quando menos ouviríeis murmurar aos passageiros nas canoas, e muito mais lamentar aos miseráveis remeiros delas, que os maiores que cá foram mandados, em vez de governar e aumentar o mesmo Estado, o destruíram; porque toda a fome que de lá traziam, a fartavam em comer e devorar os pequenos. Assim foi; mas se entre vós se acham acaso alguns dos que, seguindo a esteira dos navios, vão com eles a Portugal e tornam para os mares pátrios, bem ouviriam estes lá no Tejo que esses mesmos maiores que cá comiam os pequenos, quando lá chegam, acham outros maiores que os comam também a eles”.

A citação é conhecida. É um excerto do Sermão de Santo António aos Peixes, pregado pelo Padre António Vieira na cidade de São Luís do Maranhão em 1654. Inscrevemo-la no programa da Cinemateca em 2008 por evocarmos o quarto centenário do nascimento do escritor e orador a quem Pessoa chamou “o imperador da língua portuguesa”, nascido em Lisboa em Fevereiro de 1608.

No cinema português, tem sido Manoel de Oliveira a lembrar a sua figura e obra, assim como o imaginário ligado a uma e a outra: NON OU VÃ GLÓRIA DE MANDAR, PALAVRA E UTOPIA e O QUINTO IMPÉRIO são portanto filmes para este Fevereiro, alinhados num programa que propõe também, em primeira exibição na Cinemateca, a produção brasileira de Júlio Bressane SERMÕES – A HISTÓRIA DE ANTÓNIO VIEIRA.
PALAVRA E UTOPIA de Manoel de Oliveira com Lima Duarte, Luís Miguel Cintra, Ricardo Trepa, Ronaldo Bonnachi, Miguel Guilherme, Leonor Silveira, Renato Di Carmine
Portugal/França/Brasil/Espanha, 2000 – 132 min
A vida, as cartas e os sermões do Padre António Vieira são o material de partida de Manoel de Oliveira para PALAVRA E UTOPIA, filmado em Portugal (Coimbra, Lisboa), Brasil (São Salvador da Baía, S. Luís do Maranhão), e Itália (Roma), num retrato fiel ao percurso do protagonista que começamos por encontrar em 1663, quando é chamado a comparecer em Coimbra perante a Inquisição.
Qua. [06] 21:30 Sala Dr. Félix Ribeiro

NON OU A VÃ GLÓRIA DE MANDAR de Manoel de Oliveira
com Luís Miguel Cintra, Diogo Dória, Miguel Guilherme, Luís Lucas, Carlos Gomes, António Sequeira Lopes
Portugal, 1990 – 108 min
A História de Portugal vista à luz das suas derrotas, contada pelo Alferes Cabrita aos homens da sua companhia em plena guerra colonial. Ou um filme sobre militares em guerra, que evocam momentos de história, e que termina com a morte do Alferes Cabrita no dia 25 de Abril de 1974. Um filme essencial sobre os “Non” do 25 de Abril. NON é palavra buscada ao Padre António Vieira, que a chamava “terrível palavra”.
Sex. [08] 22:00 Sala Luís de Pina


SERMÕES – A HISTÓRIA DE ANTÓNIO VIEIRA
de Júlio Bressane com Othon Bastos, Antonio Abujamra, Karen Acioly, Neville de Almeida, Haroldo de Campos, Paula Lavigne, José Lewgoy, Breno Moroni, Paulo Cesar Saraceni
Brasil, 1989 – 78 min
No seu retrato do Padre António Vieira, Júlio Bressane centra-se nos Sermões. “São transcriados episódios da vida de Vieira, com as suas pregações, profecias, actividades diplomáticas e políticas, confrontos com a Inquisição e a aristocracia, manifestações em defesa de judeus e índios, e a condenação por heresia decretada pelo Santo Ofício” (da sinopse do filme). Apresentado no FESTROIA em 1994, o filme tem a sua primeiraprojecção na Cinemateca.
Seg. [11] 19:00 Sala Dr. Félix Ribeiro
O QUINTO IMPÉRIO – ONTEM COMO HOJE de Manoel de Oliveira
com Ricardo Trêpa, Luís Miguel Cintra, Glória de Matos, Miguel Guilherme
Portugal/França, 2004 – 127 min
Baseado na peça de José Régio El Rei Sebastião (1949), à volta da figura do Rei, do Homem e da mítica personagem: “Depois da estrondosa derrota na batalha de Alcácer-Kibir (1578), mais conhecida pela Batalha dos Três Reis, e por jamais ter sido identificado o seu corpo após a batalha (D. Sebastião), tornou-se no mito do encoberto, ele que fora antes o desejado e o destinatário ao mito (…). Este mito do encoberto faz também parte da mitologia muçulmana e, tal como o rei Sebastião, é suposto vir a acontecer o mesmo com o Iman muçulmano (o da décima segunda geração) cuja crença comum é a de que virá num cavalo branco, em uma manhã de nevoeiro para derrubar definitivamente o mal do mundo e estabelecer a concórdia entre os povos”(Manoel de Oliveira).
Seg. [18] 19:30 Sala Luís de Pina

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    • barbara
    • 28 de Outubro, 2008

    huuuuuuuuummm!!!O site ta muito legal!! Mas infelizmante eu não achei o que eu tava querendo!!!
    Eu tava a procura de uma peça teatral barroca!!Manda resposta por caridade!!!se não eu vou tirar nota baixa la na escola!!
    Valeu…Muito obrigaduuuuuuu

    • Natália
    • 21 de Janeiro, 2009

    Olá!!! Site muitíssimo interessante, mas faltou uma coisa muito importante , a BIBLIOGRAFIA. No mais .. Só tenho a parabenizar… fiquem na paz!! Bjs…(Natália Pimentel./Literata )

    • José Claudio
    • 15 de Abril, 2009

    Olá! Tudo bem?
    O site é muito interessante, porém não encontrei o que procurava.
    Eu estava a procura de uma análise completa do “SERMÃO DA SEXAGÉSIMA”, mas não a encontrei.
    Se vocês conseguirem mandem-me o mais rápido possível.

    Obrigado e fiquem com Deus.

    • Julia
    • 15 de Junho, 2009

    Adoreeii beiinhêe , o site é barbaaroo, mtoo deez ,
    maiis infelismente neem acheii o estava procurandoo !!!!!

    mesmoo assim gosteeiii 😉

    Obrigadaa . . .

    • kikojapones
    • 14 de Setembro, 2009

    affs mano antonio vieira noob x1?

  1. oi julia gostei de vc sera que eu tenho chanse

  2. mxm asin obrigad

    • glenda
    • 11 de Novembro, 2010

    axei muito interessante todas as matérias, esclari muitas duvidas sobre o padre Antônio vieira!
    Glenda Matos

    • Vanessa
    • 11 de Novembro, 2010

    mmmmuuuuuuuuuuito leeeeegaaaaallllllllll
    adorei os temas colocados pra discursão
    muito interessante!!!!
    obrigada

    • roberto
    • 16 de Maio, 2011

    esse padre é um safado deve estar no inferno ,não merece nada de nossa parte perdão nunca

  1. 1 de Novembro, 2008
  2. 2 de Janeiro, 2011
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